Trabalho

Nova sondagem do FGV IBRE mostra lado menos róseo do atual mercado de trabalho no Brasil

8 dez 2022

Quase 70% dos conta própria gostariam de se tornar empregados em empresa privada ou pública, e maioria dos ocupados diz que poderia sustentar a si mesma e à sua família por no máximo três meses em caso de perda do emprego.

A taxa de desemprego no Brasil caiu para 8,3% no trimestre de agosto a outubro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de outubro, divulgada em 30 de novembro. A população ocupada (PO) no trimestre até outubro atingiu 99,7 milhões, recorde da série iniciada em 2012, subindo 1% ante o trimestre encadeado anterior e 6,1% comparado a igual período de 2021.

São números que podem sugerir um mercado de trabalho pujante, mas a sensação de muitos observadores é de que a situação do emprego e da renda no Brasil não é exatamente radiosa. Na verdade, nova pesquisa recém-lançada pelo FGV IBRE, a Sondagem do Mercado de Trabalho, revela aspectos qualitativos do mercado de trabalho nacional, com destaque para a insegurança em relação à renda, bem menos róseos que a imagem a partir apenas dos dados quantitativos.

Assim, descobre-se que quase 70% dos trabalhadores por conta própria, que hoje compõem 25% da PO, gostariam de ter um vínculo de empregado numa empresa privada ou pública. 88% dos trabalhadores informais desejam um registro, seja da CLT ou como CNPJ. No primeiro caso, 64,5% dos conta própria que querem ser empregados citam como razão ou benefícios da CLT ou o fluxo fixo de renda.

Renda baixa e falta de benefícios também aparecem como principal motivo de insatisfação com o trabalho no Brasil. 67,6% dos brasileiros se dizem muito preocupados com sua situação financeira de longo prazo, num horizonte de cinco a dez anos. Os trabalhadores insatisfeitos são os que têm a pior percepção de bem-estar na pesquisa. E 66,5% dos ocupados dizem que só poderiam se sustentar e à sua família por um máximo de três meses caso perdessem o emprego.

De maneira geral, em todas essas respostas, a insegurança e o temor financeiro são maiores entre os de menor renda, menor educação, mulheres e negros. Por exemplo, entre os que ganham até dois salários mínimos, quase a metade acha provável ou muito provável perder o emprego num prazo de 12 meses.

Todos esses dados qualitativos, que compõem uma foto bem mais preocupante do mercado de trabalho brasileiro do que as informações puramente quantitativas, podem ser encontrados na Sondagem do Mercado de Trabalho, a nova pesquisa do FGV IBRE iniciada em agosto de 2022.

Um dos principais objetivos da Sondagem do Mercado de Trabalho é justamente o de jogar luz sobre aspectos do mercado de trabalho que, por sua natureza mais qualitativa, não estão no foco da PNADC, a principal pesquisa da área, de forma a trazer informações complementares às do instituto oficial.

A Sondagem do Mercado de Trabalho aborda questões relacionadas à qualidade do emprego, como a de saber se as pessoas estão satisfeitas ou não com seu trabalho, e os motivos da satisfação ou insatisfação; tentar entender se os trabalhadores por conta própria, cujo contingente aumentou muito nos últimos anos, estão nessa categoria porque querem ou porque precisam, e se têm desejo de obter algum tipo de vínculo formal de trabalho; apurar se os trabalhadores temporários querem trabalhar mais ou se optaram por esse regime de tempo por preferência; etc.

A estrutura do questionário da Sondagem do Mercado de Trabalho é mensal na parte relativa às questões tradicionais do mercado de trabalho: tipo de ocupação, setor em que se trabalha etc. Há apenas duas perguntas qualitativas mensais: para os conta própria, se gostariam de se vincular a uma empresa como empregado; e para os que não têm nem carteira assinada nem CNPJ, se gostariam de ter algum desses vínculos.

Além disso, mensalmente há um tópico extra de pesquisa (cada um deles será trimestral ou anual), e que já foi aplicado em agosto, setembro e outubro de 2022: respectivamente, satisfação com o trabalho; percepções de longo prazo; e segurança/insegurança da renda do trabalho (se as pessoas têm medo de perder o emprego ou não).

