O paradoxo da inovação
O “paradoxo da inovação” consiste no fato de que o crescimento da produtividade desacelerou apesar do aumento das despesas em pesquisa e desenvolvimento nos Estados Unidos nas últimas décadas. Este artigo discute esta questão.
Na última coluna, discuti o World Development Report 2024 (WDR 2024) do Banco Mundial, que abordou o tema da produtividade sob a perspectiva da armadilha da renda média. Uma lição importante é que os países que conseguiram superar a armadilha da renda média, como Coreia do Sul, Chile e Polônia, implementaram políticas para facilitar a adoção de tecnologias produzidas nas economias avançadas.
A edição de setembro da revista Finance and Development do FMI, por sua vez, também tem a produtividade como tema, mas com foco nas economias desenvolvidas. Em meio à diversidade de contribuições de pesquisadores do FMI e da academia, dois pontos permeiam grande parte da discussão.
O primeiro é a desaceleração do crescimento da produtividade nas economias avançadas desde meados dos anos 2000. O segundo consiste nas diversas evidências de que essa desaceleração está pelo menos em parte associada ao aumento do grau de concentração de mercado e à perda de dinamismo tanto na criação de empresas como na realocação de capital e trabalho entre as empresas existentes.
Um artigo de Ufuk Akcigit, professor da Universidade de Chicago, discute o que o autor denominou “paradoxo da inovação”, que consiste no fato de que o crescimento da produtividade desacelerou apesar do aumento das despesas em pesquisa e desenvolvimento (P&D) nos Estados Unidos nas últimas décadas.
Desde 1980, a despesa total com P&D nos Estados Unidos aumentou de 2,2% para 3,4% do PIB. Os gastos privados em P&D representaram grande parte dessa elevação, mais do que dobrando de 1,1% para 2,5% do PIB. No entanto, após ter alcançado uma taxa de 2,3% ao ano (a.a.) entre 1947 e 2005, o crescimento da produtividade por hora trabalhada nos Estados Unidos desacelerou para 1,3% a.a. entre 2005 e 2018.
Para entender as razões desse paradoxo, Akcigit resume os resultados de suas pesquisas que analisaram dados de despesas de P&D e inovação ao nível das empresas nos Estados Unidos, com o objetivo de entender como os recursos foram utilizados.
Os dados revelam que, nas últimas duas décadas, houve uma grande realocação de recursos de inovação para empresas de grande porte (mais de 1000 empregados) e estabelecidas no mercado (mais de 20 anos de atuação). Enquanto no início da década de 2000 cerca de 48% dos inovadores americanos trabalhavam nas empresas incumbentes, em 2015 essa proporção atingiu 58%.
Uma das principais conclusões é que, à medida em que foram aumentando sua escala de produção, várias empresas foram mudando seu foco da atividade de inovação para a proteção de sua posição de mercado.
Em particular, desde 2000 houve um aumento expressivo no diferencial de salário pago por empresas incumbentes de grande porte em comparação com empresas menores e mais jovens. Em consequência, vários inovadores que trabalhavam em start-ups foram atraídos pelas grandes empresas.
Isso não seria necessariamente um problema se esses talentos fossem plenamente utilizados pelos incumbentes. No entanto, Akcigit mostra que a produtividade desses inovadores nas empresas de grande porte foi consideravelmente menor que a de seus pares em empresas mais jovens.
Isso sugere que essa prática por parte das empresas incumbentes não representou uma tentativa de acelerar sua capacidade inovadora, mas um movimento estratégico para neutralizar possíveis concorrentes. Também são citadas outras evidências nesse sentido, como o uso de patentes para bloquear a entrada de novos competidores no mercado e o uso de conexões políticas para atividades de lobby no Congresso.
Akcigit menciona que uma política de concessão de créditos tributários para P&D, criada nos Estados Unidos no início da década de 1980, pode ter contribuído para o aumento da concentração. A razão é que essa política acabou beneficiando principalmente as grandes empresas em detrimento das empresas menores e mais jovens, que são responsáveis pela maior parcela de inovações disruptivas.
Diante dessas evidências, Akcigit ressalta a necessidade de implementar políticas que incentivem a inovação em empresas mais jovens de menor porte, como créditos tributários, recursos a fundo perdido para inovações em estágios iniciais e políticas que encorajem a competição e reduzam as barreiras à entrada de novos competidores.
Outros pesquisadores que contribuíram para esta edição do Finance and Development também manifestaram preocupação com o aumento da concentração nas economias avançadas e fazem propostas semelhantes.
Michael Spence, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001, argumenta que, embora a inteligência artificial tenha potencial para acelerar o crescimento da produtividade, para que isso aconteça é necessário que as novas tecnologias sejam acessíveis para todas as empresas em todos os setores.
Michael Peters, professor da Universidade de Yale, argumenta que medidas de aumento da competição em geral, e políticas antitruste em particular, deveriam ser utilizadas em casos em que existam claras evidências de que o aumento da concentração foi prejudicial ao consumidor não somente sob a forma de preços mais elevados, mas também pela menor inovação e crescimento.
É importante ser ressaltado que esses economistas reconhecem a grande importância das novas tecnologias para o crescimento econômico e a melhoria do padrão de vida da população. Nesse sentido, o desafio é assegurar maior competição para que esses ganhos sejam compartilhados por todos.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 13/09/2024.
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