Novas evidências sobre os efeitos da pandemia na produtividade
Embora vários indicadores de produtividade tenham sido divulgados ao longo do período de pandemia no Brasil e outros países, a interpretação dos resultados tem sido particularmente difícil por duas razões principais, como destaquei no último artigo do ano passado.
Em primeiro lugar, diferentes mecanismos podem ter efeitos divergentes sobre a produtividade. Enquanto alguns fatores relacionados à pandemia podem ter efeitos negativos, como a disrupção das cadeias globais de valor e a queda do investimento, outros podem ter efeitos positivos, como a disseminação de tecnologias de home office.
Segundo, a pandemia teve um impacto profundo na estrutura produtiva e no mercado de trabalho, afetando de forma heterogênea setores com níveis distintos de produtividade. Em particular, enquanto atividades com maior nível de produtividade, como a indústria de transformação, foram menos afetadas e tiveram uma recuperação mais rápida, atividades com menor produtividade, como restaurantes e hospedagem, ainda se encontram em um patamar de produção bem abaixo do nível pré-pandemia.
Um estudo divulgado recentemente por pesquisadores do Bank of England e das Universidades de Stanford e Nottingham, intitulado “The Impact of Covid-19 on Productivity”, apresenta vários resultados interessantes sobre os efeitos da pandemia na produtividade, que lançam luz sobre essas questões.
Os pesquisadores utilizaram dados do Decision Maker Panel (DMP), que consiste em um survey mensal abrangendo uma amostra representativa de empresas do Reino Unido. Com base nas informações obtidas no DMP, é possível construir indicadores de produtividade do trabalho e de produtividade total dos fatores (PTF) com frequência trimestral para cada empresa.
Isso permite avaliar em que medida o desempenho agregado da produtividade durante a pandemia foi afetado por mudanças no nível da empresa, como uma redução dos investimentos em inovação, ou pelo impacto heterogêneo em setores com diferentes níveis de produtividade.
Além disso, o DMK fornece informações que permitem a análise do efeito da Covid-19 sobre a produtividade nos dois primeiros trimestres de 2021 e uma estimativa de seu impacto no médio prazo (a partir de 2022).
Os resultados indicam uma grande discrepância no efeito de curto prazo da pandemia sobre as diferentes medidas de produtividade. Enquanto no segundo trimestre de 2020 o impacto estimado na produtividade por trabalhador ocupado foi de uma redução de 25,7%, a produtividade por hora trabalhada teve aumento de 8,2%. A razão para esta enorme divergência entre as duas medidas é que, em função das políticas de manutenção do emprego adotadas no Reino Unido, as horas trabalhadas tiveram queda muito maior que o emprego.
O impacto da pandemia sobre a PTF no segundo trimestre de 2020 foi uma redução de 1,5%, o que representa uma diferença significativa em relação aos efeitos sobre as duas medidas de produtividade do trabalho.
Ao longo do tempo, no entanto, essas diferenças tendem a diminuir. Segundo os autores, no segundo trimestre de 2021 o impacto da Covid-19 sobre os três indicadores de produtividade deverá ser negativo, variando entre -0,4% e -1,9%. Já o efeito da pandemia no médio prazo também é negativo, na faixa entre -0,3% e -0,7%.
Ou seja, embora a pandemia possa ter efeitos positivos ou negativos sobre a produtividade no curto prazo, dependendo da medida utilizada, as estimativas indicam uma queda em todos os indicadores no médio prazo, embora de magnitude relativamente pequena.
Outro resultado interessante é que o comportamento da produtividade durante a pandemia reflete dois efeitos que vão em direção contrária. De um lado, independentemente da medida, a produtividade no nível da empresa cai tanto no curto quanto no médio prazo. Por outro lado, como os setores mais atingidos pela pandemia são aqueles com nível mais baixo de produtividade, a consequência é uma elevação da produtividade média da economia.
Esse efeito positivo foi particularmente expressivo no segundo trimestre de 2020, mas tende a diminuir ao longo do tempo, o que ajuda a entender porque no médio prazo o efeito negativo no nível da empresa prevalece.
Os autores observam que o que ocorreu com a pandemia não foi exatamente uma realocação do emprego de setores menos produtivos para os mais produtivos, mas em grande medida uma destruição de emprego e empresas de menor produtividade. Neste sentido, embora esse mecanismo possa ter contribuído no curto prazo para o aumento da produtividade média da economia, isso se deu às custas de uma redução da produção agregada e do nível de bem-estar social.
Estes resultados são consistentes com o comportamento dos indicadores de produtividade no Brasil durante a pandemia. Como tenho discutido neste espaço, os dados divulgados pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli revelaram fortes discrepâncias entre as diferentes medidas de produtividade, especialmente no segundo trimestre, devido a uma queda muito maior das horas efetivamente trabalhadas em comparação com as horas habituais e a população ocupada.
Além disso, houve elevação da produtividade segundo vários indicadores, refletindo o fato de que os setores mais atingidos foram os menos produtivos, como serviços pessoais, hospedagem e restaurantes.
Assim como no Reino Unido, o cenário mais provável no Brasil é que esses efeitos setoriais se tornem menos relevantes ao longo de 2021, fazendo com a produtividade volte a crescer a uma taxa próxima ou abaixo da verificada antes da pandemia.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 22/01/2021.
Deixar Comentário