Macroeconomia

Os desafios do orçamento para 2021 e o futuro da agenda econômica

29 set 2020

No final do mês passado, seguindo o que determina a legislação, o governo federal apresentou o Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2021. Como já esperado pelos analistas, os números mostraram um orçamento apertado, onde pela primeira vez a despesa foi estimada no limite dado pelo teto de gasto. Dessa forma, as restrições fiscais ficaram mais do que nunca explicitadas, evidenciando a enorme dificuldade para a acomodação de novas despesas, como, por exemplo, novos programas sociais. Um resumo do orçamento se encontra na Tabela 1.

Em 2021, a estimativas no PLOA indicaram um déficit primário de R$ 233,6 bilhões para o governo federal (3,0% do PIB), assumindo, para isso, uma variação do PIB de -4,7% em 2020 e de +3,2% em 2021. Essa projeção de resultado primário é bem pior do que aquela prevista no PLDO, enviado em abril, que indicava déficit de R$ 149,6 bilhões, quando o governo ainda trabalhava com um cenário macroeconômico bem menos grave (a previsão para o crescimento do PIB de 2020, por exemplo, ainda estava no terreno positivo, em +0,02%). Vale notar que esta estimativa para 2021 mostra um déficit bastante elevado, sugerindo um cenário fiscal delicado, especialmente depois de um ano em que o déficit primário pode se aproximar de R$ 1 trilhão.

Com o teto de gasto, é bem verdade que os resultados primários são praticamente uma consequência das estimativas de receita, estas por sua vez em grande parte ligadas ao cenário macroeconômico. No PLOA 2021, a receita líquida foi estimada em R$ 1.283,2 bilhões e não levou em conta qualquer receita extraordinária relevante (como concessões e privatizações).

Desta maneira, as grandes mensagens do orçamento estão na análise da despesa – ainda que elas não sejam muito animadoras. A despesa primária total foi estimada em R$ 1.517 bilhões para o ano que vem. Se excluirmos dessa conta as despesas que não estão sujeitas ao teto de gasto, segundo a Emenda Constitucional 95, chegamos a um volume de gasto primário que fica exatamente no limite do teto, de R$ 1.486 bilhões.

Sobre a despesa total, em primeiro lugar, chama atenção o nível dos gastos obrigatórios. É interessante notar que somente 4 itens (Previdência, Pessoal, LOAS/RMV e Abono e Seguro Desemprego) respondem por R$ 1.167 bilhões do gasto, isto é, 77% do total para o ano que vem. Quando se olha para o restante das despesas obrigatórias, fica claro o tamanho do aperto.

Uma maneira de verificar isso é observar o volume das despesas discricionárias, onde se incluem, por exemplo, os investimentos. Para 2021, elas foram projetadas, desconsiderando as emendas impositivas, em R$ 96 bilhões. Se, adicionalmente, desconsiderarmos o aumento de capital de estatais, orçado em R$ 4 bilhões[1], obtemos um valor de R$ 92 bilhões, número muito próximo ao mínimo para assegurar o funcionamento da máquina pública, segundo estimativas existentes[2]. Isso significa, portanto, que não há quase nenhuma margem de manobra para o ano que vem. Também cabe lembrar que o cenário pode ser ainda mais apertado, pois o projeto considerou o fim da desoneração da folha de salários, que gerava uma despesa primária. Caso o programa não seja mesmo descontinuado, como parece ser o caso, haverá uma despesa adicional em torno R$ 8 bilhões para o ano que vem[3].

O orçamento para 2021 foi apresentado no último dia de agosto, mas o fato é que, nas semanas anteriores, havia sido intensificada a discussão em relação a novos gastos públicos, em especial em investimentos e em assistência social, com a criação dos Programas Pró-Brasil e Renda Brasil. Como, até o momento da apresentação, não havia se chegado a um consenso em relação a essas despesas e, principalmente, a sua forma de financiamento, os números do orçamento foram recebidos com certa cautela, uma vez que ficaram pendentes definições em relação a esses programas. Em realidade, algumas questões continuaram a ditar o debate sobre as contas públicas federais: há espaço para novos gastos públicos, especialmente o Renda Brasil, em 2021? O que o governo fará se quiser de fato implementá-los? O teto corre risco?

