Tributos

Para o IBS funcionar bem nas vendas interestaduais

30 jun 2023
Foto: Divulgação

Entre vários mecanismos possíveis de coordenação da tributação no destino usando um imposto estadual, parece particularmente vantajosa a abordagem de um algoritmo que “faria a contabilidade” de receitas em benefício dos estados.

Para que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)[1] funcione de maneira descentralizada numa federação, é necessário que estados coordenem entre si a tributação das vendas de um estado a outro. Deve-se assegurar que todo consumo seja tributado, qualquer que seja a origem do bem ou serviço, e que a receita do tributo vá ter aos cofres do estado onde reside o consumidor. Nisto consiste tributar o consumo no destino.

A tributação no destino também corresponde ao nexo que deve existir entre tributação e representação: cada ente governamental (federal, estadual, municipal) só tributa seus cidadãos. Para que a tributação no destino funcione não basta estabelecer, como consta da constituição dos Estados Unidos, que é vedado a um estado tributar as exportações para outro estado ou para o exterior. Se as compras em outro estado são livres de imposto, o consumidor procurará comprar por catálogo e correio, mais modernamente via internet. Não é à toa a forte preferência, nos Estados Unidos, pelas compras à distância. A não tributação das vendas interestaduais também incentiva a evasão tributária, com a declaração, em vendas dentro do estado, de destinação a outro estado.

No caso brasileiro, a introdução da tributação no destino acabará com a prática, hoje corrente no ICMS, de um estado ser chamado a “devolver” tributo que não recebeu.[2] A mudança do regime tributário, da origem para o destino, é a principal razão pela qual uma reforma tributária do consumo é necessária.

Existem vários mecanismos possíveis de coordenação que permitem a tributação no destino usando um imposto estadual. Os principais são os seguintes.

  1. Criar uma Administração Tributária Nacional (ATN), como proposto em algum momento, para gerir um IBS nacional cuja receita seria distribuída entre os entes federados (União, estados e municípios). Com o abandono, pelas PEC 45 e 110, da ideia do IVA único, em seu lugar introduzindo um IVA Dual, a proposta da ATN perdeu tração.                                                                                   As PECs 45 e 110 em tramitação no Congresso adotam uma variante de IVA[3] conhecida como IVA Dual. Ganha esse nome porque a União adotaria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), para substituir PIS, Cofins e IPI,  enquanto estados e municípios adotariam um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), para substituir ICMS e ISS. Ambos os tributos teriam estrutura semelhante, variando apenas as taxas aplicadas por cada ente. Criar-se-ia um Conselho Federativo para lidar com a liquidação do IBS nas exportações entre estados e para devolver créditos líquidos dos contribuintes, entre outras funções.
  2. Criar uma Câmara de Compensação para fazer encontro de contas entes estados. Neste caso o estado de origem cobraria o IBS e o remeteria, através da Câmara, ao estado de destino.
  3. Adotar  o modelo de “barquinho”, de Ricardo Varsano: em havendo uma CBS federal e um IBS subnacional, de igual base, nas vendas interestaduais o fisco federal receberia, no estado de origem, os dois tributos. No estado de destino, o fisco federal creditaria, ao adquirente, contra o tributo federal, a parte de tributo estadual que recebeu no estado de origem. O método tem esse nome porque o imposto federal por assim dizer transportaria o imposto estadual de um estado para o outro.
  4. Adotar um algoritmo de distribuição que, em seguida à arrecadação pela rede bancária,  processaria as receitas, devolveria aos contribuintes os saldos credores e entregaria os saldos líquidos aos estados de destino – tudo conforme regras claramente estabelecidas. Seria, para o IBS, como um conta corrente de contribuintes e entes tributantes. O mecanismo seria desnecessário para a CBS, no caso do IVA Dual.

A solução 1, aparentemente a mais simples de operar, tem duvidosa viabilidade político-institucional num país com fiscos subnacionais sofisticados e estados ciosos de sua autonomia fiscal, o que quer que isso signifique.

