Não precisamos de um Plano Biden, apenas de um Plano
Há muita preocupação com o crescimento econômico no pós-pandemia. A preocupação é justificada, pois o Brasil ainda não havia se recuperado da crise anterior. O baixo crescimento da economia brasileira é um fenômeno que preocupa desde os anos 1980. As causas desse fenômeno são objetos de intermináveis discussões que polarizam e não conseguem organizar uma agenda econômica robusta.
Desde 1980, o país sai pior de uma crise do que entrou. A taxa média de crescimento nos quatro anos anteriores à crise iniciada em 1979 foi de 6,7% e caiu para 6,1% nos quatro anos seguintes ao fim da crise. Depois da crise iniciada em 1987 e encerrada em 1993, o crescimento médio nos quatro anos seguintes caiu, mais uma vez, para 4,3%. Depois dessa crise, um período de maior estabilidade política e econômica combinada com algumas reformas, políticas progressistas e um cenário internacional favorável, o crescimento se acelerou um pouco.
A questão voltou durante a crise de 2008-09. O crescimento médio nos três anos anteriores à crise foi de 4,58% e caiu para 4,11% nos três anos seguintes. Na crise de 2015-16, o crescimento caiu mais uma vez de 1,8% nos três anos anteriores para 1,5% nos três anos seguintes. A perda de crescimento média durante esses episódios foi de 16,5%. Algumas perguntas se colocam diante desse padrão.
Por que cada crise tem significado menos crescimento futuro? Nos últimos anos, os economistas têm estudado o fenômeno da histerese. Na física, traduz a ideia de que um corpo produz um movimento que extrapola a força que lhe foi aplicada. Em economia pode ser traduzido pela ideia de que crescimento baixo gera crescimento baixo.
Existem várias razões para a histerese se manifestar depois de uma forte crise. Empresas que passam por dificuldades financeiras reduzem o investimento para ajustarem seus balanços. Empresas mais fragilizadas são adquiridas por outras empresas concentrando mercado. A concentração de mercado reduz a competição, a inovação e piora a qualidade do produto oferecido junto aos consumidores, reduzindo a produtividade da economia como um todo.
O desemprego elevado afeta a experiência e a aprendizado dos trabalhadores no local de trabalho. A maior dificuldade financeira das famílias limita o acúmulo de capital humano dos filhos, reduzindo o nível educacional e o desenvolvimento de capacidades cognitivas. Uma economia com baixo investimento, desemprego elevado e baixa qualidade da força de trabalho aloca mal seus recursos expandindo setores com baixa produtividade.
A histerese econômica expressa a dificuldade em adotar as políticas adequadas para sair da crise o que enseja erros de diagnóstico, de implementação e falta de convencimento político. Cada crise tem contornos próprios, mas espera-se que uma boa política econômica seja responsável por reverter essas tendências negativas.
Políticas de treinamento profissional e inclusão social ajudam a incorporar trabalhadores no mercado de trabalho. Políticas que combatem a concentração de mercado e mantêm a concorrência no ambiente econômico por meio de estímulos à inovação, fortalecimento das empresas mais afetadas pela crise, redução do custo do capital, ampliação de investimentos públicos e atração de capital externo são medidas que contribuem para impedir a queda do investimento e da produtividade.
A segunda pergunta é até que ponto esse fenômeno pode se repetir com a pandemia? Existem alguns vetores que atuam para expandir a economia no curto prazo: (i) a retomada automática da atividade quando a reabertura sustentável for possível; (ii) a demanda reprimida por serviços pelos indivíduos que conseguiram elevar a poupança durante a pandemia e; (iii) o estímulo internacional a partir da expansão fiscal nos principais países desenvolvidos e China.
Esses três fatores ajudam na normalização da economia, mas não parecem capazes de gerar crescimento econômico. O estímulo internacional, ajuda na recuperação de curto prazo, mas contribui para aumentar nossa defasagem tecnológica e o diferencial de produtividade com os demais países ao longo dos anos.
A pandemia, por sua vez, reforça muitas das tendências observadas na crise anterior e que resultaram em perda de capacidade de crescimento. O desemprego mais elevado diminui o tamanho do mercado doméstico. Sem perspectivas de melhoras ou compensações em termos de ganhos de produtividade, algumas empresas estão saindo do país. O endividamento das empresas será mais elevado, particularmente pequenas e médias que com dificuldades financeiras terão dificuldades para investir.
A inserção internacional atual parece um entrave importante para aproveitar algumas oportunidades como o recebimento de vacinas, fundamentais para encurtar a duração da crise até investimentos para setores onde há capital disponível como o meio ambiente.
O país pratica uma austeridade seletiva. Comprime despesas que propiciam crescimento econômico inviabilizando várias políticas públicas importantes, mas não consegue ser austero com gastos inócuos que preservam interesses e protegem rendas. O mundo se dá conta de que a baixa tributação sobre o capital não gerou crescimento, mas sim desigualdade e financia a reconstrução econômica com aumento de impostos corporativos sobre os mais ricos. Por aqui, esse tema continua politicamente interditado.
O Brasil não tem as mesmas condições para adotar um Plano Biden, mas seria positivo ter algum plano. A melhor forma de preservar o longo prazo é não criar nem aprofundar nossas próprias crises.
Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 29/04/2021, quarta-feira.
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