Panorama atual da desigualdade de gênero no Brasil: uma análise a partir da PNADC e da SMT
Sondagem do Mercado de Trabalho do FGV IBRE pesquisou a percepção de homens e mulheres quanto ao trabalho não remunerado em afazeres domésticos e cuidados. Resultados sugerem que normas sociais podem influenciar nessa avaliação.
1. Introdução
As estatísticas existentes sobre a quantidade de tempo despendida por homens e mulheres em trabalhos de afazeres domésticos e cuidados ainda é muito incipiente no Brasil. Isso prejudica a formulação de políticas públicas, que sofrem com a falta de informação para elaboração de planos eficientes. Atualmente, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) é a única pesquisa que provê informações sobre o tema. A pergunta acerca do tempo realizado nos afazeres domésticos e cuidados é realizada na 5ª visita e fornece informações sobre o tempo dedicado aos trabalhos não remunerados de afazeres domésticos e cuidados por homens e mulheres.
Os últimos dados divulgados relacionados a temática do trabalho não remunerado pela PNADC são relativos ao ano de 2022 e indicam que, em média, as mulheres dedicam 21 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados e os homens 11 horas. Nessa perspectiva, é fato dado que o trabalho não pago é encargo majoritário das mulheres, e que a realização dessas tarefas atua como uma barreira a sua entrada no mercado de trabalho. Isso ocorre porque as mulheres, por serem as principais responsáveis com as tarefas do lar e de cuidados, possuem menor disponibilidade de horas para ofertarem no mercado de trabalho, dificultando a entrada, permanência e muitas vezes seu potencial de crescimento em algumas ocupações. Esse fato contribui para alimentar as desigualdades de gênero latentes no mercado de trabalho, com as mulheres recebendo, em média, 20% a menos que os homens.
A lacuna existente nas estatísticas relativas ao trabalho não remunerado abre margem para realização de pesquisas nessa área que venham a ser utilizadas como insumos para melhor entendimento dessa temática no Brasil. É com esse objetivo que foram formuladas perguntas a partir da Sondagem de Mercado de Trabalho (SMT) do FGV-IBRE que permite o aprofundamento nesse tema. A SMT, ainda tratada como pesquisa experimental, busca complementar o sistema de estatísticas sobre mercado de trabalho. A sondagem tem realizado um conjunto de perguntas de diferentes temas que visam ir além do observado nas fontes oficiais. O tema do trabalho não remunerado foi abordado, pela primeira vez, no último trimestre de 2024, consultando 6.111 respondentes em todo território nacional.
Os resultados da SMT serão apresentados em conjunto com um panorama do mercado de trabalho brasileiro, que auxiliará na compreensão do estágio atual da desigualdade de gênero no Brasil.
2. Panorama atual do mercado de trabalho
A taxa de participação se refere ao número de pessoas inseridas no mercado de trabalho. No caso das mulheres essa taxa cresceu continuamente entre 2012 e 2019, atingindo um pico nesse último ano de 54%. A pandemia de covid-19 levou a uma queda na taxa de participação delas que até 2024 ainda não havia retornado ao nível pré-pandemia. Os homens, por sua vez, vêm sofrendo uma queda na taxa de participação, com taxas inferiores nos últimos anos em comparação ao início da série histórica.
Gráfico 1 – Taxa de participação no mercado de trabalho por sexo, 2012-2024
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
O resultado do crescimento da taxa de participação das mulheres, apesar de pequeno, em conjunto com a queda na taxa de participação dos homens resulta em um aumento da representação das mulheres na força de trabalho. Em 2012 elas representavam 42% do total da força de trabalho, e agora representam 44%.
Gráfico 2 – Percentual de mulheres e homens na Força de Trabalho, 2012-2024
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
No que tange a taxa de ocupação, as desigualdades permanecem. Os homens apresentam maiores taxas de ocupação que as mulheres, como pode ser observado no Gráfico 3. As taxas de ocupação tanto deles como delas apresentaram queda a partir de 2015, devido à crise econômica que o país enfrentava àquela época. As taxas de ocupação permaneceram em níveis baixos desde 2015 até 2021, isso porque nesse período o país enfrentou além da crise econômica, períodos de baixo crescimento e a paralisação das atividades econômicas não essenciais devido a pandemia do coronavírus. A recuperação inicia-se em 2022 e em 2024 são observados níveis similares ao início da série em 2012.