A partir da média de três meses de resultados mensais dos dois quesitos qualitativos mencionadas acima – se trabalhadores por conta própria gostariam de se vincular a uma empresa e se informais gostariam de ter vínculo formal – e dos tópicos extras de agosto, setembro e outubro, o economista Rodolpho Tobler, pesquisador do FGV IBRE, preparou um primeiro esboço de observações sobre o mercado de trabalho baseado na nova Sondagem do FGV IBRE.

Assim, de acordo com a pesquisa, 69,6% dos trabalhadores por conta própria no Brasil gostariam de se tornar empregados numa empresa privada ou pública (os 30,4% restantes não gostariam). A proporção do primeiro grupo sobe para 74,9% no caso dos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, e se reduz para 56,7% nos que recebem mais de dois mínimos. No grupo que gostaria de sair da condição de conta própria, 64,5% mencionam como razões para esse desejo ou ter acesso aos benefícios de empregado em uma empresa formal ou ter rendimentos fixos (e não flutuantes, como tipicamente ocorre no trabalho por conta própria). Já os que não querem mudar citam a flexibilidade do trabalho e o fato de ganharem mais como trabalhadores por conta própria.

Dessa forma, os resultados sugerem que grande parte do substancial grupo por conta própria esteja nessa situação mais por necessidade do que por vontade, podendo mudar para a condição de empregado se tiver a opção. Essa característica se intensifica na baixa renda.

No caso dos trabalhadores informais, o desejo de formalização é de 87,7% na PO brasileira como um todo, chegando a 89,5% entre os informais que ganham até dois salários mínimos, e 75,8% entre os que recebem mais de dois mínimos.

Em relação ao quesito especial de agosto da Sondagem, 72,2% dos trabalhadores brasileiros se declararam satisfeitos com seu atual trabalho, e os restantes 27,8%, insatisfeitos. A proporção de satisfeitos cai para 68,2% entre os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, e sobe para 89,8% entre os que recebem mais de dois mínimos. A pesquisa também indica que os trabalhadores registrados (formais) têm proporção maior de satisfeitos (81,3%) do que os não registrados (67,3%), assim como os homens (77,2%) declaram-se satisfeitos em maior parcela do que as mulheres (68,1%). Por nível de escolaridade, 62,3% dos trabalhadores com até o fundamental estão satisfeitos, assim como 77,4% dos que têm até o ensino médio, e 72,1% daqueles com superior completo ou incompleto.

Quanto aos motivos para insatisfação com o trabalho, o mais mencionado (por 64,2% dos respondentes insatisfeitos) foi a baixa remuneração, seguido pelo item ‘pouco ou nenhum benefício’, com 43%. Os dois motivos também são os mais citados quando se desagrega por categorias, e inclusive entre os mais bem remunerados.

Os três motivos mais mencionados de insatisfação no trabalho entre os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos foram remuneração baixa (66,5%), pouco ou nenhum benefício (41,1%) e insegurança por ser trabalho temporário (26,3%). Entre os que ganham mais de dois mínimos, o motivo de insatisfação mais citado foi pouco ou nenhum benefício (70,4%), remuneração baixa (67,4%) e distância para o trabalho (25,9%), sendo este último mais ligado à qualidade de vida. Detalhamentos da pesquisa indicam que há alguma semelhança no padrão de motivos de insatisfação entre diferentes recortes da PO. Também se observa que as mulheres estão mais insatisfeitas em relação a remuneração e benefícios que os homens.

O quesito especial de agosto também incluiu pergunta sobre o grau de satisfação com a vida em geral de todos os respondentes, trabalhando ou não, numa escala de um a dez. O grupo com maior proporção de pessoas satisfeitas com a vida é justamente o de trabalhadores satisfeitos com o seu trabalho (nota média de 7,9); e o grupo com mais insatisfeitos com a vida é o de trabalhadores insatisfeitos com seu trabalho, com 6,1. Esses dois grupos estão no extremo de uma escala que inclui vários outros recortes por carga horária de trabalho, idade, educação, sexo, cor, renda e ocupação (ou desocupação), mostrando a importância da realização no trabalho para a satisfação geral com a vida.

