Setor Externo

O G20 e a agenda do comércio exterior

30 jan 2024

Brasil preside a reunião do G20. Num cenário com visões conflitantes sobre quais devem ser as diretrizes para a ordem global, o papel do G20 desponta como um fórum de avaliação dos consensos possíveis ou não de serem construídos.

A balança comercial fechou o ano de 2023 com um superávit recorde de US$ 98,8 bilhões. Como analisado na seção do Setor Externo, os setores de agropecuária e extrativa lideraram o aumento das exportações e a indústria de transformação registrou queda. Em termos de mercados, a China liderou as exportações com aumento no volume exportado de 29,5% e contribuição de 52% para o superávit da balança comercial brasileira. Para 2024, o superávit deverá ser menor, mas os ganhos da balança comercial continuarão a contribuir para o efeito positivo do setor externo no cenário macroeconômico do país.

A atual agenda do comércio exterior mundial é influenciada pelas tensões geopolíticas, pelas transformações das estruturas produtivas, pelos temas do meio ambiente, mudanças climáticas e questões associadas à redução da desigualdade e pobreza. Um exemplo foi o ganho do Brasil nas vendas de grãos com a redução da oferta de grãos da Ucrânia.

Na agenda internacional, o tema da segurança alimentar associado à pobreza e desigualdade entre os países coloca o Brasil num lugar de destaque por ser um dos maiores produtores agrícolas. No comércio mundial, o Brasil foi o terceiro maior exportador de produtos agrícolas e de alimentos em 2022, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC). No tema da mudança climática, segundo a Empresa de Pesquisa Energética, enquanto 2,7% da matriz energética mundial é de renováveis, no Brasil este percentual é de 47,4%.

O Brasil irá sediar a reunião do G20 em 2024. A expansão da agenda do G20 ao longo dos últimos anos é interessante como troca de ideias entre oficiais de governo, empresários (B-20) e acadêmicos (T-20). É um exercício importante para a construção de laços que contribuam para uma ordenação mundial multipolar. No entanto, torna difícil a formulação de propostas a serem efetivamente adotadas pelos países membros. Além disso, como mostrou a última reunião do G20 na Índia, é difícil construir uma declaração consensual num momento de tensões geopolíticas entre China, Estados Unidos e Rússia.

Não será diferente no caso brasileiro em que. além da Guerra Ucrânia, o conflito entre Israel e o Hamas estará presente. Para os céticos, será uma nova reunião com pífios resultados e com declarações vagas. Uma visão mais otimista é que a diplomacia brasileira conseguirá criar consenso em alguns pontos da agenda proposta e/ou o Brasil demonstrará sua capacidade de gerenciar um evento da magnitude do G20, que irá durar um ano. O ganho aqui seria para a imagem do Brasil como liderança em eventos de negociações internacionais.

O objetivo deste texto é destacar alguns temas de comércio exterior presentes na agenda do G20 e que interessam ao desenho da política de comércio exterior do Brasil.

A reunião do G 20 - Em dezembro de 2023, o Brasil assumiu a presidência do G20, mandato que vai até novembro de 2024.[1]. O grupo é responsável por cerca de 86% do PIB mundial e 73% do comércio mundial em 2022/23. Cabe ao país responsável pela presidência elencar os temas prioritários da agenda. O governo brasileiro escolheu: combate à fome, pobreza e desigualdade; combate à mudança climática; e reforma da governança global. Todos são temas em que o Brasil, com diferentes graus de relevância, tem contribuído no debate internacional. Essas questões norteiam as mais de 120 reuniões espalhadas em 13 cidades brasileiras durante o ano de 2024, em que se discutem temas que originaram o G20, associados à questões macroeconômicas e finanças (7 grupos), e mais 15 grupos que tratam dos mais variados temas que vão de corrupção, comércio, educação, cultura, empoderamento da mulher, transições energéticas, entre outros (ver https://www.g20.org/). Em adição, cada um dos grupos é subdividido em questões específicas.

No grupo de comércio, os temas escolhidos foram: Comércio e Sustentabilidade; Desenvolvimento Sustentável nos Acordos de Investimentos; Mulheres e Comércio Internacional; Reforma da OMC e Fortalecimento do Sistema Multilateral de Comércio.

