Macroeconomia

O que está acontecendo com a renda média na pandemia?

10 jul 2020

Em meio a crises econômicas, com altas da taxa de desemprego, aumento do número de trabalhadores procurando qualquer ocupação, com qualquer rendimento, a renda média tende a sofrer forte queda. No entanto, em meio à atual crise derivada da pandemia, o gráfico abaixo mostra que, ao contrário da crise de 2015-16, a média da renda habitual se elevou de forma abrupta, com a maior variação real interanual da série histórica, que começa em 2013. O que poderia, portanto, explicar tal paradoxal fenômeno?

Há diversas hipóteses que podem explicar tal comportamento. Por exemplo, sabe-se que uma das particularidades dessa crise econômica é seu maior impacto sobre o mercado de trabalho informal. Tendo em vista que, nesse setor, os rendimentos do trabalho são inferiores aos do setor formal, a maior redução desses na população ocupada poderia levar a uma elevação da média. Esse fenômeno costuma ser chamado de “efeito composição”.

Deve-se ressaltar, no entanto, que a mensuração desse efeito, junto ao chamado “efeito nível” (ou seja, quanto da renda variou devido a variações dentro de cada grupo), depende de como se decide desagregar as categorias da população ocupada. Desse modo, considerando a composição por tipo de ocupação – isto é, empregado no setor privado com carteira assinada, empregado no setor público, conta própria com CNPJ etc. – o efeito composição, como mostra o gráfico abaixo, de fato tem tido uma contribuição positiva, como esperado. Porém, ainda assim, é o efeito nível que tem se mostrado predominante para explicar a alta elevação da renda habitual média.

A recentemente “formalização” (tendo em vista que há mais perdas de postos de trabalho informais do que formais) devido à pandemia, portanto, não pode ser unicamente o efeito que explica o aumento da renda média. Duas alternativas plausíveis restam para investigação: (i) o efeito composição dentro dos setores e; (ii) um possível viés de captação devido à mudança da forma como era feita a entrevista, de forma presencial para telefone.

A hipótese (i) é uma extensão da primeira: ela pressupõe que há um “efeito omposição” também dentro dos tipos de ocupações, nos quais os trabalhadores de menor rendimento estão sendo expulsos do mercado de trabalho, elevando assim a média da renda. Já a hipótese (ii) é mais problemática: ela pressupõe que, tendo o IBGE alterado sua forma de realizar entrevista, de presencial para por telefone, acabaria incorrendo em um viés de captação, devido a pessoas respondendo que possuem rendimentos mais altos do que os que declarariam em uma entrevista pessoal (também pode haver um problema de amostragem, com o IBGE não conseguindo chegar a domicílios mais pobres por telefone).

Como é possível avaliar qual das duas hipóteses poderia explicar o aumento do rendimento habitual do trabalho? Sem os microdados do segundo trimestre disponíveis, as possibilidades são pequenas. Uma delas, por exemplo, é estressar ao máximo a hipótese do efeito composição, em uma simulação, usando os microdados do primeiro trimestre, na qual todos os trabalhadores de menor rendimento seriam expulsos do mercado de trabalho na magnitude da queda da população ocupada (PO).

A tabela abaixo mostra a variação percentual da PO por tipo de ocupação entre março e maio de 2020. Como se vê, as maiores quedas se encontram entre trabalhadores domésticos e empregados do setor privado sem carteira assinada, que tiveram quedas de 17% e 16%, respectivamente. Desse modo, a simulação usando os microdados do primeiro trimestre excluiriam os 17% e 16% de menor rendimento, respectivamente, dessas categorias[1]. O mesmo seria feito para as demais, de modo a investigar qual seria a renda média ao final desse processo.

Para além do efeito composição, é possível também simular diversos valores negativos de efeito nível sobre os demais trabalhadores que acabaram permanecendo ocupados – o que faz sentido sob o cenário de redução de jornadas de trabalho e rendimentos. O gráfico abaixo resume o que ocorreria em tais simulações, com as linhas sendo a renda média observada nos meses de março e maio, e as colunas são os valores simulados para esse último período.

 

Como se vê, o efeito composição de maior potência geraria uma renda média acima do nível observado, mesmo computando um cenário de efeito nível negativo de até 3%. Quando esse último, no entanto, gera uma redução de 5%, a média do rendimento habitual se torna menor do que a observada em maio.

Tal simulação mostra, portanto, que um forte efeito composição pode de fato ter papel predominante no aumento da renda habitual. Por outro lado, considerando serem plausíveis cenários de elevado efeito nível negativo, não se pode também descartar algum papel do viés de captação, discutido anteriormente. Essa última hipótese torna-se ainda mais forte considerando que, evidentemente, o efeito composição não teria como, na realidade, ter tido tamanha potência, tendo em vista que a simulação foi realizada para reproduzir seu impacto máximo possível. 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.   

 

[1] Já para as categorias que não apresentaram queda, não será feita tal simulação.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.