Macroeconomia

Política fiscal: Quando o curto prazo se encontra com o longo

29 mar 2017

O resultado primário para o Governo Federal em 2016 foi anunciado no final de janeiro, totalizando um déficit de R$ 155,8 bilhões, ante uma meta estimada em R$ 170 bilhões. Para 2017, a meta é de um déficit de R$ 139 bilhões. A magnitude do esforço fiscal deverá provocar uma mudança de enfoque na política fiscal, substituindo o longo prazo e o gradualismo para uma discussão cada vez mais concentrada no curto prazo.

A meta DE 2017 é desafiadora, em primeiro lugar, porque o quadro econômico aponta mais para uma estabilização da queda da atividade do que para uma recuperação cíclica mais contundente. Os indicadores econômicos deverão dar vários sinais mistos sobre a velocidade da nossa recuperação nos primeiros meses do ano. De todo o modo, minhas simulações indicam que apenas com crescimento econômico superior a 2,5% é possível esperar uma melhora do resultado primário por esta via, o que claramente não é o caso de 2017.

Em segundo lugar, há uma elevada dependência de receitas não recorrentes para o cumprimento da meta fiscal, uma situação que se repete há muitos anos e que gera dúvidas sobre a real capacidade do governo de sustentar os resultados propostos. As receitas não recorrentes mais significativas devem vir da nova rodada da repatriação e do novo Refis, e ambos ainda dependem de aprovação no Congresso Nacional. Por conta desse tipo de incerteza, alguns analistas recorrem ao conceito de resultado primário recorrente ou de resultado estrutural para expurgar os fatores atípicos de cada ano e obter uma clareza maior da situação fiscal.

Em virtude desses fatores, alguns analistas têm apresentado várias estimativas de contingenciamento, que variam entre R$ 39 bilhões e R$ 50 bilhões, como requisito para o cumprimento da meta fiscal deste ano. Mesmo que o governo possa ser mais otimista a respeito do cenário econômico e da sua capacidade de obter receitas não recorrentes, é preciso reconhecer que os valores a serem contingenciados parecem significativos.

Por essa razão, é importante entender o impacto que um contingenciamento muito grande pode ter na estratégia mais geral de política fiscal. Um contingenciamento evita que a despesa seja realizada naquele ano, mas boa parte das despesas públicas não pode ser adiada indefinidamente. Quando o contingenciamento é muito elevado, o orçamento do ano seguinte fica sobrecarregado com despesas adiadas. Portanto, a decisão de contingenciar um valor elevado este ano tende a deteriorar o resultado fiscal do ano seguinte. Em um contexto de teto para as despesas primárias, o aumento dos restos a pagar tende a criar uma pressão muito grande sobre o orçamento de 2018.

A meta fiscal definida até o momento para 2018 é de um déficit de R$ 79 bilhões, bastante apertada. Se considerarmos nessa conta o volume de receitas não recorrentes prevista para esse ano, o ajuste é de quase R$ 100 bilhões. Assim, um contingenciamento muito elevado colocará mais dificuldades para o governo atingir esse objetivo.

Um contingenciamento muito elevado também significará o não pagamento de algumas despesas que já foram contratadas. Um cenário de represamento dos pagamentos muito elevado não ajuda o imaginado cenário de recuperação do crescimento para este ano. O limite do ajuste fiscal não pode significar um calote no setor privado.

Dado que um contingenciamento muito elevado produzirá custos relevantes, uma pergunta é o que poderia ser feito pelo lado das receitas. Parece existir muito pouco espaço para elevação de impostos indiretos no curto prazo. Alguns possuem impacto sobre a inflação, como a CIDE, o que atrapalha a estratégia do BC de reduzir a taxa de juros, e outros já estão em patamar elevado, como o IOF para pessoas físicas. Outros ainda dependem de aprovação legislativa, o que diluiria seu impacto para o ano corrente (mas ajudaria em 2018). Impostos diretos possuem o princípio da anualidade e, portanto, só produziriam impacto no próximo ano.

Alie-se a esse cenário a compreensível decisão do governo de não adotar medidas fiscais de curto prazo que pudessem produzir algum efeito negativo sobre a recuperação. Mas como a recuperação não aconteceu no ano passado, o longo prazo se encontrou com o curto prazo um pouco antes do programado e é nessa encruzilhada que as decisões de política econômica terão que ser tomadas.

O mais adequado seria manter um otimismo moderado para uma avaliação mais precisa da conjuntura e da evolução da receita não recorrente ao longo do ano, e manter o contingenciamento em um patamar baixo. Essa parece ser a decisão mais razoável dentro de uma estratégia que adeque o que é factível para a política fiscal este ano em consonância com a melhoria dos resultados fiscais nos anos seguintes.

Do ponto de vista macroeconômico, essa estratégia também seria adequada, pois ao manter a política fiscal em uma zona próxima à neutralidade, evita-se uma contração das despesas e, ao mesmo tempo, não se gera incertezas sobre o ajuste que possam trazer impactos negativos sobre a recuperação.

No mais, é torcer para que o eventual sucesso dessa estratégia não leve a um otimismo exagerado na definição das metas fiscais para os próximos anos, para não nos colocarmos nesta situação novamente.

Manoel Pires - Pesquisador associado do FGV/IBRE.

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