Segurança Pública

O rescaldo da tragédia carioca

4 nov 2025

Apesar de ser aprovada pela maioria da população do Estado do Rio de Janeiro e do ganho político de curto prazo para o governador Cláudio Castro e o campo da direita, a megaoperação policial contra o Comando Vermelho foi uma tragédia chocante.

A megaoperação policial contra o Comando Vermelho, batizada Operação Contenção, realizada pelas polícias do do Rio de Janeiro, no dia 28 de outubro nas favelas do Alemão e da Penha, localizadas na capital do Estado, resultou em 121 mortos, incluídos quatro policiais. Cláudio Castro, o governador, considerou-a um sucesso. Segundo pesquisa de opinião da Quaest, publicada n’O Globo no dia 02 de outubro, 64% da população do Rio aprovou a ação[1].

Antes do ataque ao Comando Vermelho, Cláudio Castro era um dos mais impopulares governadores. Após o ataque, viu sua aprovação subir 10%, passando a 53%. No dia 04 de novembro, será julgado pelo TSE por abuso de poder econômico.

No rastro da Operação Contenção, governadores de direita vieram ao Rio de Janeiro para prestar solidariedade a Castro e criar o “Consórcio da Paz”, uma proposta de cooperação entre as polícias de Brasília, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo.

Mobilizando o tema da segurança pública, quiçá a principal preocupação dos eleitores brasileiros hoje em dia, e apoiando uma abordagem centrada em ação policial letal, o campo da direita conseguiu, agora, reunificar-se, após haver se dividido em virtude do ataque de Donald Trump à economia e às instituições políticas brasileiras em julho e da condenação de Jair Bolsonaro, em setembro, por tentativa de golpe de Estado.

Simetricamente, desde julho, Lula havia recuperado considerável terreno político-eleitoral em consequência de sua defesa da soberania nacional face a Trump e das decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito do golpismo bolsonarista. Agora, com o retorno da segurança pública ao topo da agenda nacional, Lula volta a ficar na defensiva, dada a histórica dificuldade que o tema constitui para os partidos de esquerda e as forças progressistas.

Da perspectiva do dia a dia dos cidadãos cariocas, a Operação Contenção não resultará nem no enfraquecimento do Comando Vermelho nem na melhoria da segurança da cidade, como tem insistido Joana Monteiro, especialista em segurança pública da Fundação Getulio Vargas[2]. Tratou-se de expedição exclusivamente punitiva, como várias outras já conduzidas no Rio de Janeiro nas últimas três décadas e sem resultados positivos no médio e longo prazo. Expedições punitivas não vão às raízes políticas, sociais e econômicas que permitiram o crime organizado violento se expandir no Rio.

Os principais líderes do Comando Vermelho não moram em favelas. Vivem em presídios ou em apartamentos na orla da Zonal Sul e da Barra da Tijuca. Seus principais sócios se encontram nas bandas podres das polícias, do Judiciário estadual, do empresariado, das finanças, da ALERJ e de Câmaras de Vereadores.

Para que o crime organizado violento possa ser minimizado nas favelas, é imperativo que, após uma expedição punitiva, o Estado entre nas comunidades e passe a prover bens públicos básicos para a população. Há quatro décadas, se verifica esse fato irrefutável no Rio de Janeiro, mas pouco se fez a respeito.

No planejamento da Operação Contenção e nas falas de Cláudio Castro, não há menção nenhuma a esses aspectos-chave da criminalidade carioca referidos nos dois parágrafos logo acima.

Além disso, para que megaoperações policiais no Rio possam ter êxito e minimizem o número de mortos, é imprescindível a cooperação com o governo federal, dado o caráter interestadual e transnacional do crime organizado. Nesse quesito fundamental, o Palácio Guanabara e o Palácio do Planalto vêm fracassando há muito tempo. O fosso ideológico entre Cláudio Castro, de extrema-direita, e Lula, de centro-esquerda, certamente não ajuda. Mas não há como negar que o atual governador do Rio, em situação periclitante, tal qual aponta o segundo parágrafo desta coluna, foi o que mais politizou a Operação Contenção e o primeiro a culpar o Executivo federal pela falta de cooperação, apesar de pouco ter feito para que Rio e Brasília atuassem conjuntamente.

A repercussão mundial da tragédia ocorrida no dia 28 de outubro foi péssima, como é de se esperar. Para uma cidade que se caracteriza por grandes eventos internacionais e pelo turismo, não poderia haver nada pior.

Apesar de aprovada pela maioria da população do Estado do Rio de Janeiro e do ganho político de curto prazo para Cláudio Castro e o campo da direita, a megaoperação policial contra o Comando Vermelho foi uma tragédia chocante. Apenas o desespero radical de cariocas e fluminenses, sobretudo os moradores das favelas, com a barbárie que experimentam diariamente explica aquele ganho, o qual, tudo indica, não se traduzirá em políticas públicas que efetivamente debilitem o crime organizado violento.

Não sobrou nada de positivo da megaoperação? Sim, sobrou. Como nunca se viu nos últimos quarenta anos, governo federal, Congresso, governadores, prefeitos e líderes partidários finalmente acordaram para a necessidade imperativa de integrarem os três Poderes da República e os três níveis da Federação, de modo a desenvolverem – não agora porque já se iniciou o ciclo eleitoral de 2026, mas no médio prazo – novas e eficazes estratégias para combater a criminalidade. De qualquer modo, oremos.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

Notas:

[1] Ver Rafaela Gama, “Ação policial no Rio é aprovada por maioria, mas insegurança aumenta, diz pesquisa com moradores”, O Globo, 02/11/2025, disponível em https://oglobo.globo.com/blogs/pulso/post/2025/11/acao-policial-no-rio-e....

[2] Ver “Operação gerou dano brutal para o Rio e não vai abalar facção, diz-professora”, Valor Econômico, publicado em 30/10/2025, disponível em https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/10/30/operacao-gerou-dano-br....

 

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