Essa estagnação na taxa de ocupação chama atenção, principalmente no caso das mulheres que ainda são minoria no mercado de trabalho. Esse retrato mostra que ainda há um caminho a ser pavimentado por políticas públicas que aumentem a inserção das mulheres no mercado de trabalho para que atinjam patamares similares aos dos homens.
Gráfico 3 – Taxa de ocupação por sexo, 2012-2024
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
Cabe ressaltar que essa disparidade não é homogênea entre as mulheres, quando desagregamos as taxas de ocupação/desocupação por raça é possível observar que as mulheres negras estão em maior número nas desocupadas que as mulheres não negras. Esse mesmo padrão se repete para os homens, com os homens negros estando em maior número no total de desocupados.
Gráfico 4 - Taxa de desocupação das mulheres por cor/raça, 2012-2024
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
Um fator que chama atenção tanto para os homens como para as mulheres é que ao longo dos anos as taxas de desocupação das pessoas negras continuam a crescer. Isso mostra que, apesar do mercado de trabalho estar mais aquecido nos últimos anos, os ganhos não estão sendo igualmente distribuídos pelas pessoas independente da raça; mulheres e homens pretos e pardos estão cada vez mais em desvantagem.
Gráfico 5 – Taxa de desocupação dos homens por cor/raça, 2012-2024
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
Outra análise interessante de ser feita para entender o panorama do mercado de trabalho ao longo dos anos é olhar as taxas de subocupação entre homens e mulheres. As pessoas subocupadas são aquelas que gostariam de trabalhar mais horas que as horas habitualmente trabalhadas e que trabalham menos de 40 horas. Como pode ser observado no Gráfico 6, as mulheres estão mais subocupadas que os homens, e esse é um padrão que se mantém desde 2016.
Gráfico 6 - Taxa de subocupação por sexo, 2016-2024
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
Assim como feito anteriormente, os níveis de subocupação também diferem quando acrescentamos a variável raça na análise. O Gráfico 7 apresenta a desagregação dos subocupados por sexo e raça e mostra que os homens e mulheres negros representam acima de 60% de todos os subocupados na série histórica apresentada. Isso reforça o que foi dito anteriormente sobre os ganhos no mercado de trabalho serem distribuídos de forma desigual.
Gráfico 7 – Taxa de subocupação por sexo e por cor/raça, 2016-2024
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
No que tange ao tempo dedicado no mercado de trabalho é visível a diferença por sexo, dado que os homens dedicam em média 42 horas e as mulheres 38 horas. No entanto, é importante ressaltar que as mulheres são as principais realizadoras do trabalho não remunerado – de afazeres domésticos e cuidados – e por isso possuem menos tempo para dedicar no mercado de trabalho. As estatísticas do tempo dedicado por eles e elas ao trabalho não remunerado são divulgadas pelas PNADC na 5º visita e estão disponíveis apenas para os anos de 2016 a 2019 e 2022.
Gráfico 8 - Média de horas dedicadas no mercado de trabalho por sexo, 2012-2024
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
A Tabela 1 mostra que há uma diferença significativa do tempo que eles e elas dedicam a essas tarefas, com as mulheres dedicando 10 horas a mais que os homens no trabalho não remunerado de afazeres domésticos e cuidados. Nesse sentido, se somarmos o tempo dedicado ao trabalho remunerado e não remunerado vemos que as mulheres dedicam cerca de 6 horas a mais que os homens no tempo de trabalho total.
Tabela 1 - Média de horas dedicadas aos afazeres domésticos e cuidados por sexo, 2016-2022
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
Tendo em vista que há uma dedicação extensiva por parte das mulheres ao trabalho não remunerado de afazeres domésticos e cuidados, buscou-se entender como essas tarefas afetam sua busca por emprego no mercado de trabalho. Para isso vale apresentar a força de trabalho potencial, que é composta pelos indivíduos que não estavam ocupados nem desocupados (ou seja, não faziam parte da força de trabalho), mas que possuem potencial para se transformar em força de trabalho. A força de trabalho potencial dos homens é de, em média, 12% e das mulheres de 10%.
