O Judiciário não pode ser um fator de perturbação da atividade econômica
Novas leis e regulações tendem a provocar efeitos econômicos não desprezíveis. Decisões das cortes de justiça também produzem impactos significativos sobre a economia, o que é evidenciado na literatura sobre Direito e Economia[1].
No Brasil temos a combinação de um Judiciário caro e ineficiente com o excessivo protagonismo em decisões sobre questões que possuem efeitos diretos e/ou indiretos sobre a atividade econômica.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estima o custo do Judiciário brasileiro em 2016 em 1,4% do PIB[2]. Esse percentual é bem superior aos relativos aos EUA e países da América Latina e Europa, onde a manutenção do Judiciário custa menos do que 0,5% do produto real.
O alto custo do Judiciário brasileiro é em parte explicado pela elevada remuneração de juízes, desembargadores e ministros, cuja média mensal em 2016 foi de R$ 47,7 mil.
O CNJ revela também que 71,4% dos juízes e desembargadores dos tribunais de Justiça estadual – responsáveis por 57% do custo do Judiciário – recebem remuneração mensal acima do teto constitucional de R$ 33.763,00.
Dos cinco Estados com percentual mais elevado de remunerações acima do teto, quatro estão entre os mais pobres da Federação –- Amapá (99%), Piauí (91%), Maranhão (90%) e Amazonas (90%) –, onde a média de rendimento mensal domiciliar é igual a 60% do Brasil e a 43% do estado de São Paulo[3]. A maior remuneração média de magistrados é a de Rondônia, R$ 68,9 mil mensais, cerca de 76 vezes a média do rendimento mensal domiciliar do Estado.
A remuneração elevada dos membros do Judiciário é transmitida ao valor das aposentadorias, cuja média, de R$ 26.302 mensais, é de quase cinco vezes o teto do INSS, concorrendo dessa forma para o significativo déficit do RPPS civil, de R$ 68,1 mil per capita.[4]
O exagerado contingente de funcionários de apoio, que soma 424,3 mil e representa 24,6 pessoas por magistrado, concorre também para inflar o custo.
O número de servidores da Justiça brasileira é muito grande se comparado a outros países: 205,9 por 100.000 habitantes, igual a 4,8 vezes o do Chile e 6,7 vezes o da Inglaterra, o que indica a existência de distorção.
O expressivo custo de nosso Judiciário não se traduz em eficiência. Estima-se que o tempo de tramitação de ações penais no STF tenha aumentado continuamente desde 2002[5]. Em casos limite, existem processos que ficam mais de quatro anos aguardando providência do relator, um ano do revisor e dois anos em vista à Procuradoria Geral da República.
Tal lentidão é fonte de incertezas e pode levar à impunidade. O Supremo em Números evidencia que, em duas de cada três ações penais, o mérito da acusação não chega a ser avaliado pelo STF, em razão do declínio de competência ou prescrição.
A corrupção, em especial quando envolve crimes contra o patrimônio público, possui efeitos devastadores. É uma agressão à democracia e produz descrédito no regime político. Afeta negativamente as finanças públicas, desestimula investimentos e causa má alocação de recursos, principal responsável pela baixa produtividade no Brasil e, consequentemente, pelo lento crescimento econômico. Além disso, a corrupção aumenta a desigualdade de renda e riqueza.
Apesar de a operação Lava-Jato ter começado no primeiro trimestre de 2014, com 116 condenados em primeira instância até julho de 2017, o STF não julgou ainda nenhum político com mandato, embora alguns estejam envolvidos em mais de dez processos.
Entre 2002 e 2016, apenas 0,61% dos crimes julgados pelo STF resultaram em condenação, o que transformou o foro privilegiado em privilégio de enorme valor para criminosos[6].
A punição de culpados eleva os riscos da prática da corrupção, contribuindo para reduzir sua atratividade e a frequência futura. A impunidade de políticos é estimuladora da corrupção ao criar a percepção de que o crime compensa. A mensagem para a sociedade é de que a lei não é para todos, existindo uma casta que está acima do bem e do mal, sentimento negativo para a estabilidade social.
