Energia
Meio Ambiente

Passado, presente e futuro dos leilões de energia limpa

21 dez 2022

Comparando estrutura proposta para aceleração do hidrogênio verde na Alemanha com os leilões de eletricidade no Brasil, vemos que aqui está ausente capacidade de compartilhar com os usuários benefícios da redução de custos.

Não é só o ano que está de mudança. Com a troca de presidente, vêm novo gabinete e novas políticas. O cenário em energia ainda é nebuloso, mas independentemente de quem seja nomeado para a disputada pasta do Ministério de Minas e Energia (MME), já é possível antever política de incentivos. Os leilões de eletricidade, possíveis queridinhos, são fortes candidatos para o avanço em novas tecnologias de energia limpa (CET, da sigla em inglês). Para entender melhor o que esperar, vale a pena refletir sobre passado, presente e tendências para o futuro desses mecanismos – tema dessa coluna.

Presente e Passado da Contratação de Renováveis

Leilões de fontes renováveis têm sido usados extensivamente para atrair investimentos e mobilizar capital. O Brasil aparece como um dos pioneiros, lançando processos competitivos desde 2005. Se à época seis países utilizavam tal mecanismo, em 2022 esse número havia subido para 131.

O uso de leilões se justifica pelos benefícios da competição: um maior número de participantes contribui para a eficiência na contratação – que, no caso do setor elétrico, significa selecionar empresas mais capazes para implantar os empreendimentos e diminuir os custos de compra de energia e atendimento às necessidades dos usuários. Alternativamente, políticas de incentivo à demanda ou que garantem o direito de repassar às tarifas os custos de tecnologias são criticados pela falta de transparência e estímulo a esforços ineficientes ou de rent-seeking (lobbying).

Leilões não são livres de crítica. Há quem argumente que uma competição excessiva levaria a selecionar investidores de risco muito alto, que frequentemente têm problemas para implantar os empreendimentos. Não raro, a razão para esse comportamento reside no desenho ruim do certame licitatório. Critérios de qualificação e clareza nos contratos ajudam a atrair e selecionar competidores críveis, aumentando as chances de um resultado eficiente.

No Brasil, a modalidade de leilão é consagrada pela legislação, que determina a licitação pública como instrumento para alocar ou atribuir concessões. No setor elétrico, a tradição vem de longa data. E foi reforçada no modelo instituído em 2003-4: desde 2005, a energia elétrica ofertada nos certames viabiliza a implantação de novos empreendimentos. Mais de 93 GW de potência foram contratados como resultado desses leilões, sendo 70 GW de renováveis (ANEEL, 2022).

De modo geral, a experiência com leilões de eletricidade – geração e transmissão – é celebrada. Para além das palavras elogiosas e da batida do martelo, medir sucesso é coisa difícil. Em geral, não há contrafactual; ou seja, no máximo se tem acesso aos dados do que aconteceu. Não se conhece a realidade ou as razões de quem deixou de participar:  seja por precificação inadequada (do risco) ou seja porque o leilão não conseguiu impedir a participação de aventureiros – aqueles que dão lances muito agressivos na crença de que poderão se beneficiar de renegociações posteriores. Com frequência, verificam-se atrasos e sobrecustos na implantação dos empreendimentos. E as mudanças de dono podem ser evidência de ineficiência na contratação –a existência de um mercado de licenças ou a crença de que seria possível conseguir vantagem regulatória e embolsar receitas por meio de acordos laterais.

Avaliar com cuidado a contratação de fontes renováveis é tarefa complexa. Em paper no prelo, Pablo del Río e C. P. Kiefer destacam que a maior parte das análises das experiências com leilões de renováveis é ou estudo de caso ou qualitativa. Exames quantitativos mais rigorosos são fundamentais para entender o que dá certo nos elementos do desenho desses certames. Erros custam caro para investidores e usuários. Alguns artigos defendem o sucesso dos leilões de renováveis no Brasil, mas del Río e Kiefer questionam os resultados. Será que os benefícios da redução de custos experimentados por essas tecnologias têm se estendido aos consumidores? Os altos preços da energia elétrica justificam a preocupação.

Leilões das Tecnologias do Futuro

Desponta agora uma nova onda de leilões para acelerar CET. A Alemanha divulgou recentemente detalhes da primeira contratação de hidrogênio verde para amônia. Esse mecanismo garantiria demanda para acelerar e viabilizar inovação. Recursos do governo federal serão usados para facilitar a penetração de mercado de hidrogênio verde e produtos (Power-to-X) através de uma estrutura de suporte (funding) lançada pela Fundação H2 Global.  

Para esse leilão inicial, está prevista uma alocação de € 900 milhões de fundos públicos. O objetivo é mitigar risco, cobrindo a diferença entre as despesas com contratação de longo prazo de produtos de hidrogênio (Hydrogen Purchase Agreements, ou HPA) e a receita obtida com as vendas no curto prazo, junto aos consumidores na União Europeia (Hydrogen Supply Agreements, HSA). Os HPAs têm duração (tenor) de 10 anos, suficiente para países com mercados mais desenvolvidos e custo de capital menor e seguindo a legislação da UE. O aumento esperado da demanda tende a reduzir a pressão pelos recursos do fundo no tempo, viabilizando um phase-out ou regra de saída dos subsídios para essa inovação. Podem competir pelos recursos fornecedores de todo o mundo, inclusive projetos do Brasil, o que contribui para a eficiência na contratação.

Comparando a estrutura proposta para a aceleração do hidrogênio verde na Alemanha com os leilões de eletricidade no Brasil, vemos que aqui está ausente a capacidade de compartilhar com os usuários os benefícios da redução de custos, que acompanha o amadurecimento das tecnologias renováveis. Reajustados anualmente pela inflação, os contratos de energia firmados como resultado dos leilões do ambiente regulado (CCEAR) travam as receitas dos ofertantes. Em geral, a duração se estende por quase todo o prazo da outorga – caso das hidrelétricas. Mesmo para eólica e solar, os contratos duram 15-20 anos. Como não há mercado atacadista para negociar a eletricidade (WEM) em futuras oportunidades, os benefícios desse barateamento são apropriados pelos investidores.

Leilões figuram com viés de alta na próxima administração do setor elétrico. Com grande probabilidade, serão usados também para incentivar e colocar o Brasil na rota das inovações nas tecnologias do futuro da descarbonização – o que é positivo. Mas, para medir o sucesso e a performance desses mecanismos, é preciso avaliar os resultados e a forma como se articulam com a estrutura de contratação do setor. Para isso, falta investigar melhor sua efetividade, considerando a eficiência estática (minimização dos custos de geração e das políticas de incentivo) e dinâmica (capacidade de viabilizar inovação, apropriar e compartilhar reduções de custos). Além de consertar o desenho de mercado, claro!


Esta coluna foi publicada originalmente em 20/12/2022, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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