Novas evidências sobre a evolução da produtividade dos Estados Unidos durante a pandemia
Pandemia atingiu mais intensamente os setores e trabalhadores menos produtivos. Estudo divulgado esta semana revela a importância da qualificação dos trabalhadores para explicar a evolução da produtividade dos Estados Unidos neste período.
Nos últimos meses, vários estudos sobre o comportamento da produtividade durante a pandemia têm sido divulgados, alguns dos quais tenho analisado neste espaço. Os resultados dessas pesquisas são importantes para interpretarmos corretamente a evolução da produtividade durante este período e sua possível trajetória nos próximos anos.
Um fato marcante da pandemia é que ela atingiu mais intensamente os setores, empresas e trabalhadores menos produtivos. Já os mais produtivos se adaptaram melhor e alguns setores inclusive tiveram expansão, especialmente serviços de informação. Essas mudanças na estrutura produtiva e na composição do mercado de trabalho, por sua vez, tiveram impacto expressivo sobre a produtividade agregada.
Um estudo de pesquisadores do Conference Board estimou o impacto da mudança na estrutura setorial sobre a produtividade nos Estados Unidos, França e Reino Unido (“Productivity and the Pandemic: Short-Term Disruptions and Long-Term Implications”).
Segundo os autores, as mudanças na composição setorial contribuíram para um aumento de produtividade de 1,3 pontos percentuais (p.p.) nos Estados Unidos em 2020. Na França e Reino Unido este efeito foi de 2,1 p.p. e 3,4 p.p., respectivamente. Por outro lado, a recuperação dos setores menos produtivos em 2021 contribuiu negativamente para o crescimento da produtividade nos três países. Nos Estados Unidos, este efeito composição subtraiu 0,6 p.p. do crescimento da produtividade, enquanto na França e Reino Unido esta contribuição foi negativa em 1,1 p.p. e 1,4 p.p, respectivamente.
Na coluna passada, discuti um estudo de Robert Gordon e Hassan Sayed sobre a trajetória da produtividade americana antes e durante a pandemia (“A New Interpretation of Productivity Growth Dynamics in the Pre-Pandemic and Pandemic Era U.S. Economy, 1950-2022”).
Os autores apresentam evidências de que o salto da produtividade nos Estados Unidos em 2020 decorreu de uma queda sem precedentes do emprego e das horas trabalhadas. Por outro lado, grande parte deste aumento tem sido revertido com a forte recuperação das horas trabalhadas em 2021 e 2022.
Gordon e Sayed observam que, embora a queda das horas trabalhadas em 2020 tenha sido generalizada, ela foi muito mais intensa em setores de menor produtividade. Por exemplo, enquanto serviços de alimentação e hospedagem tiveram forte redução das horas trabalhadas, serviços de informação (com produtividade 9 vezes superior) aumentaram sua participação relativa no total de horas.
Embora os efeitos das mudanças na composição setorial decorrentes da pandemia tenham sido examinados, também é importante investigar o impacto na composição do mercado de trabalho. Este é o objetivo de um estudo divulgado esta semana por Jay Stewart, pesquisador do Bureau of Labor Statistics (“Why Was US Labor Productivity Growth So High During the COVID-19 Pandemic? The Role of Labour Composition”).
Entre março e abril de 2020, cerca de 20 milhões de trabalhadores americanos perderam o emprego. Por outro lado, a produtividade por hora trabalhada nos Estados Unidos teve um crescimento anualizado de 10,3% no segundo trimestre de 2020.
Stewart mostra que esses dois fenômenos estão relacionados. Em particular, o salto da produtividade resultou em grande medida do aumento substancial na qualificação média dos trabalhadores, por sua vez associada ao fato de que os trabalhadores de menor qualificação tiveram perda muito maior de emprego que os mais qualificados. Segundo as estimativas do autor, o aumento da qualificação média da população ocupada contribuiu para 71% do crescimento da produtividade do trabalho no segundo trimestre de 2020.
Além disso, o autor mostra que cerca de um terço da elevação da qualificação média decorreu de mudanças na composição setorial, já que os setores muito atingidos pela pandemia, como alojamento e alimentação, tendem a empregar trabalhadores de baixa qualificação.
O resultado mais interessante é que os dois terços restantes do aumento da qualificação média foram consequência de mudanças dentro de cada setor, incluindo aqueles de maior produtividade média, como serviços prestados às empresas. Isso explica cerca de 47% do crescimento da produtividade agregada no segundo trimestre de 2020.
Nos trimestres seguintes, essas mudanças setoriais e no mercado de trabalho foram sendo revertidas, o que fez com que a produtividade voltasse para uma trajetória próxima da que prevaleceu antes da pandemia.
O autor mostra, no entanto, que no final de 2021 a qualificação média do trabalhador americano ainda estava acima do patamar do quarto trimestre de 2019 e também da tendência pré-pandemia. Isso indica que esse processo de retorno dos trabalhadores menos qualificados ao mercado de trabalho continuará ao longo de 2022.
Esse estudo revela a importância da qualificação dos trabalhadores para explicar o comportamento da produtividade ao longo da pandemia. Também evidencia que uma estratégia de melhoria do capital humano teria grande potencial de acelerar o crescimento da produtividade nos próximos anos.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 05/08/2022.
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