Gráfico 9 – Percentual de homens e mulheres na força de trabalho potencial, 2012-2024
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
Dentre os indivíduos na FTP, quando realizamos a desagregação por raça vemos que a maioria são pretos e pardos, representando em média 70%, tanto no caso dos homens como das mulheres. Por sua vez, quando analisamos o motivo pelo qual os indivíduos estão na força de trabalho potencial o resultado difere bastante entre eles e elas. No caso das mulheres, 25% não conseguiu buscar trabalho porque tinha que cuidar dos afazeres domésticos e cuidados, contra 2% dos homens que indicaram o trabalho não remunerado como empecilho por não conseguir buscar trabalho.
Gráfico 10 - Percentual por sexo que está na FTP devido ao tempo dedicado aos afazeres domésticos e cuidados, 2016-2024
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
Por fim, cabe analisar os rendimentos médios dos homens e das mulheres ao longo dos anos. É possível notar que os rendimentos das pessoas negras, homens e mulheres, são os menores da economia. As mulheres negras recebem, em média, 80% do rendimento dos homens negros e 61% do rendimento dos homens sem desagregação por cor/raça. Ainda, as mulheres negras recebem 77% dos rendimentos das mulheres sem desagregação por cor/raça.
Em 2024, o gap salarial entre homens e mulheres foi de 20%. Cabe destacar que em 2012 o gap salarial de gênero era de 27%, mostrando que houve progresso e ganhos reais nos rendimentos das mulheres em comparação com os homens.
Gráfico 11 - Rendimento médio por sexo e cor/raça, 2012-2024, a valores de 2024 (R$)
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
3. Percepções sobre o trabalho não remunerado a partir da Sondagem de Mercado de Trabalho
A Sondagem de Mercado de Trabalho (SMT) buscou entender melhor as percepções dos indivíduos sobre seu uso do tempo. Para isso foram realizadas perguntas que permitiram uma análise mais aprofundada sobre as percepções de homens e mulheres quanto ao tempo dedicado ao trabalho não remunerado e como eles enxergam que esse trabalho afeta sua alocação no mercado de trabalho.
Tendo isso em vista, os respondentes foram questionados sobre a divisão de tarefas relativas aos afazeres domésticos não remunerados. Enquanto 74% dos homens indicaram que as tarefas eram dividas igualmente, apenas 56,7% das mulheres apresentaram essa mesma percepção. Ainda, 38,2% das mulheres afirmaram serem as principais realizadoras desses trabalhos, contra apenas 7,3% dos homens nesse mesmo quesito. Essa mesma pergunta também foi desagregada por cor/raça para pessoas negras[1] e não negras e para pessoas com renda baixa e renda alta[2].
Apesar das diferenças por cor/raça não terem apresentado mudanças significativas pode se concluir que pessoas negras têm uma percepção mais pessimista da igualdade na divisão do trabalho não remunerado. No caso das mulheres pretas e pardas, 55% considera que há uma divisão justa no lar, esse percentual aumenta para 59% quando desconsideramos esse grupo. Na desagregação para homens e mulheres de renda baixa e alta é possível observar uma diferença significativa no caso das mulheres. Entre as mulheres de renda alta, 63% consideram que há uma divisão justa das tarefas do lar, enquanto que apenas 50% das mulheres de renda baixa têm essa percepção.
Uma hipótese que ajuda a explicar a diferença entre as percepções das mulheres de renda alta e baixa é a possível terceirização desses serviços para outras trabalhadoras. O aumento do nível da renda permite que as mulheres dediquem menos tempo ao trabalho não remunerado e isso pode contribuir para percepção de uma divisão mais justa das tarefas, dado que há uma redução do tempo dedicado por elas a esse trabalho.
Tabela 2 – Percentual de mulheres que consideram que há uma divisão justa das tarefas domésticas entre as pessoas no lar
Fonte: Sondagem de Mercado de Trabalho IBRE-FGV.
Tabela 3 – Percentual de homens que consideram que há uma divisão justa das tarefas domésticas entre as pessoas no lar
Fonte: Sondagem de Mercado de Trabalho IBRE-FGV.
