O imposto mínimo global
Imposto global mínimo visa encerrar evasão fiscal de multinacionais. Se empresa for tributada por alíquota menor no país onde lucro foi gerado (paraíso fiscal), país de origem pode cobrar diferença para alíquota mínima. Mudança amplia possibilidades tributárias de países.
O G-7 aprovou um acordo para tributação de grandes empresas em escala global. A iniciativa reverte quatro décadas de práticas tributárias que resultaram na desoneração de empresas com o argumento de que a tributação do capital deveria ser baixa para estimular investimentos. Para se ter ideia do fenômeno, a arrecadação corporativa nos EUA que foi de 2,7% do PIB em 1977, atingiu 1% do PIB em 2020.
O imposto global mínimo de 15% se aplica às empresas multinacionais. Assim, as alíquotas corporativas domésticas continuarão sendo definidas localmente por cada governo. No caso de multinacionais, se a empresa for tributada por uma alíquota inferior no país onde o lucro foi apurado (um paraíso fiscal, por exemplo), o país de origem poderá cobrar a diferença para alcançar a alíquota mínima.
O acordo foi alvo de algumas críticas porque definiu uma alíquota inferior aos 21% propostos por Biden no início do ano. Em se tratando de grandes corporações, o apelo social e político de alíquotas maiores é inegável. O Observatório da Tributação da União Europeia defende uma alíquota de 25%. Mas se a alíquota pode parecer baixa para os analistas mais preocupados com questões distributivas, a mudança de posturas das autoridades sugere que mais avanços são possíveis o que abre espaço para otimismo.
Muitas empresas multinacionais criam subsidiárias em paraísos fiscais para pagar menos impostos apesar da atividade principal continuar nos países de origem ou nos principais mercados consumidores. Na operação, a subsidiária presta um serviço para as demais empresas do grupo econômico vendendo o uso da sua marca ou da respectiva tecnologia. As empresas locais remuneram os serviços prestados pelas subsidiárias posicionadas nos paraísos fiscais a título de royalties.
A operação é apenas contábil: uma empresa presta um serviço para ela mesma em outra localidade. Essa operação reduz o lucro onde a produção foi efetivamente realizada e a subsidiária consolida o lucro de todas as empresas do grupo econômico.
A operação não gerou nenhum investimento, contratação ou prestação de serviço no país favorecido, apenas planejamento tributário para pagar menos imposto. Com adoção do imposto global, não haverá mais incentivo para empresas transferirem lucros para outras jurisdições e o sistema atual não funcionará mais.
Esse é o primeiro passo de uma reforma da tributação global. Paradoxalmente, a harmonização tributária tende a ampliar os graus de liberdade dos governos em relação à tributação do capital e riqueza que apresentam elevada mobilidade em relação a outras bases de tributação mais inelásticas. Amplia-se, portanto, as possibilidades de integração de tributação da renda e capital.
Muitas etapas ainda serão necessárias para efetivar esse acordo e o próximo passo é ganhar adesão na reunião do G-20 em julho. Em tributação, o diabo está nos detalhes a começar pela definição da base tributária relevante entre outros critérios. É possível que outros países tentem bloquear o acordo por não desejarem ver suas empresas tributadas em outras jurisdições, mas também perderão receitas de outras grandes empresas. Quanto maior a adesão, maior o impacto econômico do acordo. Tem-se um processo em que todos os países ganham.
A liderança do G7 reduz o peso de forças contrárias. Antes do acordo, havia pressão para os países tentarem soluções locais, mas sempre houve receio de retaliações, principalmente da parte dos EUA, que é grande ator nesse assunto e sua mudança de posição foi chave para resolver o impasse.
Segundo a OCDE, o acordo pode gerar receitas da ordem de US$ 50 a US$ 80 bilhões por ano para os países membros. O Observatório da Tributação da União Europeia estimou ganhos superiores a US$ 100 bilhões considerando uma amostra maior de países[1]. O maior beneficiário seria os EUA com arrecadação estimada em US$ 40 bilhões. O Brasil obteria arrecadação próxima de US$ 1 bilhão.
A inciativa retoma a tradição de cooperação internacional que foi abandonada pelo Governo Trump e que é muito importante para avançar em outros temas globais tais como sustentabilidade ambiental, investimentos, comércio internacional e segurança digital. É necessário entender o significado político e econômico dessas mudanças para não ficarmos para trás e isolados como tem sido nossa tradição nos últimos anos.
O Observatório de Política Fiscal lançou um canal no Youtube para debates. O primeiro webinar foi sobre a reforma da tributação direta com a participação de Nelson Barbosa (IBRE/FGV e UnB), Bernard Appy (CCiF) e Rodrigo Orair (IPEA e ex-IFI/Senado). Na oportunidade discutiu-se vários temas para o Brasil e também o cenário tributário internacional. O vídeo e o documento de trabalho estão disponíveis em: https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/posts/tributacao-e-crescimento-no-brasil-uma-agenda-de-trabalho
Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 09/06/2021, quarta-feira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Ver: Barake, M., Neef, T. Chouc, P. e Zucman, G. (2021). “Collecting the tax deficit of multinational companies: simulations for the European Union”. EU Tax Observatory.
Deixar Comentário