Além do G 20, que reúne oficiais do governo, ocorrem paralelamente reuniões de organizações “Think Tanks”, o T 20, e de negócios, o B 20.

No caso do T 20, os grupos denominados Forças Tarefas (Task Forces) tratam dos seguintes temas: combate à desigualdade, pobreza e fome; políticas para sustentabilidade climática e transições energéticas inconclusivas; reforma da arquitetura financeira internacional; comércio e investimento para um crescimento sustentável e inclusivo; transformação digital inclusiva; e, fortalecimento do multilateralismo e governança global.

A Força Tarefa 4, relativa ao comércio, escolheu os seguintes temas para o debate que será realizado a partir de “Policy Briefs”, sugestões enviadas pelos Think Tanks. Os temas são: comércio e investimento para combater desigualdade, fome e estimular inclusão social; comércio e investimento para assegurar segurança alimentar e questões climáticas; mulher no comércio; comércio e transformação digital; promoção para uma maior participação da micro, pequenas e médias empresas; e o neoprotecionismo e mudanças nas cadeias globais de valor.

No caso do comércio exterior, a descrição de todos os temas propostos para debate foi para mostrar como as relações comerciais passaram a incluir toda a agenda dos temas da economia política internacional. O desafio é como transformar essas propostas em ações eficazes.

No caso do comércio exterior, temas como inclusão, redução da desigualdade ou o auxílio à segurança alimentar exigem diagnósticos específicos para cada país. Sair dos diagnósticos gerais, identificar as questões da relação entre comércio e os temas propostos em cada país ajudaria no debate, uma contribuição que deveria partir da sociedade civil. Um exemplo: há pouca relação direta entra o comércio e a pobreza ou desigualdade de renda no Brasil. No entanto, em alguns países em que a geração da renda doméstica depende principalmente de um único produto de exportação, a relação está presente.

Ressalta-se que, apesar da amplitude dos temas, os pontos da agenda do comércio exterior estão e estarão presentes nas diretrizes das políticas de comércio exterior dos países.

Neoprotecionismo e mudanças nas cadeias de valor - Os temas citados sobre a atual agenda do comércio exterior, junto com a primazia da minimização de riscos para a segurança em relação à eficiência na avaliação da interdependência produtiva, levaram a novas diretrizes de políticas industriais e de comércio exterior nas grandes economias ocidentais. Os objetivos passam a ser adensar cadeias nacionais ou então cadeias regionais (nearshoring) ou cadeias com países aliados (friendlyshoring). Um exemplo é o “CHIPS and Science Act” (Programa e Chips e Ciência) dos Estados Unidos, apresentado como um instrumento para reduzir custos, criar empregos e fortalecer as cadeias nacionais de fornecedores.

A publicação do “G20 Trade Policy Factbook, 2003 Edition” apresenta um amplo mapeamento das medidas comerciais adotadas pelos países do G-20 após o encontro de Bali em 2022 até agosto de 2023, quando a Índia presidia o G-20[2]. A mensagem básica é a de que as últimas reuniões do G20 não conseguiram avançar na agenda de facilitação de acesso a mercados. As medidas temporárias associadas à crise da COVID 19 tenderam a ser suspensas, mas o viés de proteção das cadeias nacionais e dos mercados domésticos não foi revertido. Entre 2018-2019, medidas identificadas como restritivas somavam 1542, passaram para 3028 entre 2020-2021 e caíram para 1226 em 2023. As liberalizantes eram 363 em 2018-2019 e 367, em 2023. O maior número de medidas comerciais restritivas do que liberalizantes passou a ser uma tendência, desde os anos de 2012-2013.

Outro ponto destacado é o percentual de medidas de política industrial que tendem a restringir acesso a mercados. Exemplos seriam compras governamentais, subsídios, exigências de conteúdo local, entre outras. A Tabela 1 avalia o grau de risco para acesso a mercados via o percentual de importações cobertas por essas medidas. Destacamos produtos associados às novas tecnologias de ponta, bens ambientais e produtos siderúrgicos. Os percentuais são superiores a 70% nos dois primeiros grupos, exceto no Brasil. Os elevados percentuais traduzem as novas diretrizes das políticas industriais que procuram reduzir o grau de dependência de fornecedores estrangeiros nos setores de ponta e de bens associados ao tema da sustentabilidade ambiental. O detalhamento da nova política industrial brasileira ainda não havia sido anunciado quando estávamos escrevendo essa seção. No caso de siderúrgicos, os percentuais que chegam a 100% nos Estados Unidos refletem a demanda por proteção às empresas domésticas, um tema que está presente desde a década de 1980.