No que tange ao impacto dos afazeres domésticos não remunerados com relação ao mercado de trabalho, 29,6% das mulheres afirmaram terem recusado alguma oportunidade de trabalho ou promoção devido aos encargos do lar. Em contrapartida, apenas 14,8% dos homens também responderam que sim. As mulheres pretas e pardas e de renda baixa foram mais afetadas quanto a promoções que o resto das mulheres. Como mostra a Tabela 3 abaixo, 33,3% das mulheres pretas e pardas e 34,2% das mulheres de renda baixa responderam que já tiveram que recusar ou deixar de lado uma oportunidade de trabalho ou promoção devido as responsabilidades domésticas. No caso dos homens, como apresentado na Tabela 5, não há mudança significativa nas análises por cor/raça ou por perfil de renda.
Tabela 4 - % de mulheres que tiveram que recusar ou deixar de lado uma oportunidade de trabalho ou promoção por causa das suas responsabilidades domésticas
Fonte: Sondagem de Mercado de Trabalho IBRE-FGV.
As estatísticas apresentadas nas tabelas 5 e 6 mostram como o trabalho não remunerado afeta a ascensão, principalmente das mulheres, no mercado de trabalho. Esse é um fator que ajuda a explicar por que os rendimentos delas permanecem constantemente inferiores aos deles – a ascensão das mulheres no mercado de trabalho se mostra mais difícil que a dos homens, e ainda mais difícil para as mulheres pretas e pardas e de baixa renda.
Tabela 5 - % de homens que tiveram que recursar ou deixar de lado uma oportunidade de trabalho ou promoção por causa das suas responsabilidades domésticas
Fonte: Sondagem de Mercado de Trabalho IBRE-FGV.
Com relação ao desenvolvimento profissional, como participação de treinamentos ou fortalecimento de networking, 33,6% das mulheres afirmam que o trabalho não remunerado impactou de alguma forma seu aprimoramento na carreira, enquanto 19,3% dos homens também possuem essa percepção. As análises por cor/raça e perfil de renda nessa análise não apresentaram diferenças significativas.
Tabela 6 - % de mulheres que consideram que o trabalho doméstico e de cuidados afeta o seu desenvolvimento profissional
Fonte: Sondagem de Mercado de Trabalho IBRE-FGV.
Ainda, quando questionados quanto a satisfação na divisão entre trabalho e vida doméstica, 59,8% das mulheres afirmam estar satisfeitas ou muito satisfeitas. Por sua vez, 73,4% dos homens responderam estar satisfeitos ou muito satisfeitos com essa divisão. Na desagregação por perfil de renda é possível observar uma diferença entre as mulheres de alta e de baixa renda, em que 55,6% das mulheres de baixa renda consideram-se satisfeitas ou muito satisfeitas, contra 64,6% das mulheres de alta renda. Entre as mulheres negras e não negras não ocorreram diferenças que caibam serem chamadas atenção. No caso dos homens esse padrão se reforça, com 77,6% dos homens de renda alta satisfeitos ou muito satisfeitos, contra 69,1% dos de renda baixa. No caso da desagregação por cor/raça as diferenças não foram significativas.
Tabela 7 - % de mulheres satisfeitas com a divisão entre trabalho e vida doméstica
Fonte: Sondagem de Mercado de Trabalho IBRE-FGV.
Tabela 8 - % de homens satisfeitos com a divisão entre trabalho e vida doméstica
Fonte: Sondagem de Mercado de Trabalho IBRE-FGV.
Também foi perguntado como a demanda por responsabilidades familiares afetaram homens e mulheres no mercado de trabalho. A pesquisa mostrou que as mulheres são as maiores afetadas, com 37,6% delas afirmando terem tido dificuldade em se concentrar devido as responsabilidades familiares, enquanto 29,4% dos homens também tiveram essa percepção. A Tabela 9 abaixo apresenta essas estatísticas também desagregadas por cor/raça e perfil de renda – ambas não apresentaram mudanças relevantes.
Tabela 9 – Nos últimos 12 meses com que frequência foi difícil concentrar-se ou cumprir as suas responsabilidades profissionais devido às suas responsabilidades familiares, mulheres por cor/raça e perfil de renda
Fonte: Sondagem de Mercado de Trabalho IBRE-FGV.