Em 2016/2017, com o agravamento da crise financeira do Rio de Janeiro, a União pagou R$ 2,7 bilhões em dívida garantida desse Estado, montante não recuperado em consequência de decisões do STF sobre recursos judiciais e que transformaram em letra morta contratos celebrados no passado.
Contratualmente, após ter honrado a dívida inadimplida, a União tem o direito de executar contragarantias indicadas pelos entes subnacionais quando da assinatura do contrato, tais como receitas de fundos de participação e de ICMS.
As decisões do STF, ao impedirem a União de executar as contragarantias, incentivam a indisciplina fiscal de governadores, fenômeno recorrente nas últimas décadas. Na ausência dessas intervenções, as restrições impostas pelo endividamento forçariam o devedor a se reestruturar.
No caso específico do Rio, vale notar que seu governo resistiu muito a cortar gastos com pessoal e a privatizar a CEDAE, optando por se financiar principalmente via atrasos de pagamento de salários de funcionários e calotes a credores e fornecedores, com implicações dramáticas para os serviços de saúde, educação e segurança pública.
Adicionalmente ao incentivo errado, há um problema distributivo. As decisões do STF determinaram que a dívida de uma unidade da Federação fosse compartilhada com as demais 26, numa espécie de crowdfunding em benefício do Rio.
Decisões de um único ministro do STF – apenas 22% das decisões em inquéritos em 2016 foram tomadas por um órgão colegiado – podem ter sérias repercussões.
Dois exemplos recentes são notáveis.
Restrições ao foro privilegiado que dariam maior agilidade ao julgamento de acusados de corrupção, e com votos favoráveis da maioria do colegiado do STF, ainda não foram aprovadas devido ao expediente de pedido de vistas de um único ministro.
Outra decisão monocrática relevante suspendeu medida provisória que adiava em um ano o reajuste de servidores públicos e aumentava de 11% para 14% a contribuição previdenciária destes. O impacto negativo sobre o orçamento do governo federal em 2018 é estimado em R$ 6,6 bilhões, o que exigirá cortes em outros itens.
As concessões de liminares para bloquear a privatização de um ativo causam incertezas que resultam na depreciação de seu valor, com prejuízo para a sociedade, a proprietária efetiva do que está sendo vendido.
Outro exemplo de ativismo é o da PGR, que tem procurado impedir reformas estruturais, como a trabalhista e a da Previdência, altamente necessárias para o ajuste fiscal e o crescimento econômico.
A importância de um sistema legal que restrinja o governo é reconhecida desde o século XVIII por Montesquieu e Adam Smith. Assegurar direitos da propriedade para estimular investimentos em capital humano e físico e a alocação eficiente de recursos é, sem dúvida, condição necessária para o desenvolvimento econômico.
Entretanto, distorções têm que ser corrigidas, não sendo tolerável que o Judiciário se transforme em elemento de perturbação da atividade econômica. Num processo de reconstrução da economia brasileira rumo ao desenvolvimento econômico, um dos grandes desafios será como ter um Judiciário ágil, de custo baixo e eficiente, e que cumpra suas funções constitucionais com limitado ativismo em matérias econômicas.
[1] Veja, por exemplo, Beltrametti, S. e Marrone, J., Market Responses to Court Rulings, Journal of Law and Economics, November 2016.
[2] Justiça em Números 2017, CNJ, 2017. Os dados se referem a 90 tribunais: 4 tribunais superiores (STF, STJ, STM, TSE), 5 tribunais regionais federais, 24 tribunais regionais do trabalho, 27 tribunais regionais eleitorais, 27 tribunais estaduais de Justiça e 3 tribunais estaduais da Justiça Militar.
[3] Dados de rendimento mensal domiciliar para 2016 de acordo com a PNAD Contínua
[4] Fonte: Aspectos Fiscais da Seguridade Social no Brasil, Tesouro Nacional, 2017. RPPS=regime próprio de previdência social, dedicado a servidores públicos.
[5] Veja o V Relatório Supremo em Números 2017, FGV Direito Rio.
[6] V Relatório Supremo em Números 2017, FGV Direito Rio.
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