Macroeconomia

Produtividade do trabalho: uma análise regional

30 jul 2019

Com o fim do bônus demográfico, uma das formas de se aumentar a renda per capita e gerar crescimento sustentável no Brasil nas próximas décadas será por meio da elevação da produtividade do trabalhador. Por isso, discussões sobre o tema de produtividade ganham cada vez mais importância.

Com base na divulgação, por parte do IBGE, das Contas Nacionais Trimestrais e dos dados da Pnad Contínua, o FGV IBRE tem calculado regularmente o indicador trimestral de  produtividade do trabalho. O cálculo desse indicador é de extrema relevância pois permite um acompanhamento de alta frequência da produtividade do trabalho no Brasil, auxiliando a análise e elaboração de diagnósticos que possam promover a retomada do crescimento econômico.

A literatura sobre o tema é extensa e vários autores já exploraram, sob diversos aspectos, as causas da baixa produtividade da economia brasileira. Veloso, Matos, Ferreira e Coelho (2014), por exemplo, atribuem o fraco desempenho da produtividade no Brasil à péssima evolução em cada um dos setores da economia (isto é, generalizada): agropecuária, indústria e serviços. A análise para o Brasil já foi amplamente debatida na literatura, e diante disto, iremos abordar, neste texto, a dinâmica da produtividade do trabalho num âmbito regional. Análises como esta tornam-se relevantes, pois entender os determinantes do crescimento da produtividade ajuda a solucionar gargalos que possam impedir o desenvolvimento econômico do país.

É nesse contexto que a discussão sobre a produtividade do trabalho na economia brasileira ganha cada vez mais importância. Este texto tem por objetivo aprofundar o debate desse tema e apresentar uma análise visando quantificar o papel da transformação estrutural, observada nas regiões ao longo dos últimos anos, nas variações de produtividade do trabalho das regiões brasileiras[1].

Neste texto, apresentamos um exercício de decomposição da variação da produtividade do trabalho para cada uma das regiões brasileiras, a fim de medir quanto desta variação ocorreu por causa de mudanças na produtividade dentro de cada setor (efeito nível) e quanto ocorreu por mudanças na realocação de mão de obra entre setores da economia (efeito composição)[2]. Essa técnica é amplamente difundida na literatura e muito utilizada para esse fim.[3]  O Gráfico 1 mostra a trajetória desde 2002[4] da produtividade do trabalho das regiões do país. Ele evidencia um fato já esperado, que é a baixa produtividade das regiões menos desenvolvidas, como Norte e Nordeste (bem menores que a média nacional), e a produtividade mais elevada nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul.

Entre os anos de 2002 a 2016, a produtividade por pessoal ocupado da região Norte passou de R$ 36,7 mil para R$ 43,1 mil (crescimento acumulado de 17,4% ou 1,2% a.a) e a da região Nordeste passou de R$ 27,6 mil para R$ 37,8 mil (crescimento acumulado de 36,7% ou 2,3% a.a.).

Embora o Brasil apresente produtividade maior que a observada nas regiões menos desenvolvidas (Norte e Nordeste), a taxa de crescimento do país, quando comparada com a destas duas regiões, é menor. Entre 2002 e 2016, a produtividade do trabalho do Brasil cresceu em média 1% ao ano (ou 14,7% acumulado no período).Entre os anos de 2002 a 2016, a produtividade por pessoal ocupado da região Norte passou de R$ 36,7 mil para R$ 43,1 mil (crescimento acumulado de 17,4% ou 1,2% a.a) e a da região Nordeste passou de R$ 27,6 mil para R$ 37,8 mil (crescimento acumulado de 36,7% ou 2,3% a.a.).  

De igual modo, mesmo menor em nível, a produtividade do trabalho das regiões Norte e Nordeste cresceu a taxas superiores às observadas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Entre 2002 e 2016, por exemplo, a produtidade do trabalho no Sudeste cresceu 0,6% ao ano (ou 8,3% acumulado no período), passando de R$ 65,6 mil para R$ 71 mil, enquanto no Sul e no Centro Oeste o crescimento acumulado no período foi de 13% (0,9% a.a) e 17,9% (1,2% a.a), respectivamente.

