Cenários

Perspectivas negativas do crescimento global

29 abr 2024

Desde a crise financeira internacional de 2008, as projeções do FMI de crescimento do PIB global no médio prazo têm sido sistematicamente revisadas para baixo. É importante entender as possíveis causas da desaceleração global.

No mês passado discuti as causas da desaceleração do crescimento da produtividade nas economias avançadas desde meados dos anos 2000 (“Causas da Desaceleração do Crescimento da Produtividade”). Na edição de abril do World Economic Outlook (WEO), o FMI abordou este tema com base em um conjunto mais amplo de países que incluiu economias emergentes e em desenvolvimento.

Desde a crise financeira internacional de 2008, as projeções do FMI de crescimento do PIB global no médio prazo (5 anos à frente) têm sido sistematicamente revisadas para baixo. A queda do crescimento projetado foi generalizada, abrangendo 82% das economias. As cinco maiores economias emergentes (Brasil, China, Índia, Indonésia e Rússia) contribuíram com 0,8 pontos percentuais (p.p.) da redução de 1,8 p.p. do crescimento global projetado.

Como a queda das projeções de crescimento do FMI têm sido confirmadas pelos dados, é importante entender quais foram as possíveis causas da desaceleração da economia global.

Com essa finalidade, o WEO apresenta resultados de uma decomposição do crescimento do PIB para a economia global e separadamente para o grupo de economias avançadas, emergentes e de renda média, e países de baixa renda. O período analisado foi 1995-2023.

Parte da desaceleração do crescimento decorreu da redução da contribuição do fator trabalho, que por sua vez está em grande medida associada ao envelhecimento da população. Além de uma menor expansão da população em idade ativa, vários países registraram reduções na taxa de participação, de maneira particularmente acentuada nas economias avançadas.

Outro determinante da desaceleração do crescimento foi a redução na acumulação de capital físico nas economias avançadas desde 2008 e nas economias emergentes desde 2013. Segundo o WEO, uma razão importante para a menor contribuição do capital físico foi a piora nas perspectivas de crescimento futuro da produtividade, o que se refletiu em uma queda da taxa de investimento. O aumento da incerteza após a crise financeira internacional também teve um impacto negativo nas economias avançadas.

Apesar da relevância das menores contribuições do trabalho e capital, o principal determinante da desaceleração do crescimento foi a produtividade total dos fatores (PTF), responsável por mais da metade da queda do crescimento nas economias avançadas e emergentes, e praticamente toda a redução observada em países de baixa renda.

No caso das economias avançadas, a desaceleração do crescimento da PTF começou em meados dos anos 2000, refletindo em parte o esgotamento dos ganhos proporcionados pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Já nas economias emergentes e em desenvolvimento, a trajetória do crescimento da PTF seguiu a dinâmica da globalização, com aumento até 2008 e queda desde então.

Além de uma desaceleração do progresso tecnológico e dos ganhos de produtividade decorrentes da globalização, o WEO apresenta evidências de que a redução do crescimento da PTF está associada a uma piora na eficiência da alocação de fatores de produção entre as empresas.

Essa piora na eficiência alocativa, por sua vez, pode estar associada a fatores temporários e estruturais. Dentre os fatores transitórios, a ocorrência de choques e crises econômicas na última década pode ter feito com que a quantidade de capital e trabalho alocada nas empresas menos produtivas se tornasse maior que a alocação eficiente, o que teria levado alguns anos para ser revertido.

Dentre os fatores estruturais que podem ter contribuído para a piora na eficiência alocativa, o WEO destaca a criação de barreiras à competição e ao comércio internacional, além de retrocessos na liberalização dos mercados financeiros e de trabalho.

Mesmo que novas distorções competitivas não tenham sido criadas nesse período, a eficiência alocativa pode ter diminuído caso setores caracterizados por mais distorções tenham se tornado mais importantes para a economia.

Vários estudos mostram, por exemplo, que o setor de serviços é fortemente regulado na maioria dos países. Neste caso, o aumento da participação dos serviços no PIB pode reduzir a eficiência alocativa da economia como um todo. Este parece ter sido o caso da China, onde a piora na eficiência alocativa provavelmente deveu-se mais à expansão do setor de serviços do que a um aumento das distorções nos diferentes setores.

Segundo o WEO, o crescimento deve continuar a desacelerar nos próximos anos. A projeção para o crescimento global em 2029 é de 2,8%, o que representa uma queda de 1 p.p. em relação ao crescimento médio entre 2000 e 2019. Além de fatores demográficos, a maior probabilidade de choques geopolíticos e climáticos, assim como o aumento da dívida pública em vários países, tendem a contribuir para essa desaceleração.

Para que a queda do crescimento seja revertida, o relatório destaca a importância de reformas que aumentem a competição do ambiente de negócios e a necessidade de aproveitar as oportunidades criadas pela inteligência artificial generativa. Será sem dúvida um grande desafio.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 26/04/2024.

Comentários

Mauricio Fontana
Fernando, excelente análise macroeconômica. Contudo, me surge uma questão ao ler teu artigo. Após o aumento da taxa de juros nos EUA acima do que se previa e, até agora, com poucas implicações no ritmo de atividade, na inflação (?) e no mercado de trabalho, muitos analistas macroeconômicos de grandes instituições lá fora começam a elevar suas projeções para o R-star e preparam-se, dizem, para taxas de juros mais elevadas nas próximas décadas no mundo todo, em especial nos EUA. Não seria contraditório termos um processo estrutural de moderação do crescimento global e, ao mesmo tempo, taxas de juros mais altas? Desde já, obrigado pela atenção.
Fernando Veloso
Obrigado, Mauricio. No capítulo 2 do World Economic Outlook de abril do ano passado a conclusão foi que a pandemia não alterou fundamentalmente a taxa natural das economias avançadas, que devem continuar baixas devido ao baixo crescimento e envelhecimento populacional. Essa conclusão é compatível com a desaceleração estrutural destacada no WEO do mês passado, que comentei no meu artigo. Acredito que as projeções de elevação do R-star feitas por analistas de mercado provavelmente refletem uma preocupação com os elevados déficits e o crescimento da relação dívida-PIB das economias avançadas nos próximos anos. É possível que decorra também de previsões otimistas sobre o impacto da inteligência artificial sobre o crescimento econômico.

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