Macroeconomia

Os dilemas do Fed, o banco central americano

29 ago 2019

Em dezembro do ano passado argumentei que o banco central americano, conhecido por Federal Reserve, ou simplesmente Fed, iria parar o ciclo de elevação de juros em algum momento de 2019 [1].

O motivo eram os riscos de o Fed ter que enfrentar uma desaceleração mais intensa ou até mesmo uma recessão da economia.

Dado que a sua taxa básica de juros estava (e está) muito baixa, não há muita munição – isto é, espaço para baixar juros, já que existe o limite inferior de zero – para se contrapor a uma recessão.

Assim faz sentido o Fed ser muito cauteloso no processo de “normalização das condições monetárias” e ficar atrasado na política monetária: há munição de sobra para enfrentar uma eventual aceleração da inflação (basta subir os juros, e para isto não há limite).

Como meu colega do Ibre José Júlio Senna tem notado há muito tempo, o balanço de riscos do Fed sugere que os riscos de ficar adiantado no ciclo monetário são maiores do que os de ficar atrasado.

De fato, não somente o Fed parou o processo de elevação dos juros básicos como, na reunião de 31 de julho, reduziu os juros do intervalo de 2,25-2,5% para 2,0-2,25%. Decisão difícil, com dois votos contrários entre dez votantes.

Além do balanço de riscos que indica que o Fed deveria ficar atrasado no ciclo monetário, dois fatores pesaram na decisão. Primeiro, a percepção de que a guerra comercial tem efeito líquido desinflacionário: o aumento das tarifas produz alta temporária da inflação, mas reduz muito o investimento mundo afora. O efeito líquido é diminuir a demanda e a inflação no médio prazo.

O impacto da guerra comercial no investimento resulta dos seus efeitos sobre a globalização. A segunda globalização – aquela que se iniciou no pós-guerra (a primeira vigorou entre o fim das guerras napoleônicas e o início da primeira grande guerra) – difere da primeira pela existência de um fortíssimo comércio de insumos intermediários. O processo produtivo de um bem final ocorre em diversas etapas, em diferentes locais e países. A guerra comercial ofusca o cálculo empresarial. Onde localizar o investimento? Não se sabe, não se investe.

O segundo fator que tem pesado para a decisão do Fed foi a desaceleração experimentada pelos Estados Unidos e pelas economias centrais, zona monetária do euro e China, desde o segundo semestre do ano passado.

De fato, a atividade nas economias centrais tem sido sustentada pelo consumo, pela ótica da demanda, e pelo setor de serviços, pela ótica da oferta agregada. O índice global dos gerentes de compras (Purchasing Manager Index, PMI) para a indústria manufatureira caiu de 54,4 em dezembro de 2017 (números acima de 50 indicam que a economia crescerá) para 49,3 em julho de 2019. Para o setor de serviços, a queda foi de 54,8 em fevereiro de 2018 para 51,6 em maio de 2018. De maio até julho, elevou-se para 52,5, sinalizando leve recuperação do setor de serviços da economia mundial.

No entanto, as dúvidas são muitas. O mercado de trabalho americano continua a melhorar, com alguns sinais de que salários já estão a se mover. Além disso, o acompanhamento dos indicadores sinaliza que a economia deve fechar o ano rodando a 2% ou um pouco mais.

O risco de ficar por demais atrasado no ciclo monetário – e este ponto não abordei no final do ano passado – é o mercado se convencer de que os juros neutros de longo prazo são muito baixos.

Se houver essa percepção, como já tem ocorrido, o preço dos ativos subirá, como de fato têm subido. O preço da ação de uma empresa é dado pela comparação entre a receita futura e o custo de capital. Se este está muito baixo, o preço da ação subirá. É sempre possível tomar emprestado para comprar ações. Esse fenômeno vem ocorrendo nos últimos anos conforma se consolida a percepção de que, após a grande crise do subprime, os juros de equilíbrio se tornaram significativamente menores.

O risco é alguma elevação abrupta da inflação alterar rapidamente essa percepção do mercado financeiro. Nesse caso, os operadores do mercado passarão a considerar que o juro básico no longo prazo será maior. Haverá rápida queda dos preços dos ativos, que pode precipitar uma desorganização dos mercados.

O BC americano caminha nesse fio de navalha em busca de um pouso suave da economia, com crescimento dado pelo potencial, algo em torno de 1,8% ao ano, inflação na meta de 2% ao ano, e sem rupturas no mercado de ativos.

Penso, portanto, que o ciclo de queda dos Fed Funds será menor do que os cinco cortes de 0,25 ponto percentual que o mercado financeiro prevê até dezembro de 2020.


Este artigo faz parte do Boletim Macro IBRE de março de 2019. Leia aqui a versão integral do BMI Agosto/19. 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

[1] Texto com modificações de minha coluna na Folha de São Paulo de 18 de agosto último.

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