Um ponto interessante diz respeito à produtividade da região Centro-Oeste. No Gráfico 1, podemos notar que ela possui o maior nível dentre todas as outras regiões, puxado principalmente pelo Distrito Federal, que concentra grande fatia do valor adicionado do setor de serviços, alocado principalmente na administração pública. Excluindo o Distrito Federal, a produtividade da região Centro-Oeste diminui cerca de 23%, ficando menor do que a observada nas regiões Sul e Sudeste.

Os resultados a seguir mostram a decomposição da variação da produtividade do trabalho em cada uma das regiões brasileiras e a contribuição que cada um dos três grandes setores da economia (agropecuária, indústria e serviços) tiveram para a variação acumulada no período de 2002 a 2016[5].

A Tabela 2 mostra o exercício de decomposição da produtividade no Brasil. Nota-se que a produtividade aumentou cerca de R$ 7,8 mil entre 2002 e 2016, dos quais mais de 55,4% (R$ 4,3 mil) vieram de aumentos de eficiência intrassetorial, ou seja, aumento de produtividade em cada um dos setores analisados. Isso pode ser observado nos valores positivos dos efeitos níveis da agropecuária, indústria e serviços. A indústria foi, dentre os três setores analisados, o setor que teve o menor efeito nível, indicando que o ganho de produtividade gerado pelo aumento de eficiência neste setor foi praticamente nulo.

O efeito composição, que mostra a parcela do ganho de produtividade explicada pela realocação de mão de obra, contribuiu com 44,6%. Os valores negativos do efeito composição na agropecuária e na indústria apontam uma redução de mão de obra nestes setores, que migrou para o setor de serviços. A realocação de mão de obra para o setor de serviços, por exemplo, explicou quase 73,9% da variação de produtividade no Brasil, no período analisado. Esse valor, somado a contribuição de 19% do efeito nível, fez com que o setor de serviços fosse responsável por explicar mais de 90% do aumento de produtividade entre 2002 e 2016. A indústria foi o único setor que contribuiu negativamente para a variação de produtividade (-0,9%, puxado basicamente pelo efeito composição negativo) e a agropecuária contribuiu com 8%. No caso da agropecuária, o ganho gerado pelo aumento de eficiência superou a perda gerada pela redução de mão de obra.

A Tabela 3 mostra o exercício de decomposição da produtividade na região Norte. Nota-se que a produtividade dessa região aumentou cerca de R$ 6,4 mil entre 2002 e 2016, dos quais mais de 84% (R$ 5,4 mil) vieram de aumentos de eficiência intrassetorial, ou seja, aumento de produtividade em cada um dos setores analisados. Isso pode ser observado nos valores positivos dos efeitos níveis da agropecuária, indústria e serviços.

O efeito composição na região Norte (R$ 985) foi bem menor que o efeito nível, influenciado principalmente pelas reduções de participação da mão de obra da agropecuária e da indústria. Nestes setores, o efeito composição contribuiu negativamente com 20,1% e 12,1%, respectivamente. A transferência de mão de obra para o setor de serviços contribuiu com 48% (ou R$ 3 mil) na elevação da produtividade entre 2002 e 2016. Apenas 15,4% da variação de produtividade da Região Norte foi explicada pela realocação de mão de obra entre os setores, representada pelo efeito composição. Diante desses resultados, nota-se que a maior parte da variação de produtividade entre 2002 e 2016 na região Norte ocorreu devido ao ganho de eficiência entre os setores da economia.

A Tabela 4 mostra o exercício de decomposição do crescimento da produtividade na região Nordeste. Nota-se que a produtividade dessa região aumentou cerca de R$ 10,1 mil entre 2002 e 2016. Os valores positivos dos efeitos níveis em cada um dos setores indicam que houve um alto ganho de eficiência intrassetorial. Os ganhos de produtividade associados ao efeito nível correspondem a 49,4% (R$ 5 mil) da variação total observada no período. Dentre os setores, observa-se que na agropecuária, por exemplo, o ganho gerado pelo efeito nível foi de mais de 20%.

