A Nação como resposta?
Há algum tempo me pergunto sobre como faremos para sair da crise. Falo em crise, no singular, mas na verdade são muitas crises. Há a da saúde, a da política, a da falta de saneamento básico e, claro, a econômica: segundo os analistas de mercado, este ano o PIB vai contrair 6,5% [o artigo foi escrito em junho/2020], milhões de trabalhadores ficarão sem emprego e as contas públicas arriscam entrar em trajetória explosiva.
Em que pese a dramaticidade desses números, é preciso reconhecer que a pandemia apenas agravou a crise econômica, não a originou. Ela vem de antes. De 1981 a 2020, nosso PIB per capita terá crescido apenas 0,5% ao ano. Isso é uma fração do crescimento médio das economias emergentes e dos países avançados, de 1,6% e 2,8%, respectivamente. Em 2011-19, antes da pandemia, portanto, nosso PIB per capita já tinha caído, em média, 0,13% ao ano.
Há décadas o Brasil faz reformas, fiscais e microeconômicas, sem nunca resolver os problemas, seja a precariedade das contas públicas, seja a má qualidade do ambiente de negócios. Não quero com isso negar que tenha havido avanços. Houve, e muitos: sem pretender ser exaustivo, vale citar a redemocratização, com a ampliação do direito ao voto; o controle da inflação; a melhora significativa de indicadores sociais nas áreas de saúde e educação; avanços na questão distributiva e na redução da pobreza; melhoras no ambiente de negócios, com privatizações, abertura comercial, reforma trabalhista; e medidas fiscais importantes, como o teto de gastos e as reformas da previdência.
Por que não conseguimos construir em cima dessas reformas para colocar o Brasil em uma trajetória de crescimento rápido e estável? Essa pergunta acabou me levando ao tema da “nação”. Esta, como define o Houaiss, é uma “comunidade humana, fixada em sua maioria num mesmo território, e que possui unidade histórica, linguística, religiosa, econômica, mais ou menos forte”. Esse sem dúvida é o caso da nação brasileira. O que vejo, porém, é que a nação é pouco valorizada entre nós. Mudar essa atitude na direção certa pode ser o caminho para construirmos uma saída para evitar o desastre que nos aguarda se persistirmos desunidos e sem cuidar dos desafios que ora se colocam.
Em seu excelente "O Pecado Original da República” (Bazar do Tempo, 2017), o historiador José Murilo de Carvalho faz várias considerações sobre nossa dificuldade de desenvolver um sentimento mais forte de nação, “de nossa dificuldade em definir algum tipo de identidade coletiva para o país”. Ele atribui isso à desigualdade social, refletida por muito tempo na baixa participação social no processo político-eleitoral. Reforça esse ponto citando José Bonifácio, que em 1833 já observava "que o principal obstáculo à construção de uma nação brasileira era a existência da escravidão”.
A escravidão acabou há mais de 132 anos, mas a baixa integração entre diferentes segmentos da população brasileira segue existindo. Assim, na visão de José Murilo, "hoje, o equivalente da escravidão, o câncer que corrói as entranhas do corpo social brasileiro, o maior obstáculo à formação de uma nação, continua sendo a desigualdade social”.
Assim, na sua visão, “[s]em comunidade, vivências, sentimentos e propósitos comuns, a identidade nacional passou a ser imaginada por intelectuais, aí incluídos historiadores, com muito esquecimento, muito erro e muita fuga, (…) Houve muito esquecimento no mito de uma história pacífica, houve erro na ideia de democracia racial, houve fuga na exaltação da natureza como principal motivo de orgulho nacional”.
Me pergunto, porém, se a desigualdade é a única explicação. Há uns dias, por exemplo, ouvi o interessante argumento de que a Constituição de 1988 teria enfraquecido entre nós o sentido da nação, ao enfatizar os direitos individuais e fortalecer o papel das corporações, em detrimento da busca do interesse coletivo.
Também me parece que entre o período Vargas e meados dos anos 1970 o Brasil conseguiu fortalecer esse sentimento de comunidade, de identidade coletiva, em torno da ênfase em torno de uma proposta de desenvolvimento nacional, calcado na industrialização, no petróleo é nosso etc.
Como bem colocou o também historiador Simon Schama, “[u]ma coisa que a interrupção trazida pela pandemia provocou é um confronto com grandes questões históricas: quem somos como nação, o que fomos e para onde estamos indo”? (https://on.ft.com/3hnt41m) Acho que um debate assim precisa ocorrer no Brasil. Precisamos fortalecer a nação brasileira.
Este artigo foi publicado originalmente pelo Correio Braziliense em julho de 2020
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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