Macroeconomia

Petistas e antipetistas: PT domina a cena das preferências partidárias no Brasil

2 ago 2018

Desde o final dos anos 1990, o Datafolha inclui em seus levantamentos de opinião pública nacional a pergunta "qual é o seu partido político de preferência?".  A Figura, abaixo, foi produzida compilando diversos desses estudos, e retrata a evolução (médias móveis) das preferências partidárias do eleitorado brasileiro desde a redemocratização do país. Nesse período, o apoio ao PMDB, que já foi de mais de 15%, caiu para ao redor de 4%. Ainda assim, o partido detém tantos ou mais simpatizantes do que o PSDB, que jamais comandou mais do que 7% das preferências e tem hoje cerca de metade disso. Em que pese ter vencido duas eleições presidenciais e polarizado com o PT nas quatro eleições seguintes, o PSDB não cresceu nem durante os anos em que foi governo, nem durante os anos em que foi oposição. 

O PT, no mesmo período, chegou a comandar 30% das preferências nacionais. Passou por um enfraquecimento agudo após 2013, mas se recuperou. Hoje, a porcentagem de simpatizantes do PT é maior do que o PMDB obteve no seu auge, e maior do que a de todos os demais partidos somados. 

Note-se que nem o PSDB nem nenhum outro partido se beneficiou do enfraquecimento do PT após 2013. Como a linha mais escura no alto do gráfico mostra, a parcela dos brasileiros que declaram apoio a algum partido flutua, desde pelo menos a virada do século, conjuntamente com a linha dos simpatizantes do PT. Esse comportamento agregado é compatível com outros dados em nível individual que sugerem que pouquíssimas pessoas passam de simpatizantes de um partido a simpatizantes de outros. Quase todas as mudanças na simpatia partidária, pelo menos no curto prazo, ocorrem de algum partido para nenhum partido e vice-e-versa. 

Uma primeira reação comum a esta figura é questionar o real significado da "simpatia" partidária. A pergunta do Datafolha é vaga, e o termo "simpatia" não é necessariamente equivalente ao que a literatura internacional chama de "identificação" partidária. No recém-publicado livro “Partisans, Nonpartisans, and  Antipartisans: Voting Behavior in Brazil, eu e David Samuels examinamos ampla evidência que parece sugerir que essa simpatia é algo real e consequente. Em média, em cada eleição presidencial desde 1990, pelo menos 80% de petistas e parcela semelhante dos (mais raros) tucanos declaram intenção de voto para o candidato presidencial de seu partido. Desde 1990, também a avaliação do desempenho dos presidentes é muito mais alta entre partidários do seu partido do que entre partidários do principal partido da oposição. A avaliação dos presidentes por parte dos não-partidários ocupa, como seria de se esperar, uma posição intermediária.  

Além disso, desenvolvemos e avaliamos uma série de experimentos nos quais fornecíamos aos participantes duas posições alternativas sobre determinadas política públicas razoavelmente obscuras. Para alguns, indicávamos qual era a posição de PSDB e do PT, para outros não. A informação sobre a posição endossada pelos partidos fez com que partidários concordassem substancialmente mais com a posição do seu partido, em comparação com o grupo que não recebeu a informação. O efeito era praticamente idêntico para petistas e tucanos se nós indicássemos a posição de apenas um partido, ou de ambos. Isso sugere que simpatizantes do PSDB e do PT não só reconhecem seus partidos como atalho para formar suas próprias preferências, mas reconhecem o outro como um indicador negativo. Por fim, a atribuição das posições ao PT e PSDB não produz efeito sistemático nos não-partidários ou nos poucos partidários de outros partidos. 

A pergunta que fica é como e por que o PT foi o único partido no Brasil a criar uma ligação mais resiliente com eleitores. As explicações óbvias de "aparelhamento" ou "clientelismo" não dão conta do fenômeno, pois o PT cresceu quase que de forma contínua e já era o maior partido em termos de simpatizantes antes de chegar ao poder em 2002, e cresceu novamente depois que deixou o governo. Nós encontramos evidência quantitativa para a tese, já bastante difundida na literatura qualitativa, de que o partido cresceu, ao menos até 2002, acoplando-se a organizações da sociedade civil. Essa estratégia de "mobilizar os organizados", que não é diferente do que ocorreu na origem dos partidos de massa europeus, permitiu que o PT obtivesse não apenas eleitores, como os demais grandes partidos brasileiros, mas também simpatizantes. É possível que essa estratégia tenha sido relegada para um segundo plano nos anos em que o partido governou o Brasil, seja por decisões estratégicas de seus dirigentes, seja pelas contradições inerentes a ser governo e tentar representar a sociedade civil ao mesmo tempo. É possível também que o arrefecimento da estratégia tenha sido simplesmente fruto da simples escassez de mão de obra, afinal recursos humanos antes dedicados a construir o partido foram dirigidos para a tarefa de governar. 

Um aspecto importante que não é retratado na figura acima é que nem todos os não-partidários são iguais. Há, entre eles, um significativo grupo de eleitores que não simpatiza com nenhum partido, mas que antipatiza com alguma agremiação. De forma análoga ao que encontramos sobre os partidários, os antipartdários de fato não votam em candidatos do partido com o qual antipatizam, e tendem a discordar de posições políticas quando atribuídas a este partido. Uma implicação prática desse resultado é que não é verdade que metade (ou mais) da população brasileira não tem preferências partidárias. Partidários e antipartidários, somados, sempre alcançaram cerca de 60% do eleitorado. 

Da mesma forma que a grande maioria dos simpatizantes partidários no Brasil é petista, a grande maioria do antipartidários é antipetista. Na verdade, os antipetistas formam o segundo maior grupo de partidários no Brasil, perdendo apenas para os petistas. Embora os dados sejam mais escassos para antipartidarismo do que para partidarismo, os que existem indicam que o antipetismo evoluiu pari passu com o petismo desde a década de 1990. Se, no início, a racionalização para o antipetismo era o medo da "baderna", a partir do início dos anos 2000 a justificava prevalente passou a ser corrupção. De forma bastante interessante, praticamente inexistem diferenças socioeconômicas claras entre petistas e antipetistas. O que os surveys permitem inferir é que os dois grupos divergem mais em relação a preferências por processos participativos e deliberativos, e apoio a sindicatos e outros aspectos “processuais” da democracia do que em preferências substantivas. Vemos diferenças clara na avaliação de programas fortemente atrelados a governos petistas, como Bolsa-Família e cotas para universidades, e também na avaliação do desempenho da economia durante os governos petistas. Essas diferenças, no entretanto, parecem ser uma racionalização que seguem a simpatia e antipatia existente, e não a causa dela.  Em conjunto, os dados sugerem que é possível que a origem da simpatia e antipatia ao PT venha menos do autointeresse ou de preferências políticas fortes, e que derive, pelo menos em parte, da combinação de experiências pessoais no contato com o partido em combinação com características psicológicas inatas. Mas estas ainda são hipóteses que carecem de verificação. 

O que não carece de verificação, no entanto, é que o PT é realmente um fenômeno único na história democrática do país. Entre um terço e metade do eleitorado brasileiro usa o PT como referência positiva ou negativa para a tomada de decisão e formação de preferências, e parece improvável que esta influência desaparecerá de uma hora para outra. 

 

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