Por que o projeto de mudança no Imposto de Renda não é bom

Projeto encolhe ainda mais a participação do IRPF na arrecadação total, o que é exatamente o oposto do que fizeram países desenvolvidos, que transferiram peso de tributos sobre consumo para a renda ao longo das últimas décadas.
Na semana passada, o economista Sergio Werlang publicou, neste Blog, o artigo “A reforma do IR proposta pela Fazenda é muito boa” (14/5; o artigo foi publicado originalmente pelo Broadcast da Agência Estado, em 13/5). Seus argumentos passam pelo fato de que a reforma (i) cria uma isenção engenhosa até R$ 5 mil, (ii) compensa a renúncia com um imposto mínimo de 10 % sobre rendas altas e (iii) reduz a regressividade do IRPF sem desequilibrar as contas públicas.
Embora reconheça que Werlang aponte pontos relevantes em defesa do PL 1087/2025, creio que sua visão ignora alguns riscos e distorções centrais do sistema tributário brasileiro. Primeiramente, Werlang sustenta que o projeto tornará o Imposto de Renda mais progressivo, pois isenta salários de até R$ 5 mil e institui um piso de 10% para rendas muito altas. E, de fato, a progressividade aumenta na fotografia inicial: famílias de menor renda passam a pagar zero e quem ultrapassa R$ 1 milhão por ano vê sua carga efetiva subir, segundo cálculos do economista Sergio Gobetti, em cujos artigos recentes Werlang se baseou para escrever a sua coluna no Broadcast.
No entanto, esse avanço vem às custas de encolher ainda mais a participação do Imposto de Renda de Pessoa Física na arrecadação total, o que é exatamente o oposto do que fizeram países desenvolvidos, que transferiram peso de tributos sobre consumo para a renda ao longo das últimas décadas. Ao elevar a isenção sem reduzir impostos indiretos ou sobre a folha, o Brasil desperdiça a chance de se aproximar desse padrão internacional e de ampliar a receita vinda de um tributo considerado mais justo.
Percentual da Receita Tributária por fonte na América Latina
Fonte: OCDE
Há, em seguida, o ponto estritamente fiscal. O governo calcula que abrirá mão de cerca de R$ 25,8 bilhões por ano com a nova isenção e que cobrirá esse rombo por meio do imposto mínimo sobre dividendos e outras rendas altas. Só que o próprio desenho da compensação mencionado por Werlang (apresentado nos artigos de Gobetti) reconhece que empresas e acionistas vão reagir: a base de dividendos do Simples pode cair 50% e a dos demais regimes, 35%. Nessa estimativa, o ganho líquido cairia para algo em torno de R$ 22 bilhões. Adicionalmente, o PL adiciona um mecanismo em que, se a soma entre o imposto devido pelo acionista e a carga efetiva de IRPJ da empresa ultrapassar 34%, um crédito tributário devolve a diferença no ano seguinte. Esse ponto, criado para limitar a carga total, tende a erodir ainda mais a arrecadação ao longo do tempo, principalmente se considerarmos o impacto para além do primeiro ano de implementação, que parece ser o horizonte fiscal do governo. Além disso, o mecanismo adiciona uma camada de cálculos e declarações num sistema já notoriamente complexo.
Adicionalmente, o custo limitado da isenção depende de uma redução gradativa entre R$ 5 mil e R$ 7 mil, desenho elogiado por Sergio Werlang, uma vez que limita o montante isento. Esse é um problema econômico não insignificante pois, ainda que haja gradação, sair de 100% para zero de isenção entre R$ 5 mil e Rs$ 7 mil é uma queda abrupta do ponto de vista do intervalo total das remunerações atingidas pelo IRPF. A partir de pouco mais de R$ 5 mil, o contribuinte vê surgir uma alíquota marginal muito maior e crescente até R$ 7 mil, ferindo o princípio de progressividade suave, exatamente o inverso do que se recomenda no livro-texto de tributação. O resultado pode ser desestímulo a horas extras, promoções ou formalização adicional.
Os gráficos abaixo mostram como como funciona o desenho atual do Imposto de Renda (linha azul) e como está sendo proposto (linha laranja). Enquanto o primeiro gráfico mostra o pagamento absoluto em relação ao rendimento bruto, o segundo mostra quanto esse pagamento significa em relação ao próprio rendimento bruto. Não estão sendo consideradas deduções, para facilitar o entendimento.
Finalmente, Werlang critica as emendas ventiladas pelo PP. Concordo que a versão inicial das emendas não fecha a conta, mas isso não salva o texto original. No final das contas, tributar pouco a renda e muito o consumo é o cerne do problema, e uma reforma coerente deveria redistribuir carga entre bases, reduzindo IVA e folha, e não se concentrar em aumento sobre um grupo diminuto de contribuintes ou em criar saltos de isenção no IRPF.
Em síntese, a reforma melhora a progressividade estática, mas o faz sacrificando a base do Imposto de Renda, gerando incerteza fiscal e introduzindo um degrau que desestimula a ascensão salarial; consequências difíceis de conciliar com o objetivo declarado de justiça tributária e equilíbrio das contas públicas.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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