Macroeconomia

O aumento da insegurança econômica

18 out 2021

Um tema que tem ganhado importância crescente é a insegurança econômica, entendida de modo a abranger não somente o risco de perda de emprego, mas também aqueles relacionados às flutuações da renda e à possibilidade de uma súbita deterioração do padrão de vida. 

Um tema que tem ganhado importância crescente no debate é a insegurança econômica, entendida de modo a abranger não somente o risco de perda de emprego, mas também aqueles relacionados às flutuações da renda e suas consequências negativas, como a possibilidade de uma súbita deterioração do padrão de vida.

O sistema tradicional de seguridade social, fundamentado na contribuição de empresas e trabalhadores para a aposentadoria e a cobertura de outros riscos, como doença e perda do emprego, foi construído com base na expectativa de que as relações de trabalho seriam estáveis e duradouras. Outro componente desse modelo foi a premissa de que as empresas estariam mais capacitadas a oferecer essa proteção que o governo, na medida em que dispunham de informações detalhadas sobre a renda dos trabalhadores.

Este modelo foi largamente adotado não somente em países desenvolvidos, mas também em países em desenvolvimento. No entanto, mesmo em economias avançadas, ele tem se mostrado insatisfatório para lidar com os desafios impostos pelas novas tecnologias e o surgimento de modalidades mais flexíveis de contratação, em particular a “economia dos aplicativos” (gig economy).

Em países em desenvolvimento, por sua vez, este modelo de seguridade social nunca atingiu seus objetivos. Diferentemente dos países desenvolvidos, os segmentos formais da economia não absorveram uma grande parcela da população, que permaneceu na informalidade.

A pandemia exacerbou este problema, na medida em que atingiu principalmente os trabalhadores mais vulneráveis, em particular aqueles ocupados nas atividades da gig economy em países desenvolvidos e os informais em países em desenvolvimento.

Embora governos em todo o mundo tenham adotado políticas de proteção de renda para estes trabalhadores durante o auge da pandemia, esses programas estão sendo descontinuados à medida em que o processo de vacinação avança e as economias se recuperam. Neste sentido, é de grande importância obtermos informações mais detalhadas a respeito dos efeitos da pandemia sobre a insegurança econômica e suas possíveis consequências.

Um survey da OCDE (Risks that Matter 2020) divulgado recentemente oferece dados valiosos neste sentido, ao examinar as diferentes dimensões da insegurança econômica em 25 países da OCDE. A pesquisa foi conduzida em setembro e outubro de 2020, e baseou-se em uma amostra representativa de cerca de 25.000 pessoas com idade entre 18 e 64 anos.

Na média, 11,8% dos respondentes declararam que alguém no seu domicílio perdeu o emprego ou fechou seu estabelecimento (no caso de trabalhadores por conta própria) durante a pandemia. Embora a amostra consista predominantemente de economias desenvolvidas, alguns países emergentes também fazem parte da OCDE, como Chile, México e Turquia, que tiveram perdas de emprego declaradas superiores a 25%.

Quando se consideram também outras disrupções do mercado de trabalho durante a pandemia, como redução das horas trabalhadas, queda de salários, perda de renda dos trabalhadores por conta própria e cobertura por algum programa governamental de manutenção do emprego, o percentual de trabalhadores afetados sobe para 44,2% na média de países, e para cerca de 65% no México, Chile e Turquia.

A pesquisa também revela uma forte correlação entre as disrupções no mercado de trabalho e dificuldades financeiras, como inadimplência no pagamento de contas, necessidade de venda de ativos ou aumento do endividamento para pagar despesas. Dentre os respondentes que tiveram perda de emprego no domicílio, 67,7% tiveram dificuldades financeiras. No México, Chile e Turquia, que possuem os níveis de informalidade mais elevados da OCDE, esse percentual foi superior a 80%.

A pesquisa também apresenta várias informações relevantes sobre as percepções em relação à insegurança econômica no futuro. Cerca de 66,5% dos respondentes estão preocupados ou muito preocupados em relação à sua situação financeira e seu bem-estar econômico e social nos próximos dois anos. Novamente, os percentuais que revelam insegurança econômica são mais elevados no México, Chile e Turquia, ultrapassando 80%.

Em resumo, a pesquisa da OCDE mostra que, mesmo no contexto dos países desenvolvidos, o nível de insegurança econômica é muito elevado. Isso decorre principalmente das mudanças estruturais no mercado de trabalho associadas ao uso mais intensivo das novas tecnologias, mas foi exacerbado pela pandemia. Em países emergentes a insegurança econômica é consideravelmente maior.

Isso evidencia a necessidade de fortalecimento da rede de proteção social, de modo a incluir os trabalhadores mais vulneráveis e protegê-los em situações de perda súbita de renda como as que ocorreram na pandemia, e que podem voltar a ocorrer em recessões futuras.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 15/10/2021.

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