As duas últimas colunas mostram as tarifas médias de importações, ficando claro o protecionismo na agricultura da Índia, China e União Europeia. O Brasil, em relação aos não agrícolas, tem um média de 11,6%, maior que a China, Estados Unidos e União Europeia, mas inferior à da Índia. Esse seria o protecionismo tradicional.

Tabela 1: Percentual de importações cobertas por medidas
de políticas industriais que restringem acesso a mercados
e as médias das tarifas nominais de importações em 2022

Fonte: www.wto.org; G 20: https://www.globaltradealert.org/reports

É pouco provável que os países renunciem a suas medidas de estímulo e consolidação das cadeias de produção nos setores das novas tecnologias ou mesmo tradicionais. As tensões geopolíticas e a disputa por liderança tecnológica centrada no eixo Estados Unidos e China tornam improvável esse cenário. Um consenso em relação ao conjunto de medidas aceitas, como subsídios permitidos, exigências de conteúdo local, entre outros, requer o fortalecimento das regras multilaterais através de novas negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC). O G20, num cenário muito otimista, pode até chegar a algum consenso, mas as regras precisam ser incorporadas à OMC, que tem instrumentos para monitorar as regras e instâncias para solucionar controvérsias entre os países. No momento, o cenário otimista tem baixíssima probabilidade, exceto por declarações de intenções sobre a importância de conter medidas protecionistas que prejudiquem o comércio mundial.

No caso das mudanças climáticas, existe um desafio que exige conciliar os interesses domésticos com uma questão de natureza global. Acemoglu e outros (2023) argumentam que a adoção de medidas que assegurem a transição energética não precisa restringir o crescimento de longo prazo. Chama atenção de que as firmas adotam novas tecnologias em função do seu histórico. É muito custoso para uma firma que usa energias não renováveis passar para as renováveis de forma espontânea. É necessário, portanto, políticas públicas que criem um ambiente favorável para a adoção das novas tecnologias renováveis. A solução, segundo os autores, não é a cobrança de impostos sobre emissões de gases estufa, como o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira que passará a ser cobrado em janeiro de 2026 pela União Europeia, mas sim subsídios que financiem as tecnologias renováveis.

O G20 pode, no tema da mudança climática na área de comércio, propor regras especiais para a concessão de subsídios que visem a adoção de tecnologias renováveis. Em adição, reforçar a importância e assegurar o compromisso dos países mais ricos de contribuírem para os fundos de financiamentos propostos na COP-28.

O programa oficial da nova política industrial do Brasil que deverá ter sido divulgado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial no âmbito do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços ainda não tinha sido anunciado antes do fechamento dessa seção. No entanto, as novas diretrizes para a política industrial e de comércio exterior derivariam do conceito de “neoindustrialização”. Segundo a Confederação Nacional da Indústria o conceito se refere ao “processo de modernização e evolução da indústria, enfatizando inovação, compromisso ambiental e integração com cadeias produtivas internacionais”.

No caso brasileiro, o tema central não é a dissociação de elos nas cadeias produtivas globais. A questão é outra, de como elevar a inserção em cadeias globais ou regionais. A participação nas cadeias requer medidas de facilitação do comércio e, logo, de menores custos de barreiras administrativas e de importações. Sob esse aspecto, interessa ao Brasil assegurar que o neoprotecionismo não seja acompanhado do aumento de medidas restritivas de acesso a mercados.

Para o Brasil, assegurar um quadro referencial para disciplinar os instrumentos associados às novas políticas industriais e de comércio é crucial, O país não tem condições de competir em termos de concessão de subsídios com os países mais ricos. Além disso, não interessaria também entrar em uma “guerra de subsídios” com seus pares, como a Índia.

