Indústria

Política industrial reconsiderada

21 fev 2024

Política industrial deveria incluir redução do IR de empresas, depreciação acelerada para setores de alta tecnologia e subsídios à educação e formação profissional para atender demanda da indústria por trabalhadores qualificados.

Sem uma mudança substancial nos impostos empresariais e sem subsídios à educação e expansão de oportunidades de aprendizagem remunerada, a nova política industrial colherá muito menos resultados do que os seus bem-intencionados arquitetos esperam.

A Carta do IBRE de janeiro fez uma excelente revisão da literatura recente sobre política industrial, bem como observações relevantes para o Brasil. A importância de uma indústria dinâmica no processo de inovação e aumento da produtividade não pode ser minimizada. Nações como os EUA e a China estão promovendo ativamente a modernização e inovação tecnológica das suas indústrias e o Brasil não pode simplesmente deixar a sua indústria à própria sorte.

Uma breve análise da nova política industrial (Nova Indústria Brasil) revela que o programa se baseia principalmente no crédito a setores estratégicos, na melhoria das condições de fazer negócios, e nas compras públicas com requerimentos de aquisição e preferência para produtos nacionais. Em particular, Samuel Pessoa espressou preocupação sobre a nova politica industrial do governo, uma vez que a poupança domestica é baixa, o capital físico e humano é insuficiente e os recursos financeiros públicos são limitados para financiar políticas industriais.

A nova política industrial depende excessivamente da concessão de empréstimos, R$ 300 bilhões, para subsidiar e direcionar o investimento privado para setores de alta tecnologia e menciona muito pouco sobre política tributária, exceto por uma breve menção à depreciação acelerada dos investimentos físicos para a transformação digital da indústria.

A política tributária é uma importante ferramenta para aumentar e direcionar o investimento privado em setores alinhados com a política industrial do governo. O Brasil tem um dos impostos de renda sobre empresas mais altos do mundo (34%, incluindo contribuição social) comparado aos EUA (21%), União Europeia (21%), China (25%). O Brasil tem estado no caminho contrário à tendência internacional de redução dos impostos empresariais. Em média, os países da OCDE reduziram os seus impostos de renda sobre empresas desde 1980. Por exemplo, a Suécia reduziu a sua taxa de imposto sobre as empresas de 58% em 1981 para 21% em 2021, os EUA de 50% em 1981 para 21% em 2018.

A diminuição do imposto de renda sobre as empresas nos países da OCDE reflete o entendimento  de que a incidência do imposto de renda das empresas não é necessariamente suportado diretamente pela empresa, a qual pode transferir parte da sua carga tributária aumentando os preços de seus produtos, cortando salários ou reduzindo dividendos. Em particular, as políticas tributárias que aumentam o custo da formação de capital – tais como as baixas deduções de depreciação e altos impostos de renda das empresas– reduzem a formação de capital físico. Como resultado, os trabalhadores têm menos máquinas e equipamentos disponíveis, menor produtividade e menor crescimento dos seus salários. Hassett e Mathur, num estudo com dados de vários países, estimam que um aumento de 1% nas taxas de imposto de renda sobre as empresas acarreta uma redução de 0,5% nos salários.[i]

O Brasil poderia seguir o exemplo da China, onde a alíquota do imposto corporativo normalmente é de 25% e reduzida para 15% para os novos setores de alta tecnologia qualificados. Ademais, deveria se considerar depreciação acelerada para os setores de alta tecnologia. Essa mudança na estrutura tributária aumentaria a rentabilidade das empresas, melhoraria a competitividade das nossas exportações, exigiria menos financiamento do setor público e atrairia investimento direto estrangeiro, aumentando o total de poupança disponível para financiar investimentos.

Um ponto importante é que reduzir o imposto de renda sobre as empresas não significa necessariamente reduzir a arrecadação total de impostos, o que pioraria o equilíbrio fiscal do governo e traria mais problemas. Por exemplo, a Suécia reduziu o imposto de renda sobre as empresas, aumentando tanto os impostos indiretos (IVA) como o imposto sobre o rendimento das pessoas fisicas. No caso brasileiro, a redução do imposto de renda das empresas poderia ser também compensado em parte com a redução de subsídios diretos a alguns setores, como a agricultura.

Outro aspecto importante para executar a nova política industrial é a escassez de capital humano. A nova política industrial se beneficiaria de uma abordagem mais equilibrada, incluindo subsídios à educação e formação profissional para atender a demanda da indústria por cientistas, engenheiros e profissionais de tecnologia qualificados. Parte dos R$ 300 bilhões para financiamentos da nova política industrial deveria se destinada à educação. Um importante indicador do desenvolvimento econômico e social é o número de alunos no ensino médio. O ensino médio é  também a etapa fundamental para aumentar o acesso aos cursos superiores. No Brasil, 49% dos jovens de 15 a 19 anos estão matriculados no ensino médio, dos quais 5% no ensino secundário profissional, em comparação com uma média da OCDE de 60% matriculados no ensino médio, dos quais 23% em programas de ensino secundário profissional. Segundo o IBGE, em 2022, quase 11 milhões de jovens de 15 a 29 anos não estavam empregados ou estudando. Isto não é compatível com o ambicioso programa do governo de modernização da indústria brasileira.

Aqui não é o lugar para discutir como melhorar o ensino médio e o ensino profissional. Basta salientar que a principal razão para abandonar a escola é que os estudantes pobres enfrentam um grande custo de oportunidade entre trabalhar por um salário baixo ou permanecer na escola sem dinheiro para contribuir para o seu orçamento familiar. Para manter os estudantes pobres no ensino secundário, seria necessário primeiro reduzir o seu custo de oportunidade, concedendo bolsas de estudo para o ensino médio e expandindo consideravelmente as oportunidades de formação profissional e programas de aprendizagem remunerados, nos moldes da Alemanha e da Suíça. Isto exigirá recursos financeiros e uma forte parceria entre governo, escolas e empresas.

Sem uma mudança substancial nos impostos empresariais e sem subsídios à educação e expansão de oportunidades de aprendizagem remunerada, a nova política industrial colherá muito menos resultados do que os seus bem-intencionados arquitetos esperam.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[i] Kevin A. Hassett and Aparna Mathur, “A spatial model of corporate tax incidence,” Applied Economics 47, no. 13, (January 2, 2015): 1350-1365,  http://dx.doi.org/10.1080/00036846.2014.995367.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.