O sucesso do Teto de Gastos
Ao limitar crescimento da despesa pública primária, Teto de Gastos permitiu queda da Selic, reduzindo despesa pública com juros, com dupla ajuda ao ajuste fiscal. Dificuldade política de eleger prioridades não pode levar a retrocesso em algo que tem sido grande sucesso.
No final de 2021 se comemorará cinco anos da aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC 95), que instituiu o Teto de Gastos no governo federal. Como ficou claro na discussão da Lei Orçamentária da União deste ano, sancionada com vetos semana passada, o Teto tem sido uma âncora fundamental para criar um grau tolerável de disciplina fiscal. Este ano, porém, o respeito ao Teto gerou um grau maior de tensão política, na definição do que deveria, ou não, constar do Orçamento. Motivos conjunturais e estruturais explicam isso.
Entre os primeiros, o mais importante é que o valor do Teto foi corrigido, como manda a EC 95, pela variação do IPCA nos 12 meses até junho de 2020, que ficou em 2,1%, enquanto muitas despesas foram ajustadas pela variação no ano cheio (4,5%), ou pela alta ainda maior do INPC (5,4%). Foi o caso das despesas da previdência e da assistência social ligadas ao salário mínimo, por exemplo. Adicionalmente, a pandemia pressionou algumas despesas, como as com a saúde pública, sem que todas elas pudessem ser contabilizadas fora do Teto. Ainda assim, a pandemia serviu para justificar despesas fora do Teto, como permite a EC 95.
Em 2022 esses fatores conjunturais devem desaparecer. Um, pois se espera que até lá a pandemia esteja controlada. Outro, pois o descasamento de taxas de inflação deve se inverter: pelas projeções do mercado, ela deve superar 8% nos 12 meses até junho, mas fechar o ano em 5%, gerando, portanto, uma folga.
Mas a tensão este ano também resultou de fatores estruturais que não irão embora tão facilmente. Para entendê-los ajuda lembrar qual a lógica de se aprovar o Teto de Gastos.
Quando a EC 95 foi discutida no Congresso, o Brasil experimentava uma rápida escalada de sua dívida pública, fruto de uma pronunciada deterioração do resultado das contas públicas. Estas haviam saído de um déficit nominal de 3,0% do PIB em 2013 para 10,2% do PIB em 2015. O Teto foi uma resposta a esse quadro e tinha quatro pontos positivos centrais.
Primeiro, era uma promessa de ajuste a médio e longo prazo. Dessa forma, na medida em fosse crível, conseguiria acalmar os agentes econômicos sem a necessidade de um dramático ajuste de curto prazo.
Segundo, era fácil de entender e propunha uma métrica razoavelmente transparente e baseada em uma variável sob controle do governo: seus gastos primários. Assim, a promessa de manter as despesas abaixo do Teto era crível, pois sob controle do Executivo e do Legislativo, responsáveis por aprovação o Orçamento Anual. Era mais controlável do que a meta de resultado primário, que dependia também do que acontecia com as receitas públicas, que comparativamente eram menos controláveis.
Terceiro, o fato de o governo ter atingido a meta de superávit primário na maior parte do período 1998-2013 não impediu que as despesas públicas primárias crescessem e muito: na média de 1997-2014, mais de 6% ao ano, acima da inflação. Ou seja, muito além do crescimento do PIB. Isso exigiu que, para controlar a inflação, o Banco Central mantivesse a taxa de juros em patamar elevado.
Mas, ora, o setor público é o grande devedor do país. Juros altos se traduzem em despesas elevadas com juros, Assim, o governo precisava poupar para pagar uma conta salgada de juros que em grande medida resultava de suas despesas crescerem muito, forçando uma Selic elevada.
Portanto, ao limitar o crescimento da despesa pública primária o Teto permitiu que a taxa Selic caísse, reduzindo a despesa pública com juros e ajudando duplamente o ajuste fiscal. Isso sem falar de todo desenvolvimento financeiro que se observou desde então, com as empresas lançando ações e títulos de dívida no mercado de capitais doméstico, inclusive para resgate de dívidas externas e com bancos públicos.
Óbvio que desacelerar o crescimento da despesa pública dessa forma não se deu sem chiadeira, dos que se beneficiavam do aumento do gasto e dos que ganhavam com a elevada taxa de juros. Mas o Orçamento Público serve mesmo para isso, para que as prioridades sejam definidas e que o que não é tão prioritário fique para depois. E essa discussão passa também por reformas legais que reflitam essas prioridades, como se deu quando, em 2019, se aprovou a reforma da Previdência.
O caminho para a frente é continuar o debate do que é prioritário e do que precisa ser reformado. A dificuldade política de eleger prioridades não pode dar lugar a um retrocesso em algo que tem sido um sucesso tão grande.
Este artigo foi publicado originalmente pelo Correio Braziliense em 28/04/2021.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Comentários
Deixar Comentário