Para responder a essas perguntas, é importante ter em mente que, sob a vigência do teto de gasto, não é possível gastar além do teto, mesmo se houver aumento da receita. Assim, a criação de novos impostos, como a CPMF, não representaria uma solução para acomodar a criação dos novos programas. Se o gasto total está no limite do teto, como parece ser o caso, não há alternativa à diminuição de alguma outra despesa do orçamento.

Especificamente em relação ao Renda Brasil, as informações disponíveis indicam uma necessidade adicional em torno de R$ 30 bilhões em 2021[4]. Para obter este valor, uma das primeiras alternativas estudadas pelo Ministério da Economia foi a utilização dos recursos do abono salarial para bancar o programa. Com a negativa do Presidente da República, a segunda alternativa consistiu na desindexação de aposentadorias, mas essa opção também foi desautorizada pelo chefe do Executivo. Essas tentativas frustradas vêm explicitando que dificilmente haverá como implementar o Renda Brasil e, ao mesmo tempo, manter o teto de gasto no formato atual.

Assim, este será um grande desafio no curto prazo. A economia do país sairá bastante fragilizada da crise, com um mercado de trabalho em situação precária de alto desemprego e informalidade. Com o fim do auxílio emergencial, que beneficiou quase 70 milhões de pessoas, os índices de pobreza podem se elevar drasticamente. Não será fácil prescindir de uma política social mais ampla do que o Bolsa Família. Vale notar que, enquanto o Bolsa Família gasta pouco mais de R$ 30 bilhões por ano, o auxílio emergencial gastou cerca de R$ 50 bilhões por mês (considerando as parcelas de 600 reais). As diferenças são enormes e um fim repentino do auxílio pode ser problemático na atual conjuntura.

Por outro lado, o chamado “furo do teto” não é algo trivial. A situação fiscal segue inspirando cuidados: em julho, a dívida bruta alcançou 86,5% do PIB e as projeções indicam que ela alcançará cerca de 95% no fim do ano. Segundo estimativas apresentadas no próprio PLOA 2021, os anos de 2022 e 2023 continuarão mostrando déficits primários elevados, de R$ 185,5 bilhões e R$ 153,8 bilhões, respectivamente. E, em realidade, é fato que ainda existe considerável incerteza em relação à pandemia. Haverá realmente condições para o retorno à normalidade? Haverá necessidade de extensão de algum dos programas de combate à pandemia? Haverá necessidade de novo apoio aos entes subnacionais?

Enquanto isso, a agenda econômica pouco avança. No caso da reforma tributária, apenas a primeira fatia de quatro já foi apresentada pela equipe econômica. O governo federal indica que seguirá apostando na CPMF, um imposto que tem pouco apoio do Congresso e da sociedade em geral. Dificilmente prosperará. Já no caso da reforma administrativa, foi apresentado um texto que vale apenas para novos servidores. Como se trata de PEC, há um trâmite mais longo que não tende a ser fácil. Já na agenda das privatizações, o governo também encontra enorme dificuldades para avançar, não conseguindo, portanto, despertar grande otimismo nos agentes econômicos. Tudo isso com as eleições municipais cada vez mais perto, o que tende a mobilizar o mundo político para os assuntos eleitorais nesse fim de 2020.

Como pode ser visto, portanto, o horizonte econômico, incluindo o orçamento de 2021, ainda está permeado de incertezas. A combinação da herança da pandemia, somada ao cenário fiscal e a dificuldade para crescer e realizar reformas deixa um grande desafio para a sociedade, em geral, e para os policymakers, em particular. Destes, será necessário muito pragmatismo para navegar por essas águas sem correr o risco de um naufrágio.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] Sobre isso, aliás, vale ressaltar que se trata de mais um ano no qual o governo fará capitalização de estatal (despesa que não está sujeita ao teto). Desta vez o destino dos recursos é a nova estatal controladora de Itaipu Binacional e a Eletrobras Termonuclear.

[2] Ver, por exemplo, estimativas da Instituição Fiscal Independente.

[3] A matéria depende da apreciação de um veto presidencial no Congresso Nacional e as análise mais recentes indicam uma probabilidade maior de derrubada do veto e manutenção do programa em 2021.

[4] Totalizando algo próximo a R$ 60 bilhões quando somados com os recursos do Bolsa Família.

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