Macroeconomia

O impacto da pandemia no mercado de trabalho

22 mar 2021

A pandemia da Covid-19 teve um impacto profundo no mercado de trabalho, afetando principalmente os trabalhadores com menor proteção social e baixa escolaridade.

No Brasil os efeitos foram particularmente significativos, não somente em função da queda sem precedentes da população ocupada e da população economicamente ativa, mas também pelo fato de que, diferentemente de recessões anteriores, desta vez os trabalhadores informais foram mais atingidos que os formais. Em particular, embora a redução do emprego formal em 2020 tenha sido expressiva (-4,2%), a queda no emprego informal foi proporcionalmente três vezes maior (-12,6%).

As ocupações de baixa escolaridade foram particularmente afetadas, com redução de 20,6% no emprego de pessoas com até 3 anos de estudo e de 15,8% no grupo com escolaridade entre 4 e 7 anos. Por outro lado, houve um aumento de 4,8% no emprego de pessoas com 15 anos ou mais de estudo.

Além do forte impacto negativo da pandemia no mercado de trabalho no curto prazo, estudos recentes mostram que seus efeitos também serão significativos a médio e longo prazo. David Autor e Elisabeth Reynolds, pesquisadores do MIT, analisaram esta questão em um ensaio intitulado “The Nature of Work after the COVID Crisis: Too Few Low-Wage Jobs”.

Ao contrário das previsões de alguns analistas de que as novas tecnologias resultariam em aumento permanente da taxa de desemprego, Autor e Reynolds argumentam que antes da pandemia a criação de empregos era muito significativa. Além disso, a tendência era que, com o envelhecimento da população, a demanda por trabalhadores por parte das empresas excedesse a oferta de trabalho por muitos anos.

Segundo os autores, o problema antes da pandemia não era a falta de empregos, mas a baixa qualidade de grande parte dos postos de trabalho gerados. Embora houvesse uma vigorosa criação de empregos para trabalhadores mais qualificados em segmentos de serviços modernos, como tecnologia da informação, uma parcela expressiva dos empregos se concentrava em atividades de serviços pessoais, caracterizadas por baixos salários e ausência de proteção social. Os trabalhadores de qualificação intermediária, por sua vez, foram fortemente afetados pelas forças da automação e da globalização, especialmente na indústria.

Na avaliação de Autor e Reynolds, a pandemia vai agravar este quadro, dificultando ainda mais a geração de bons empregos, entendidos como aqueles de boa remuneração e um grau adequado de proteção social. São enumeradas algumas razões para isso.

Primeiro, a necessidade de distanciamento social decorrente da pandemia acelerou de forma extraordinária a adoção de modalidades de trabalho remoto. Estimativas citadas no estudo, baseadas em entrevistas com empregadores nos Estados Unidos, indicam que a proporção de dias trabalhados em casa deverá triplicar depois da pandemia.

Esta projeção se aplica principalmente ao grupo de trabalhadores de qualificação elevada, cujo trabalho pode ser feito de forma remota sem perda de produtividade. Por outro lado, trabalhadores de menor qualificação de setores de serviços pessoais, como hospedagem, alimentação e transporte de passageiros, serão negativamente afetados pela queda de demanda decorrente da realocação de parte da atividade produtiva de escritórios para residências.

Além da queda da demanda por seus serviços, esses trabalhadores de menor qualificação serão afetados por outra consequência da pandemia, que é o aumento da concentração do emprego em grandes empresas. Na medida em que pequenas e médias empresas têm menor acesso ao crédito, é provável que o número de falências seja mais elevado nesse grupo. Como empresas de menor porte empregam em média trabalhadores de menor qualificação, o aumento da concentração tende a agravar a desigualdade no mercado de trabalho.

Finalmente, existem evidências de que a pandemia acelerou o processo de automação que, assim como o aumento de trabalho remoto e da concentração, afeta negativamente os trabalhadores menos qualificados.

Essas conclusões também estão presentes em outros estudos, como o trabalho da McKinsey divulgado em fevereiro (“The Future of Work after COVID-19”), que faz uma análise detalhada das mudanças ocupacionais após a pandemia com base em uma amostra de oito países, incluindo países desenvolvidos e economias emergentes, como China e Índia.

Segundo a McKinsey, mais de 100 milhões de trabalhadores poderão mudar de ocupação até 2030, o que representa um aumento de 12% em relação às projeções antes da pandemia para a média dos oito países, e de 25% para as economias avançadas.

Dentre as ocupações que vão se expandir, incluem-se as chamadas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), serviços na área de saúde, transporte de mercadorias e serviços voltados para empresas. Dentre as ocupações que terão menos demanda, incluem-se, por exemplo, serviços de alimentação, atividades administrativas, atendimento ao consumidor e vendas.

Assim como ressaltado por Autor e Reynolds, as novas ocupações tendem a favorecer trabalhadores mais qualificados. Já os trabalhadores de menor escolaridade, que antes da pandemia já tinham suas perspectivas profissionais limitadas a empregos de baixos salários e ausência de proteção social, terão que se defrontar com um cenário ainda pior de queda de postos de trabalho.

Embora essas pesquisas não tenham incluído o Brasil, o trabalho da McKinsey deixa claro que esses efeitos da pandemia se aplicam também a economias emergentes, embora com menor intensidade que nos países desenvolvidos.Da mesma forma que, em um primeiro momento, a pandemia atingiu mais fortemente os Estados Unidos e Europa, se espalhando depois para o Brasil e outros emergentes, suas repercussões permanentes sobre o mercado de trabalho também nos atingirão. Resta saber se faremos algo a respeito.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 19/03/2021.

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