No tópico especial de setembro da Sondagem, sobre percepções de longo prazo, todos os respondentes (empregados ou não) revelaram seu grau de preocupação, de 1 (nenhuma preocupação) a 5 (muita preocupação), sobre seis tópicos num horizonte de longo prazo, de cinco a dez anos à frente. O tópico em relação ao qual o maior porcentual de respondentes se disse muito preocupado (67,6%) no longo prazo foi ‘não estar tão bem financeiramente quanto gostaria’. Em seguida, com 61,9%, veio ‘minha família não estar bem financeiramente’.

A média dos muito preocupados no longo prazo em relação a todos os tópicos é de 51,5%. Os subgrupos de respondentes com as mais elevadas médias de preocupação de longo prazo de todos os tópicos são pessoas de menor escolaridade, de renda mais baixa, mais idade, mulheres, desocupados e pretos. Inversamente, a preocupação geral no longo prazo é menor entre os ocupados, de menor idade, brancos e pardos, com ensino superior completo ou incompleto e de renda mais alta.

Nos quesitos especiais de outubro, finalmente, a Sondagem investigou se e em que grau as pessoas empregadas têm medo de perder o principal emprego e a principal fonte de renda nos próximos 12 meses, numa escala que vai de muito improvável a muito provável. O resultado foi que, entre os ocupados como um todo, 58,7% consideraram improvável ou muito improvável que perdessem o emprego, e 41,3% classificaram essa chance como provável ou muito provável. A situação foi pior entre os trabalhadores com renda de até dois salários mínimos, com 52,5% de improvável/muito improvável e 47,5% de provável/muito provável. Já entre aqueles que recebem acima de dois mínimos, a parcela de improvável/muito improvável atingiu 79,6% e a de provável/muito provável, 20,4%.

Nota-se ainda que uma proporção maior dos trabalhadores formais, relativamente aos informais, considera improvável/muito improvável perder o emprego nos 12 meses. Em relação à escolaridade, 60,8% daqueles que têm até o fundamental consideram aquela chance improvável/muito improvável, proporção que cai para 51,8% entre os que têm escolaridade até o médio, e sobe para 69% no grupo com superior completo ou incompleto.

A pergunta seguinte é sobre quanto tempo o respondente e sua família podem se sustentar financeiramente em caso de perda do principal emprego/da principal fonte de renda. Em termos dos ocupados no Brasil como um todo, 31,8% disseram que se sustentariam por menos de um mês e 34,2% pelo prazo de apenas um a três meses. Assim, 66% se aguentam financeiramente por no máximo três meses. Somente 7,9% reportaram poder se sustentar por mais de um ano. Na desagregação por renda, naturalmente a proporção dos que declaram poder se sustentar por no máximo três meses aumenta para 72,5% entre os que ganham até dois salários mínimos, e cai para 35% entre o que recebem mais de dois mínimos. No primeiro grupo, só 5,1% dizem que poderiam se sustentar (e à família) por mais de um ano, porcentual que sobe para 21,1% no segundo.

Em resumo, a maioria dos ocupados concentra-se nas faixas que dizem poder se sustentar por no máximo três meses no caso de perda de emprego, o que aponta uma capacidade de poupança não muito expressiva das famílias brasileiras. Porém, separando por renda, os trabalhadores que recebem mais de dois salários mínimo mostram percentuais mais distribuídos ao longo do tempo, tendo uma proporção bem mais elevada na faixa “acima de um ano”.

Nota-se também que trabalhadores formais reportam em média prazos pelos quais conseguiriam se sustentar, em caso de perda de emprego, maiores que os dos informais (provavelmente pelo acesso a benefícios como INSS, seguro desemprego etc. por parte dos primeiros), assim como a capacidade de se sustentar em caso de perda da ocupação aumenta com o grau de escolaridade.

O FGV IBRE espera que a nova Sondagem do Mercado de Trabalho contribua para qualificar e matizar o retrato quantitativo do mercado de trabalho nacional, permitindo que a sociedade e as autoridades econômicas tenham uma visão mais rica da realidade do emprego e da renda no Brasil.


Esta é a Carta do IBRE de dezembro/2022, da Conjuntura Econômica.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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