Tabela 10 – Nos últimos 12 meses com que frequência foi difícil concentrar-se ou cumprir as suas responsabilidades profissionais devido às suas responsabilidades familiares, homens por cor/raça e perfil de renda
Fonte: Sondagem de Mercado de Trabalho IBRE-FGV.
Por fim, foi possível perceber que as mulheres estão sempre mais insatisfeitas que os homens no que tange a divisão nas tarefas do lar e com percepções mais negativas de como a dedicação ao trabalho de afazeres domésticos e cuidados afeta sua vida pessoal e profissional. A análise desagregada por cor/raça e perfil de renda também mostrou que as mulheres pretas e pardas e de baixa renda se sentem mais impactadas no mercado de trabalho devido ao tempo dedicado aos afazeres domésticos e cuidados que os outros grupos analisados.
Além disso, também foi possível notar através da pesquisa que não há uma percepção tão forte por parte das mulheres de que elas são as principais realizadoras dos afazeres domésticos e cuidados, como apontam os dados obtidos na PNADC. Uma hipótese para isso é que as normas sociais que destinam as mulheres ao cuidado do lar e da família atuam de modo a criar um ambiente mais propício a realização desses trabalhos por elas. Concomitantemente, a predeterminação do homem como provedor do lar reforça essa separação entre quem vai dedicar mais tempo ao mercado de trabalho e quem vai ser responsável pelas tarefas não remuneradas no lar.
4. Conclusões
Esse texto buscou conjugar uma análise do mercado de trabalho por gênero e raça com os dados obtidos a partir da Sondagem de Mercado de Trabalho desenvolvida pelo IBRE-FGV. Os dados apresentados retratam a desigualdade latente no mercado de trabalho entre homens e mulheres, que se profunda quando a variável de cor/raça é inserida na análise.
As estatísticas provenientes da PNADC do IBGE são claras ao mostrar a desigualdade de gênero no mercado de trabalho entre homens e mulheres e que se aprofunda no caso das mulheres pretas e pardas. Em suma, as mulheres estão em menor número na força de trabalho, em maioria nas desocupadas, em maior número na subocupação e possuem menores salários. No que tange ao trabalho não-remunerado de afazeres domésticos e cuidados o tempo dedicado é quase o dobro que o despendido pelos homens. Essa dedicação, por sua vez, é o principal motivo destacado por elas por estarem fora da força de trabalho, sendo a resposta de em média um quinto das mulheres.
Com objetivo de entender melhor o uso do tempo dos indivíduos foram realizadas perguntas a partir da SMT quanto as percepções do trabalho não remunerado na vida pessoal e profissional de homens e mulheres. Conclui-se que as mulheres consideram que o tempo dedicado aos afazeres domésticos e cuidados tem maior impacto na sua vida profissional que os homens, afetando tanto seu crescimento profissional como oportunidades de desenvolvimento na carreira. Quanto ao tempo dedicado as tarefas do lar, 38% das mulheres indicam realizarem a maior parte, contra 7,9% dos homens que se consideram os principais responsáveis por essas tarefas. No que tange a percepção deles e delas quanto ao equilíbrio da vida doméstica e da vida profissional, 73,4% dos homens afirmam estar satisfeitos ou muito satisfeitos, contra 59,8% das mulheres. A pesquisa também separou homens e mulheres por cor/raça e perfil de renda, mostrando maior insatisfação por parte das mulheres pretas e pardas e de baixa renda se sobrepõe em alguns quesitos em comparação as mulheres dos outros grupos.
Conclui-se a partir desse estudo que não são percebidas diferenças muito significativas de percepção entre homens e mulheres, ainda que elas realizem quase o dobro de tempo que eles ao trabalho não-remunerado. Uma hipótese para isso é que as normas sociais que destinam as mulheres ao cuidado do lar e da família atuam de modo a criar um ambiente mais propício a realização desses trabalhos por elas. Concomitantemente, a predeterminação do homem como provedor do lar reforça essa separação entre quem vai dedicar mais tempo ao mercado de trabalho e quem vai ser responsável pelas tarefas não remuneradas no lar.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Foi considerado como pessoas negras o somatório entre pessoas pretas e pardas.
[2] Foram consideradas pessoas de renda baixa aquelas que possuem renda domiciliar inferior a três salários mínimos (SM) e renda alta aquelas que estão acima de 3 SM.
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