A narrativa econômica de Biden e Yellen
Os economistas, como outros seres humanos, são fãs de narrativas. Estas os ajudam a articular fatos e ideias e, não menos importante, comunicar essas ideias uns para os outros. Isso ajuda a explicar a popularidade da narrativa da estagnação secular, que há alguns anos ocupa parte considerável do debate sobre a dinâmica da economia mundial.
Alvin Hansen, professor de economia em Harvard, em 1938, foi o primeiro a falar em estagnação secular. Com isso ele quis caracterizar a preocupação de que a economia americana, na saída da Grande Depressão, estivesse condenada a um quadro de continuada — daí o termo "secular" — estagnação, pois faltava apetite por investir e sobrava poupança. Esse temor acabou não se materializando, pela forte demanda criada, primeiro, pela participação americana na II Grande Guerra e, na saída desta, pela expansão demográfica e a onda de consumo que ocorreram nas décadas seguintes.
Já na década passada, Larry Summers, ex-Secretário do Tesouro (Ministro da Fazenda) americano, e também professor em Harvard, resgatou a ideia, argumentando que, com algumas décadas de atraso, a estagnação secular chegara, não só aos EUA, mas às economias avançadas. Mais uma vez estaríamos diante de um quadro de pouco investimento e muita poupança, o que pressionaria os juros de equilíbrio e a inflação para baixo.
Pelo lado da poupança, o principal fator seria a transição demográfica, levando ao envelhecimento da população. Como as pessoas vivem mais, precisam acumular maior patrimônio para a aposentadoria, especialmente em um contexto em que esse rende pouco. Populações estáveis também significam que não há necessidade de construir novas moradias, nem escolas, nem grandes obras de infraestrutura. A baixa demanda por investimento também viria de os setores mais dinâmicos, baseados na tecnologia da informação, quase não usarem capital físico e, por outro lado, levarem ao uso mais eficiente do capital disponível: a Amazon reduziu a demanda por construir shopping centers, a Airbnb por construir hotéis e a Uber por fabricar automóveis.
Uma consequência desse quadro é a baixa capacidade dos bancos centrais de tirarem a economia da estagnação. Ou pior, argumenta Summers, eles só conseguem gerar algum crescimento mais significativo reduzindo o custo de financiamento e anestesiando a percepção de risco a tal ponto que inflacionam o preço de ativos, levando a crises financeiras recorrentes. Isso explicaria a bolha imobiliária e a Crise Financeira Internacional da primeira década deste século.
Summers e outros economistas argumentam que, nessas condições, o protagonismo no combate ao baixo crescimento precisa passar à política fiscal, ficando a autoridade monetária em posição secundária. Há receitas com variadas combinações de políticas fiscal e monetária, com a Moderna Teoria Monetária no extremo, defendendo que os bancos centrais garantam que os gastos públicos possam ser financiados a baixo custo.
A pandemia da Covid-19, a eleição de Joe Biden como presidente dos EUA e, este mês, a conquista democrata do controle do Senado, abrem o espaço para uma mudança na política econômica nessa direção. Nesse sentido, me marcou o comentário de Janet Yellen, a nova Secretária do Tesouro, de que “é hora de agir grande”. O uso de “agir”, em vez de “pensar”, me pareceu uma forte mensagem.
Biden já anunciou seu plano de gastos públicos adicionais de 1,9 trilhão de dólares, na esteira dos US$ 900 bilhões aprovados na virada do ano. No todo, isso equivale a 3,3% do PIB mundial. E Biden quer mais: ele já está negociando a aprovação de um plano de investimentos em infraestrutura, focado em energias renováveis, somando outros três a quatro trilhões de dólares.
Eu acredito que, no biênio 2021-22, pelo menos, veremos a volta de políticas Keynesianas, com os bancos centrais adotando uma posição mais passiva e de tolerância com a inflação. Essa visão também deve ganhar espaço na Europa. Se vai dar certo, é cedo para dizer. O Japão faz isso há décadas, com pouco sucesso.
E o Brasil? Nossa situação é bem diferente da dos EUA e de outras economias avançadas. Precisamos muito expandir nosso estoque de capital e aqui falta, e não sobra, poupança. O receituário aqui não é mais gasto público, que só elevará a incerteza e o custo de financiamento das empresas, mas sim melhorar o ambiente de negócios e a situação fiscal.
Este artigo foi publicado originalmente pelo Correio Braziliense em 27/01/2021.
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