O que dizem as pesquisas sobre reformas e crescimento da produtividade no Brasil?
As pesquisas mostram que várias reformas implementadas desde a década de 1990 tiveram efeitos positivos sobre a produtividade. No entanto, várias distorções permaneceram e outras foram criadas, reduzindo os ganhos das reformas.
No final do ano passado, o Banco Mundial divulgou um relatório sobre as perspectivas da economia brasileira nas próximas décadas intitulado “The Brazil of the Future: Towards Productivity, Inclusion, and Sustainability”. Seu tema principal é a necessidade de alterar o modelo brasileiro atual, caracterizado por baixo crescimento e desigualdade elevada, de modo a criar um contrato social que seja mais inclusivo e capaz de gerar crescimento sustentado.
Como contribuição para o documento, elaborei um survey da literatura sobre reformas e crescimento da produtividade no Brasil (“Productivity and Growth in Brazil”). Essa tarefa foi facilitada pela grande quantidade de estudos acadêmicos de alta qualidade sobre o tema, que utilizam novas bases de dados, métodos econométricos e modelos de equilíbrio geral para estimar e simular o impacto das reformas.
Outro aspecto importante desses trabalhos é permitir um melhor entendimento dos mecanismos pelos quais as reformas afetam a eficiência, e como elas interagem com outros determinantes da produtividade, como o nível de escolaridade de trabalhadores e empreendedores.
Também existe uma rica literatura sobre a dinâmica de produtividade das empresas no Brasil e os efeitos negativos de distorções de política econômica na alocação de recursos. Em particular, vários trabalhos abordam a relação entre informalidade e produtividade, algo de grande importância diante do tamanho expressivo do setor informal no país.
Em comparação com países desenvolvidos, nossa produtividade é baixa na grande maioria dos setores. Isso indica que não será possível convergir para o nível de produtividade das economias avançadas por meio de uma realocação de trabalho e capital entre diferentes setores. Será necessário aumentar a produtividade de forma generalizada, e especialmente no setor de serviços, que concentra cerca de 70% da mão de obra.
Outro fato estilizado é uma proporção elevada de empresas com produtividade muito baixa no Brasil, mesmo em comparação com outras economias emergentes, como México e Chile. Isso ocorre em praticamente todos os setores, reforçando o diagnóstico de que nossa baixa produtividade é um problema sistêmico.
O quadro se agrava quando se considera o setor informal, caracterizado por grande ineficiência e quase nenhum dinamismo. Um estudo de Gabriel Ulyssea estima que quase metade das firmas no setor informal é tão improdutiva que não sobreviveria no setor formal mesmo que os custos de formalização fossem eliminados. Isso ajuda a entender por que políticas de formalização, como Simples e MEI, tiveram efeitos tão reduzidos.
Estudos também mostram que as empresas crescem pouco no Brasil e são consideravelmente menores que as de países desenvolvidos e mesmo alguns emergentes. A qualidade média da gestão empresarial no país também não é adequada, e uma grande parcela das empresas tem nível de gestão na escala mais baixa das comparações internacionais.
Um ponto central que emerge da análise é que o Brasil tem um ambiente de negócios que desestimula a competição e induz a má alocação dos recursos produtivos. Em consequência, empresas produtivas crescem pouco e empresas ineficientes permanecem no mercado.
As pesquisas mostram que várias reformas implementadas desde a década de 1990 tiveram efeitos positivos sobre a produtividade e outras medidas de desempenho econômico. A abertura comercial, por exemplo, elevou de forma significativa a produtividade da indústria de transformação. Várias reformas do mercado de crédito, como alienação fiduciária, crédito consignado e Lei de Falências, contribuíram para um aumento do acesso de indivíduos e empresas a empréstimos com taxas de juros menores e prazos mais longos.
No entanto, os efeitos positivos não foram suficientemente generalizados para acelerar de forma duradoura o crescimento da produtividade agregada. Isso se deve em parte ao fato de que várias distorções permaneceram e outras foram criadas, como subsídios creditícios, isenções tributárias para setores específicos e políticas de conteúdo local.
Além disso, existem evidências de que aumentar o nível de capital humano de trabalhadores e empreendedores é fundamental para assegurar elevações duradouras da produtividade. Por exemplo, um estudo de Daniel Haanwinckel e Rodrigo Soares mostra que a melhoria da composição educacional da mão de obra foi o principal determinante da queda da informalidade nos anos 2000. Um mecanismo importante foi o fato de que a melhoria da educação reduziu o custo do trabalhador mais qualificado, o que estimulou o crescimento de empresas formais de produtividade mais elevada.
As pesquisas analisadas no survey referem-se ao período entre meados dos anos 1990 e a primeira metade da década passada, não incluindo, portanto, as reformas aprovadas nos últimos anos, como a trabalhista, mudanças no marco regulatório de infraestrutura (saneamento, ferrovias, navegação de cabotagem) e no mercado de crédito (criação da TLP, redução do crédito subsidiado de bancos públicos, reformulação do cadastro positivo, open finance), dentre outras. Além disso, reformas importantes foram aprovadas em 2023, como o novo marco de garantias e, principalmente, a reforma tributária.
Como discuti na última coluna, o crescimento da produtividade nos três primeiros trimestres de 2023 pode ter decorrido, pelo menos em parte, dessas reformas. A questão-chave é avaliar se o ambiente de negócios que induz a má alocação dos recursos produtivos foi alterado de forma mais profunda.
Minha avaliação é que isso é possível, já que o caráter abrangente das reformas atua no sentido de elevar a produtividade de todos os setores. Para termos evidências mais sólidas, vamos ter que aguardar estudos acadêmicos sobre o tema, o que provavelmente não vai demorar.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 05/01/2024.
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