Governança Global e Acordos de Investimentos - Um tema destacado na agenda do G20 proposta pelo Brasil é a reforma da governança global. No comércio exterior, a reforma requer diretrizes para que os países identifiquem a OMC como principal fórum para as negociações comerciais e de solução de controvérsias. A agenda do comércio exterior é extensa e temas como comércio digital, meio ambiente, entre outros, ainda não estão incorporados nas regras da instituição. Ademais, há o desafio de assegurar que as regras sejam favoráveis a um cenário de redução de desigualdade de renda entre países. Qualquer avanço nessa área depende, porém, de um consenso entre os Estados Unidos e a China, o que tem se mostrado difícil e só tenderá a piorar caso Trump seja eleito presidente dos Estados Unidos.

No campo econômico, além do FMI, é destacado o papel dos bancos multilaterais de desenvolvimento. A percepção é que é necessário aumentar o financiamento para os países em desenvolvimento (PEDs) para que possam assumir compromissos relativos à transição energética, além de assegurar maior presença dos PEDs na governança dessas instituições. Uma agenda que não é nova e tem sido defendida pelo Brasil e outros PEDs desde 2009. O desafio é assegurar a anuência dos países ricos, em especial, os Estados Unidos.

A inclusão dos acordos de investimentos na agenda do G20 segue em alguma medida as linhas ressaltadas pela UNCTAD (2023) nesse tema. Na década de 1990 e nos anos 2000, os acordos de investimentos bilaterais ou incorporados nos acordos de livre comércio liderados pelos Estados Unidos e pela União Europeia privilegiavam somente a questão dos direitos dos investidores estrangeiros. O Brasil, por exemplo, não assinou nenhum desses acordos e propôs em 2015/16 um Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimento. Os direitos dos investidores estrangeiros são garantidos e ademais se procura assegurar a transparência das medidas adotadas e se sugere a criação de canais para trocas de informações pelos quais se identificariam áreas de comum interesse para investimentos. Essa é a linha privilegiada pela UNCTAD, que sugere também que os investimentos venham acompanhados de assistência técnica, regras compatíveis com o meio ambiente e mecanismos de cooperação. O investimento é entendido como um instrumento que atenda os interesses de todas as partes interessadas. A motivação dessa proposta parte da preocupação de que investimentos nos PEDs em recursos estratégicos, em especial, sejam motores para o desenvolvimento sustentável.

O G20 tem vivenciado uma sequência de presidentes de países em desenvolvimento. Em 2022 foi a Indonésia, seguido da Índia (2023), Brasil (2024) e, em 2025 será a África do Sul. Nesse contexto, a ênfase nos temas da agenda dos PEDs se destaca, com a convocação para que os países mais ricos cooperem para uma ordem internacional menos desigual.

As propostas são bem-vindas e é essencial que os PEDs continuem a pressionar pelos temas sobre desigualdade, combate à fome, pobreza, mudança climática e governança global. O G20 poderá fazer propostas, mas não tem poder de decisão. Num momento de tensão geopolítica, com visões conflitantes sobre qual devem ser as diretrizes para a ordem global, encontros como o do G20 são relevantes como um fórum de troca de ideias e de avaliação dos possíveis consensos que são possíveis de serem construídos.

Esta é a seção Em Foco do Boletim Macro Ibre de Janeiro de 2024.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.


Referências

Green innovation and the transition toward a clean economy. Daron Acemoglu, Philippe Aghion, Lint Barrage e David Hémous. Working Papers 23-14, December 2023. https://www.piie.com/publications/working-papers/green-innovation-and-tr...

Investment facilitation in international investment agreements: trends and policy options. UNCTAD. 2023 https://unctad.org/publication/investment-facilitation-international-investment-agreements-trends-and-policy-options

[1] Os membros do G20 são: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia, União Africana e a União Europeia.

Comentários

Luciano jesus d...
Nao tem logica tratarmos de forma minimizada questoes consideradas Macros , os problemas relatados sao definidos por medidas acertivas nos chamados canais para trocas de informacoes . O continuo implemento tem nescessario validar institucionais e representativos , enfim , muita lacuna nos pormenores operacionais .Lj.

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