Já o ganho de produtividade gerado pela realocação de mão de obra entre os setores, representado pelo efeito composição, foi ainda maior, tendo contribuído com R$ 5,1 mil (50,6%) na elevação da produtividade entre 2002 e 2016. Apenas a agropecuária apresentou efeito composição negativo, indicando saída de mão de obra neste setor, contribuindo negativamente com mais de 18% para a variação da produtividade observada no período. 

A contribuição do setor de serviços para a variação da produtividade entre 2002 e 2016 foi de 79,3%, seguido da indústria, que contribuiu com 18,3%, e da agropecuária, que contribuiu com 2,4%. Nota-se que, portanto, no período analisado, os ganhos de produtividade observados na Região Nordeste podem ser explicados pelos ganhos gerados pela realocação de mão de obra entre os três grandes setores da economia, que é fruto do processo de mudança estrutural observado nesta região.

A Tabela 5 mostra o exercício de decomposição da produtividade na Região Sudeste. Entre 2002 a 2016, a produtividade dessa região aumentou cerca de R$ 5,5 mil, dos quais mais de 64% (R$ 3,5 mil) vieram de aumentos de eficiência intrassetorial, gerados por aumentos de produtividade em cada um dos setores da economia. Isso pode ser notado na Tabela 4, por meio dos valores positivos dos efeitos níveis em cada um dos três grandes setores. A indústria foi o setor com menor contribuição do efeito nível, indicando que, neste setor, a produtividade cresceu menos que nos demais.

A transferência de mão de obra para o setor de serviços na Região Sudeste contribuiu com mais de 90% para o aumento de produtividade no período, fazendo com que todo o ganho de produtividade da região fosse atribuído ao setor. A indústria, no entanto, foi o setor que travou o avanço da produtividade agregada no Sudeste, contribuindo negativamente com 28,2% para a variação observada no período, reduzindo-a em mais de R$ 1,5 mil. Diante do que foi apresentado, podemos concluir que a maior parte da variação da produtividade entre os anos de 2002 e 2016 na região Sudeste deve-se ao ganho de eficiência entre os setores da economia (64,6%). O efeito composição, embora não tenha sido maior que o efeito nível, também contribuiu com uma parcela relativamente alta para o aumento de produtividade observado no período (35,4%).

A Tabela 6 apresenta o exercício de decomposição da produtividade na região Sul, que aumentou cerca de R$ 7,5 mil entre 2002 e 2016. Com exceção da indústria, os valores positivos dos efeitos níveis indicaram ganhos altos de eficiência intrassetorial.

O ganho de produtividade gerado pela realocação de mão de obra entre os setores (efeito composição) foi de 36,6% (valor próximo ao observado na região Sudeste), tendo contribuído com R$ 2,7 mil para a elevação da produtividade entre 2002 e 2016. No Sul, apenas a agropecuária apresentou efeito composição negativo, contribuindo negativamente com quase 50% da variação da produtividade no período, indicando uma maior redistribuição da mão de obra para a indústria e o setor de serviços.

Somente a indústria contribuiu negativamente para a variação de produtividade entre 2002 e 2016 (-9,8%). O setor de serviços foi responsável por explicar 89,5% da variação observada no período, e a agropecuária acrescentou 20,3%. Sendo assim, entre 2002 e 2016, a maior parte da variação de produtividade da região Sul deveu-se ao ganho de eficiência intrassetorial.

Por último, a Tabela 7 apresenta o exercício de decomposição da produtividade do trabalho na Região Centro-Oeste.[6] A produtividade dessa região aumentou cerca de R$ 11,8 mil, entre 2002 e 2016. Nesse período, observou-se alto ganho de eficiência nos setores, em especial na agropecuária, em que o efeito nível foi de 41,5%.

