Nova licitação do Maracanã: A razão pode vencer a paixão
O Governo do Estado do Rio de Janeiro anunciou recentemente em entrevista (pela enésima vez) que está prestes a lançar o novo edital de concessão do Maracanã. A licitação anterior, vencida pela Odebrecht, que ficou marcada por escândalos de corrupção envolvendo a empreiteira e o então governador Sergio Cabral, está próxima de ser rescindida.
Mesmo após um custo descomunal de R$ 1,2 bilhão para sua reforma – mais caro que a construção de estádios inteiramente novos para as Copas da Alemanha e da África do Sul –, o Consórcio Maracanã, administrador do estádio, alegou ter sofrido um prejuízo acumulado de mais de R$ 200 milhões desde o início da administração em 2013. Dentre os motivos alegados estão a frustação de receitas causadas pela proibição da demolição de equipamentos esportivos e culturais para construção de estacionamento e shopping e os altos custos operacionais das partidas.
Um traço inovador do modelo de concessão adotado foi a vedação da participação dos clubes do processo licitatório, sob duas justificativas: (i) a eventual incapacidade de um clube gerir o estádio, e (ii) que o estádio deveria se manter acessível a todos os clubes e não apenas ao seu administrador. O resultado prático desse arcabouço não serviu a ninguém: à concessionária, que teve prejuízos; aos clubes, que têm optado por mandar seus jogos em outros estádios sempre que possível, pressionados pelos altos preços de aluguel cobrados e os entraves operacionais impostos pelo concessionário; e, sobretudo, ao seu dono, o estado do Rio, que fica sem uma fonte de recursos no atual momento de crise.
Uma nova licitação para o Maracanã pode, se bem-feita, garantir uma nova fonte de receita pela arrecadação de tributos sobre uma atividade econômica relevante e permitir que a prática esportiva transcorra normalmente. Para que funcione, é necessário oferecer viabilidade econômica e garantir concorrência ampla e limpa no processo licitatório, sem inclusão de intermediários. Todos os participantes têm obrigação de atender aos requisitos técnicos e econômicos necessários à administração eficiente de um equipamento desse porte. Se o Estado entender como importante que todos os clubes mantenham o acesso ao estádio, o edital deverá desenhar cuidadosamente as formas de compartilhamento e os foros para decidir eventuais disputas.
No caso particular da participação de clubes na licitação, se o problema é o eventual poder de monopólio que uma agremiação teria ao administrar o Maracanã, a solução é garantir mais concorrência, não menos. Ao invés de limitar o número de concorrentes na licitação, o edital deve prever condições e garantias para que os demais clubes continuem a usá-lo, evitando assim que o administrador cause prejuízo esportivo aos seus concorrentes. Esse tipo de questão é frequente para os reguladores das mais variadas áreas – da energia elétrica às telecomunicações, da aviação civil ao sistema bancário. Não deveria ser estranha aos técnicos do governo estadual. Seja qual for o vencedor da licitação, estará posta a questão do acesso dos concorrentes, e cabe ao regulador antecipar sua resposta através de um edital cuidadoso, sem excluir interessados em administrar o estádio.
Em relação a capacidade administrativa dos clubes para gestão dos estádios, não obstante ao fato que os estádios mundo afora são administrados por clubes – principais geradores de receita –, no caso específico do Maracanã, se um clube (ou um consórcio de clubes) apresentar uma proposta, ganhar e depois praticar uma gestão inepta, o Estado deve retomar o equipamento e repetir o processo, penalizando quem não cumpriu o prometido. Assim funciona uma economia bem regulada em qualquer setor. A título de exemplo, o modelo adotado no Maracanã foi diferente daquele seguido na concessão do estádio Nilton Santos (Engenhão), vencido pelo Botafogo F. R, em que o clube é também o administrador do estádio e não precisa garantir acesso aos rivais.
É possível esperar, baseado nos ensinamentos da teoria econômica, que um leilão em que o vencedor tem muitas obrigações e risco elevado de não atrair os principais clientes (no presente caso os clubes) gere pouco, ou nenhum, interesse da iniciativa privada. Evidentemente, não existe almoço grátis: cada ‘direito de uso’ de um não ganhador corresponde um ‘dever de cessão’ do ganhador da licitação, que, consequentemente, oferecerá um bônus / ágio menor ao Tesouro Estadual. Portanto, caso seja repetido o modelo atual de restrição da competição e baixa capacidade de geração de receitas além da bilheteria, o resultado prático será que a sociedade não terá de volta o valor investido, e o estádio correrá um grande risco de novamente não ser atraente para os clubes. É a repetição de um modelo caro, desnecessário, e com experiência recente desastrosa. A conta do fracasso será novamente paga pela sociedade, que precisará aportar recursos ou ficará sem seu principal espaço esportivo.
A verba que o Estado deixa de obter pelo descaso com o Maracanã faz falta. A Odebrecht não paga sequer a taxa anual obrigatória que deve ao governo. O custo de uma licitação frustrada é ainda maior. Isso significaria que o Estado atualmente falido deveria arcar com os potenciais prejuízos. Enquanto isso, do outro lado da Avenida Professor Manoel de Abreu, a UERJ segue sem recursos para manutenção básica. Existe solução para o Maracanã, mas o governo do Rio de Janeiro deve colocar a racionalidade na frente de paixões clubísticas.
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