Macroeconomia

O ajuste possível 2: Alguns elementos para o debate sobre a previdência

22 fev 2018

No meu texto anterior afirmei que alguns temas são extremamente importantes para o país e que devem ser objeto de debate na sociedade para a formação das prioridades do próximo governo a ser eleito. Vou iniciar pelo que acredito ser o item mais importante dessas reformas em função dos vários efeitos sobre a sociedade brasileira que é a reforma da previdência.

O primeiro aspecto é como a demografia afetará a nossa realidade econômica. O Brasil está passando por um acelerado processo de envelhecimento populacional. A Tabela 1 apresenta esse processo decompondo a população entre o grupo mais jovem (1-14 anos), a população em idade para trabalhar (15-64 anos) e a população idosa (acima de 65 anos) e, finalmente, a razão de dependência que reflete a participação da população jovem e idosa em relação ao total. A razão de dependência mede qual o percentual da população total deve ser sustentada por não estar apta ao trabalho.

Atualmente, o país possui 143 milhões de pessoas com idade de trabalhar. Em 2050 serão as mesmas 143 milhões aptas ao trabalho, mas a razão de dependência será mais elevada, pois crescerá de 44,3% para 58%. Ou seja, a razão de dependência crescerá 31% nesse período. Isso significa que a população ativa em 2050 terá que ser 31% mais produtiva do que os atuais trabalhadores para ser capaz de sustentar a população inativa sem que haja perda de bem estar.

Esses números revelam que a produtividade deveria crescer 0,93% a.a. nos próximos 31 anos para mantermos o padrão de vida atual e sustentarmos a população dependente. Isso é factível: a produtividade no Brasil cresceu aproximadamente 0,80% a.a. a desde 1980, um pouco abaixo da produtividade requerida. O problema é que deveríamos desejar que as próximas gerações pudessem usufruir de melhores condições de vida assim como aconteceu com a geração atual em relação às gerações passadas. Pelo padrão de produtividade recente, teríamos uma perda de bem estar nas próximas décadas.

Essa questão fica ainda mais relevante quando olhamos as projeções para 2060. Nesse caso, a razão de dependência se acelera e o requerimento de produtividade para sustentar a população dependente de forma a manter o padrão de vida da população se eleva para 1,13% a.a. Esse é um grande esforço para um objetivo pífio: manter estagnado o padrão de vida dos brasileiros nos próximos 43 anos.

Tabela 1 – Evolução demográfica no Brasil (Em milhares).

Ano

0-14

15-64

65 +

Total

Razão de dependência total (%)

2017

46.139

143.955

17.568

207.661

44,3

2040

35.441

152.595

40.117

228.153

49,5

2050

31.849

143.234

51.265

226.348

58,0

2060

28.333

131.430

58.412

218.174

66,0

                                                                                                                              Fonte: IBGE.

O segundo aspecto importante envolvido no debate da previdência é a dimensão política. As despesas com previdência (pública e privada) e assistência social atingiram 58% do total da despesa primária federal em 2017. Quando consideradas todas as demais vinculações, o total vinculado em relação à despesa primária total é de 91%.

Isso significa que o próximo governo simplesmente não terá capacidade de governar o país, pois não terá nenhum controle sobre o orçamento federal. Terá apenas 9% do orçamento para realizar investimentos, financiar inovações, garantir a segurança do espaço aéreo e das fronteiras e auxiliar os estados com segurança pública, por exemplo. De forma mais direta, fica impossível cumprir suas funções mais básicas.

O terceiro aspecto é o da sustentabilidade do regime atual. Em um projeto de reconstrução das estatísticas fiscais, em conjunto com meu colega do IBRE Bráulio Borges, mostramos que a despesa previdenciária do INSS cresce desde o início da vigência da Constituição Federal de 1988 por conta das regras de acesso e da valorização do salário mínimo (que terá um texto a parte) se constituindo no principal vetor de crescimento da despesa pública primária.

O gráfico a seguir mostra o crescimento dessa despesa em relação ao PIB potencial, ou seja, descontando o efeito dos ciclos econômicos. Os dados mostram que a despesa cresceu de 3,3% do PIB potencial em 1986 para 7,6% do PIB potencial em 2016. As projeções indicam que essa despesa pode atingir algo entre 16% e 18% do PIB em 2060.

O gasto com previdência é elevado porque existem distorções importantes nas regras de acesso. Não existe idade mínima para aposentadoria: a aposentadoria média é de 54 anos, mas as pessoas mais pobres já se aposentam por idade aos 65 anos se homem ou 60 anos se mulher. Os regimes públicos e privados possuem discrepâncias que aprofundam desigualdades sociais importantes e as taxas de reposição dos benefícios são elevadas em relação a outros países que utilizamos como referência de seguridade social.

É certo que esse movimento teve o papel de criar uma importante rede de seguridade social no Brasil. Como exemplo desse efeito, a participação da população rural na previdência agregou mais de 1 milhão de novos beneficiários nos dois primeiros anos que se seguiram à criação desse regime. Esse processo inclusivo também aconteceu em outros países, principalmente na Europa nos anos 1960, mas nesses mesmos países esse processo se estabilizou para respeitar os limites de financiamento da sociedade e sua realidade demográfica. O mesmo me parece que deve ocorrer por aqui.

O quarto aspecto é o da solução. O Gráfico 2 mostra a evolução da expectativa de sobrevida da população brasileira entre 1980 e 2060. Em 1980, quando as regras atuais foram elaboradas, a expectativa de sobrevida de uma pessoa com 60 anos era de 15 anos. Atualmente, uma pessoa com a mesma expectativa de sobrevida de 15 anos possui 70 anos.

Essa informação mostra que, do ponto de vista demográfico, ter 70 anos hoje equivale a ter 60 anos no Brasil dos anos 1980. Uma idade mínima de 65 anos significa apenas atualizar parcialmente o requerimento de idade pela evolução demográfica que observamos nos últimos 30 anos. Se essa era uma referência importante naquela época, sua atualização com uma regra de transição é bastante razoável.

O Brasil também possui elevada taxa de reposição, quando comparado com outros países. Segundo os dados da POF, a população mais idosa possui um gasto inferior em relação às demais faixas etárias da população porque não possui despesas com educação, por exemplo.

Pelo lado do financiamento do regime, setores importantes do país não contribuem de forma adequada para a previdência como o setor rural. Estudo recente do IPEA mostra o desequilíbrio atuarial do regime de previdência do micro empreendedor individual (MEI). Assim como na despesa, há, portanto, que se discutir um regime mais adequado de financiamento da previdência social no Brasil, integrando a política de previdência e de assistência social com a realidade do mercado de trabalho.

A reforma da previdência é importante sob vários aspectos: econômicos, financeiros e sociais. Essa não é uma questão que deva dividir a sociedade entre alguns “privilegiados” contra os demais, mas de ter entendimento sobre o papel da previdência social e discernimento para entender que a reforma deve ser proporcional à capacidade econômica e social de cada cidadão. A população brasileira ainda merece um tratamento objetivo e respeitoso dessa questão.

Este artigo foi reproduzido do Observatório Fiscal, com organização de Manoel Pires. Conheça o Observatório.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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