A solução 2 é muito exigente em termos de cumprimento pelos estados. Requer que cada estado de origem entregue sem demora ao estado de destino o que arrecadar nas operações interestaduais. Eventuais atrasos prejudicariam as finanças dos estados credores. Punições aos estados inadimplentes seriam difíceis  de implementar, seja por falta de informação sobre os valores em atraso, seja pela falta de instrumentos legais de coerção. Ademais, seria ainda mais difícil estender o mecanismo aos municípios.

A solução 3 foi proposta em tempos em que havia menos automação do que atualmente. O seu autor é o primeiro a indicar que hoje temos soluções tecnologicamente superiores.

A solução 4, ainda não totalmente desenvolvida, seria um algoritmo, não uma entidade, e “faria a contabilidade” das receitas em benefício dos estados. Não deveria haver dificuldades técnicas para implementar esta solução, já que o Brasil tem vasta experiência de operar sistemas grandes e complexos, como a custódia de títulos públicos e privados, a liquidação de operações de bolsa, o sistema PIX de transferências, os programas de transferência de renda, o amplo sistema de dados administrado pela Receita Federal e principalmente a arrecadação tributária através da rede bancária.

As vantagens do sistema (4) sobre os outros mencionados incluem: o processamento ágil e livre de influências políticas ou burocráticas, baseado em regras claras; o manejo simples pelo contribuinte – o CEP do adquirente estaria associado à alíquota estadual e municipal no destino; o pronto recebimento, pelo estado, de suas receitas geradas em outros estados; a devolução expedita dos créditos que tenham os contribuintes contra o fisco; a riqueza de informações geradas para a fiscalização da tributação do consumo e renda pelos entes federativos; e o baixo custo de operação. Tem também a vantagem de aplicar aos municípios os mesmos critérios aplicados aos estados, sem maior dificuldade.

O substitutivo à PEC 45 apresentado recentemente na Câmara dos Deputados[4] optou por criar um Conselho Federativo para exercer o papel de coordenação e distribuição das receitas do IBS em operações interestaduais. O Conselho teria personalidade jurídica e poderia ser parte ativa e passiva em juízo e fora dele vis-à-vis os contribuintes e os próprios fiscos. Poderia, também, editar normas tributárias infralegais.

A proposta de Conselho Federativo tem enfrentado certa resistência de estados, que temem o esvaziamento de suas máquinas fazendárias. Afinal de contas, o ICMS, a ser fusionado no IBS, responde por cerca de 85% da receita tributária dos estados. Para dissipar esses temores, que são legítimos, será desejável que a lei complementar criadora do IBS dê ao Conselho Federativo uma pegada leve, uma estrutura que se aproxime o mais possível do algoritmo discutido na opção 4 acima.

O funcionamento de um IBS subnacional requer um sólido mecanismo de coordenação das operações interestaduais. Felizmente há boas soluções tecnológicas para esse desafio.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] A criação de um IBS para substituir os principais tributos sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI, Pis e Cofins) é objeto dos projetos de emenda constitucional nº 45 da Câmara dos Deputados e 110 do Senado Federal.

[2] No que se convencionou chamar de “guerra fiscal”, o estado A cobra ICMS nas exportações para o estado B, mas devolve, por mecanismos pouco transparentes, boa parte do ICMS pago. O estado B concede crédito pelo ICMS lançado na nota fiscal da venda interestadual. Dessa maneira, o estado de origem, A, concede benefício que é financiado pelo estado de destino, B. Naturalmente o estado B fica sabendo do esquema e reluta em reconhecer o crédito, que reduz sua receita líquida. Outra situação, lícita, mas não menos danosa às finanças do estado, ocorre quando grandes projetos voltados à exportação adquirem muitos insumos em outros estados e ficam em situação credora, já a que exportação não gera débito de ICMS, mas as compras fora do estado geram crédito para o exportador.

[3] A tributação do valor adicionado seria implementada tomando como base de cálculo as saídas (valor de receitas, vendas, faturamento) para determinar o IVA débito, dele deduzindo-se o imposto pago nas entradas (compras, insumos), o IVA crédito. A essa forma de operacionalizar o IVA a literatura chama variadamente de método da subtração indireta, método da fatura ou, ainda, de método do crédito. Esse método já é utilizado há muito no Brasil no IPI e no ICM, hoje ICMS.

[4] Disponível em bit.ly/44ltJYC

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