Mercados e Inflação

Política monetária, Brasil e EUA: trajetórias paralelas

16 mai 2023

Apesar do bom desempenho da inflação cheia – PCE cheio de março nos Estados Unidos e IPCA-15 de abril no Brasil, ambos (que coincidência!) a 4,16% em 12 meses –, a composição da inflação preocupa muito. Há muito mais inércia.

É mais comum do que se imagina que a trajetória das economias brasileira e americana apresentem dinâmicas sincrônicas. É o que se passa atualmente. Ambas estão em um momento muito próximo do ciclo econômico.

O mercado de trabalho encontra-se apertado, com a taxa de desemprego, tanto lá quanto cá, abaixo das estimativas da taxa natural (que é aquela que não acelera a inflação). A taxa de desemprego no primeiro trimestre no Brasil, com ajuste sazonal, foi de 8,1%, e, para a economia americana, de 3,5%.

Adicionalmente, as duas economias ainda apresentam sinais de crescimento com surpresas positivas. A economia americana cresceu no primeiro trimestre 1,1%, considerando a taxa anualizada, o que pode ser interpretado como o início de uma desaceleração mais saliente, pois o crescimento do produto potencial é de 1,8%. No entanto, houve no primeiro trimestre forte desacumulação de estoques, de sorte que a demanda privada – resulta da soma do consumo e do investimento privados – cresceu no trimestre 2,9%, sempre considerando a taxa anualizada.

Para a economia brasileira, somente teremos os números para o primeiro trimestre do ano na primeira semana de junho. Mas há sinais de que, no primeiro trimestre, a economia cresceu na casa de 1% (ou pouco mais de 4% para a taxa anualizada). A demanda deve ser sustentada por um mercado de trabalho ainda muito forte. A massa salarial real, segundo a PNADC de março, cresceu 10,5% em comparação com a mesma pesquisa de março de 2022.

Há sinais de desaceleração no Brasil – por exemplo, a taxa de crescimento da população ocupada tem caído e tem sido negativa desde janeiro. No entanto, tudo sugere que tanto nos Estados Unidos como no Brasil, a desaceleração tem sido lenta, fato evidenciado pela inércia na inflação americana e brasileira. Isto é, como o ajuste da atividade e do mercado de trabalho tem sido muito lento, pressões inflacionárias ainda se formarão, principalmente nos preços mais sensíveis ao ciclo econômico, como é o caso dos serviços. Adicionalmente, há sinais de que parte da desaceleração do mercado de trabalho, principalmente da redução da geração de empregos, tanto nos EUA quanto no Brasil, tem sido mais um sinal de redução da oferta de trabalhadores do que de enfraquecimento da demanda de trabalho. Com mercado de trabalho forte e renda real crescendo, é difícil imaginar uma elevação do desalento, isto é, redução do desemprego causada porque as pessoas desistiram de procurar ocupação. Voltemos agora os olhos para a inflação.

O Federal Reserve, banco central americano, popularmente conhecido por Fed, acompanha a inflação medida pelo deflator do consumo das contas nacionais, o chamado PCE. O núcleo de médias aparadas e o núcleo da mediana para o PCE fecharam março, no acumulado de 12 meses, a 4,68% e 5,83%, respectivamente. A média móvel trimestral dos dois indicadores, com ajuste sazonal e taxa anualizada, rodou em março, respectivamente, a 4,69% e 5,24%. Como a média móvel trimestral encontra-se no mesmo nível da inflação em 12 meses, não deverá haver nos próximos meses grandes quedas na inflação anual. Ou seja, há sinais de persistências da inflação americana em torno de 5%.

Na prévia da inflação de abril no Brasil, o IPCA-15 de abril, temos o mesmo fenômeno. O núcleo de média aparadas fechou a 8,0% em 12 meses e a média móvel trimestral, anualizada e com ajuste sazonal, fechou a 5,7%, após mínima de 4,9% em março. O mesmo fenômeno tem ocorrido ainda com o núcleo de serviços, chamado de serviços subjacentes. Em 12 meses fechou a 7,4%, com média móvel trimestral a 5,4%, após mínima de 3,9% em fevereiro.

Ou seja, apesar do bom desempenho da inflação cheia – PCE cheio de março e IPCA-15 de abril ambos (que coincidência!) a 4,16% em 12 meses –, a composição da inflação preocupa muito. Há muito mais inércia.

Após seis semestres seguidos de choques de ofertas, entre o segundo semestre de 2019 e o primeiro semestre de 2022 – gripe suína africana na China no segundo semestre de 2019, gargalos das cadeias de valor em 2021, seca no Brasil em 2021/2022 e na Argentina em 2022/2023, e guerra na Ucrânia no primeiro semestre de 2022 –, há uma clara reversão dos choques. Na economia americana, os bens duráveis rodam, em 12 meses, abaixo de 1% ao ano e há deflação em energia. A inflação de alimentos em 12 meses ainda está forte, mas com claros sinais de queda em 2023. No Brasil, a inflação de bens duráveis fechou, no IPCA-15 de abril, a 2,6% em 12 meses, e a de alimentos a 5,8%, com forte queda.

A partir desse quadro é que temos que analisar as decisões dos bancos centrais americano e brasileiro da “super quarta-feira”, 3 de maio passado. Tivemos a reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil, o COPOM, e de seu equivalente nos EUA, o FOMC. No comunicado, o FOMC avisou que “ao determinar até que ponto o endurecimento adicional da política monetária pode ser apropriado para retornar a inflação a 2% ao longo do tempo, o Comitê levará em conta o aperto cumulativo da política monetária, os atrasos com que a política monetária afeta a atividade econômica e a inflação, e os fatores econômicos e financeiros.” No comunicado da reunião de março, o FOMC escrevera que “O Comitê antecipa que algum endurecimento adicional da política possa ser apropriado para atingir uma postura de política monetária que seja suficientemente restritiva para retornar a inflação para 2% ao longo do tempo.” Essa frase foi retirada da reunião de maio. Ou seja, é possível que a taxa atual, que se encontra no intervalo entre 5% e 5,25%, seja terminal. Os dados dos próximos 45 dias dirão. Há enorme incerteza. A fonte da incerteza é que, após a reversão dos choques de oferta – fato em curso –, a natureza da inflação, como vimos, muda, se torna muito mais inercial, e não está claro qual será a desaceleração da economia e a elevação da taxa de desemprego requeridas para levar a inflação para a meta.

O mesmo literalmente se aplica por aqui. O ciclo monetário deve ser longo e, segundo o COPOM, ainda não estão dadas as condições para o início do ciclo de queda da taxa de juros. Para amenizar um pouco o clima político junto ao governo e aos políticos em geral – a percepção dos políticos em geral (sem nenhuma base) é que os juros praticados pelo Banco Central estão errados –, o COPOM enfraqueceu a possibilidade de iniciar um ciclo de elevação de taxa de juros. Escreveu, “O Copom enfatiza que, apesar de ser um cenário menos provável, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”. A frase constava já no comunicado de março, mas agora foi acrescentada a expressão “apesar de ser um cenário menos provável”.

Para a coluna, a dinâmica mais importante para o início de um ciclo de queda é menos a consolidação das expectativas em horizonte mais curto, 12 ou 18 meses, e mais haver algum sinal claro de que a dinâmica da inflação dos componentes mais sensíveis ao ciclo econômico virou.


Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de maio de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV

 

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