Macroeconomia

Principais choques inflacionários pós Plano Real e perspectivas para desinflação em 2022: uma análise

26 out 2021

Os maiores choques inflacionários pós Plano Real tiveram origem no temor do abandono das regras fiscais que limitavam o crescimento da dívida pública. Dúvidas em relação ao compromisso com as regras fiscais atuais devem tornar mais difícil o processo de desinflação em 2022.

Neste artigo, iremos analisar as causas e as reações de política econômica a dois grandes choques inflacionários enfrentados pela economia brasileira no período posterior ao Plano Real: ao final de 2002, na eleição do Presidente Lula, e em 2015/2016, no segundo mandato da Presidente Dilma Roussef. A partir dessa análise, faremos inferências sobre as perspectivas para o nível de atividade econômica e para o processo de desinflação diante do atual choque inflacionário enfrentado pela economia brasileira.

No segundo semestre de 2002, a expectativa de eleição do então candidato do PT à presidência da República, gerou forte aumento da aversão ao risco, com o indicador de risco Brasil, o EMBI+, do JP Morgan, indo de 729 pontos, na média de março de 2002, para 2034 pontos, em outubro daquele ano. Havia o temor de algum tipo de reestruturação unilateral da dívida pública com a mudança de governo. Como resultado, a taxa de câmbio R$/US$ subiu cerca de 62% entre março e outubro e a taxa de inflação medida pelo IPCA, em 12 meses, aumentou de 7,5%, em fevereiro de 2002, para 17,2%, em maio de 2003. Em reação ao aumento de aversão ao risco e da inflação, a autoridade monetária elevou a taxa Selic de 18,1%, em junho de 2002, para 26,3%, em março de 2003, levando à redução do nível de atividade e ao aumento da taxa de desemprego. Mas a queda da inflação, que, em maio de 2004, já havia chegado a 5,2%, foi resultado, principalmente, da redução da aversão ao risco e, consequentemente, da valorização da moeda brasileira, resultante da manutenção dos arcabouços de política monetária (metas de inflação) e de política fiscal (metas de superávit primário) pelo Presidente eleito.

No primeiro mandato da Presidente Dilma Roussef, de 2011 a 2014, as políticas monetária e fiscal foram amplamente expansionistas. Como resultado, a taxa de inflação se manteve sistematicamente acima da meta do Banco Central, mesmo com o governo utilizando o controle de preços públicos, tal qual dos combustíveis e da energia elétrica, como parte da política anti-inflacionária. Além disso, a confiança nos indicadores de resultados das contas públicas e de nível de endividamento deteriorou-se em virtude do uso da chamada contabilidade criatividade.

Após a reeleição de Dilma Roussef, o ano de 2015 foi marcado por crises política e econômica, com aumento do déficit primário e da percepção de risco pelo investidor, que levaram à desvalorização cambial de cerca de 47% no ano. Nesse cenário adverso, a correção das tarifas públicas foi um fator adicional a impulsionar a inflação, que subiu de 6,4%, em 2014, para 10,7%, em 2015. A taxa Selic, que havia atingido a mínima de 7,25%, em 2013, chegou a 14,25%, sendo mantida nesse nível por pouco mais de um ano. O País entrou em recessão e a taxa de desemprego alcançou níveis recordes.  

Por algum tempo, a resistência da inflação, mesmo com juros altos e desemprego elevado, alimentou temores de termos chegado a uma situação de dominância fiscal. Entretanto, em 2016, os efeitos deflacionários da recessão econômica, junto com a queda do risco País e a valorização cambial que acompanharam a mudança de governo e o início das discussões para a implantação do limite constitucional para o crescimento dos gastos públicos, levaram à redução gradual da inflação, que foi de 6,3%, em 2016, e 2,9%, em 2017.

Assim, os dois choques inflacionários, em 2002 e em 2015, foram, basicamente, resultados da falta do compromisso ou do receio da quebra do compromisso com políticas fiscal e monetária críveis e responsáveis. O processo de desinflação posterior foi marcado pela elevação das taxas de juros pelo Banco Central e pela queda do nível de atividade, mas o principal fator para a redução da inflação foi a retomada do compromisso com a responsabilidade fiscal e monetária.

Depois de três anos de inflação baixa e crescimento limitado, entre 2017 e 2019, que manteve a economia operando com elevada ociosidade dos fatores produtivos, os juros básicos caíram para mínimas históricas, com a taxa Selic chegando a 4,25%, em fevereiro de 2020. Tal cenário de inflação e juros baixos foi, possivelmente, resultado da mudança do padrão de crescimento das despesas públicas, induzida pelo teto constitucional para os gastos, da menor expansão do crédito dos bancos públicos e da recuperação da credibilidade do Banco Central.

A pandemia do coronavírus provocou, inicialmente, no Brasil, forte queda do nível de atividade e deflação de preços, que levaram a políticas monetária e fiscal amplamente expansionistas, as quais permitiram uma retomada rápida da economia, mas tiveram como contrapartida, o aumento da inflação, que, medida pelo IPCA, em 12 meses, chegou a 10,2%, em setembro deste ano. Apesar dos preços terem sido impulsionados por fatores aparentemente temporários, como a desvalorização cambial, o aumento das cotações das commodities, o choque sobre as tarifas de eletricidade e as restrições nas cadeias produtivas globais, os elevados números dos núcleos de inflação e a ampla difusão dos aumentos de preços indicam que o processo de desinflação não será algo simples e exigirá ação firme da autoridade monetária. Além do mais, a experiência com choques inflacionários anteriores mostra que o compromisso com uma política fiscal responsável é essencial para a redução da taxa de inflação.

Entretanto, o governo tem caminhado no sentido inverso, ao fragilizar os mecanismos constitucionais de controle do crescimento dos gastos públicos. O custo dessa alternativa já vem aparecendo, na forma do aumento das taxas de juros exigidas pelos credores do governo brasileiro[1], desvalorização adicional da taxa de câmbio e maior pressão sobre inflação e juros básicos (Selic). Tal cenário torna mais provável um ano de 2022 marcado por inflação elevada e baixo crescimento econômico ou até retração do nível de atividade.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] O aumento das taxas de juros pré-fixadas de médio e longo prazo pagas pelos títulos públicos brasileiros, desde o início deste ano, foi impressionante. Conforme mostrado no gráfico acima, com dados da Reuters, a taxa pré-fixada de 5 anos passou de menos de 6% ao ano, em janeiro, para 11,5%, em outubro.

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