O ganho de produtividade gerado pela realocação de mão de obra entre os setores, representado pelo efeito composição, foi de, apenas, 9,6%, tendo contribuído com R$ 1,1 mil para elevação da produtividade entre 2002 e 2016. Isso ocorreu porque o ganho gerado pelo efeito composição no setor de serviços não foi tão alto como o observado nas outras regiões e, além disso, houve alta perda gerada pela contribuição negativa do efeito composição da agropecuária (-24,7%) e da indústria (-8,9%).

A agropecuária e a indústria tiveram contribuições parecidas na variação de produtividade da Região Centro-Oeste (16,9% e 17,2%, respectivamente). Já o setor de serviços contribuiu com 65,9% para a variação da produtividade, sendo este o menor percentual para o setor de serviços dentre todas as outras regiões.

Diante desses resultados, podemos concluir que entre 2002 e 2016, a variação de produtividade da região Centro-Oeste foi explicada quase em sua totalidade pelo ganho de eficiência intrassetorial, representado pelo efeito nível, que contribuiu com mais de 90%.

Os resultados apresentados nesse texto mostram que o processo de transformação estrutural, representado aqui pela realocação de mão de obra entre os setores, foi de importância essencial para explicar a variação de produtividade na Região Nordeste entre 2002 e 2016. No mesmo período, no Brasil e nas regiões Sudeste e Sul, embora não tenha sido o fator predominante para explicar a variação da produtividade, o efeito composição foi elevado, indicando que a mudança estrutural teve parcela relativamente importante para o ganho de produtividade observado no período. Já nas Regiões Norte e Centro-Oeste houve alto ganho de eficiência entre os setores, tanto que o efeito nível foi bem alto nestas duas regiões (84,6% e 90,4%, respectivamente).


Bibliografia

PERUCHETTI, P. Papel da Produtividade do Trabalho no Diferencial e Renda per capita entre as Regiões Brasileiras: Uma Análise para o período entre 1995 e 2015. Dissertação de Mestrado, 2018.

VELOSO, F.; MATOS, S.; FERREIRA, P.; COELHO, B. O Brasil em comparações internacionais de produtividade: uma análise setorial. In: Bonelli, R; Veloso, F., Pinheiro, A. (Orgs.). Anatomia da Produtividade no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, p. 63-107, 2017

Este artigo faz parte do Boletim Macro IBRE de março de 2019. Leia aqui a versão integral do BMI Julho/19. 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 


[2] Para maiores detalhes da metodologia ver Peruchetti (2018).

[3] O efeito composição decorre da transformação estrutural que é inerente ao processo de desenvolvimento econômico de um país ou região. Em geral, o desenvolvimento dos países vem acompanhado por mudanças na participação relativa da agropecuária, indústria e serviços no emprego e no valor adicionado. Dessa forma, nos estágios iniciais de desenvolvimento há uma redução na participação relativa da agricultura e a indústria começa a ganhar importância. Com o passar do tempo, a participação relativa da indústria diminui e o setor de serviços começa a ganhar relevância.

[4] As informações estão disponíveis para o período de 2002 a 2016, pois referem-se aos dados pela ótica da produção (série retropolada até 2002) e que fazem parte do Sistema de Contas Regionais - referência 2010. Além disso, os dados são comparáveis entre si e integralmente compatíveis com o Sistema de Contas Nacionais - referência 2010 e com estimativas compatíveis com o manual System of national accounts 2008, SNA 2008. Os dados de produtividade estão expressos a valores de 2016, pois este é o último ano cuja informação de valor adicionado regional está disponível.

[5] Um valor positivo no efeito nível significa que determinado setor está produzindo de forma mais eficiente, elevando a produtividade por trabalhador. O contrário significa uma redução da produtividade por trabalhador. Um valor positivo do efeito composição em um determinado setor significa que ele está sendo um recebedor líquido de trabalhadores, enquanto um efeito composição negativo em determinado setor mostra que o percentual de trabalhadores alocados nele está caindo.

[6] Nesta análise consideramos a região Centro-Oeste com o Distrito Federal. A exclusão do Distrito Federal, conforme mencionado, muda o nível da produtividade da região Centro-Oeste, mas não a composição do crescimento.

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