Qual será o novo contrato social?
O período da socialdemocracia brasileira – os dois mandatos de FHC e os quatro do PT – gerou alguma estabilidade com crescimento econômico e, principalmente, avanços institucionais.
No entanto, esse período acabou em profunda crise que, como já tratamos inúmeras vezes nesta coluna, foi fruto do esgotamento de duas dinâmicas independentes, mas que se entrelaçaram: o contrato social da redemocratização e o intervencionismo petista.
A profundidade da crise deveu-se a essa associação e aos excessos absolutamente inauditos do intervencionismo, cujo símbolo maior foram os mais de U$ 100 bilhões que o Tesouro aportou ao BNDES. Valor superior, a preços de hoje, a todo o gasto do governo americano com o plano Marshall de reconstrução da Europa ocidental após a segunda guerra mundial.
Independente dos excessos do intervencionismo petista – produzido pela ideologia dos economistas heterodoxos que lideraram a formulação da política econômica entre 2006 e 2014 –, o experimento socialdemocrata brasileiro iria se esgotar. Poderia se reinventar, mas esta é outra história; a história que não foi.
Mas qual exatamente era o contrato? É útil caracterizá-lo para sabermos onde fez água. Adicionalmente, ajudará a enxergar para onde estamos indo. O argumento da coluna é que estamos a meio caminho da construção de um novo contrato – que pode ser, inclusive, uma reedição com ajustes do contrato socialdemocrata anterior. Adicionalmente, argumentarmos que uma maior aceleração da taxa de crescimento dependerá de melhor desenho do novo contrato. É ele que produzirá o horizonte para que o investimento retorne com mais força.
Assim, respondendo à pergunta do início do parágrafo anterior, o contrato vigente no período socialdemocrata de nossa jovem democracia tinha os seguintes elementos: crescimento contínuo do gasto público a taxas superiores à expansão da economia, para atender às demandas sociais (algumas expressas no texto constitucional e outras decididas ao longo do tempo, no mesmo espírito das anteriores); contínuo processo de elevação da carga tributária por meio de aumento de impostos indiretos (no primeiro momento alta de alíquota e, num segundo momento, ganhos de receitas, além do crescimento da economia fruto da formalização e do boom de commodities); liberdade para o Banco Central colocar a taxa de juros no nível necessário para manter o processo inflacionário contido.
Um longo e tortuoso processo desde a volta da democracia nos deu em 1999 o contrato social da redemocratização. Rigorosamente, ele vigorou sem grandes desequilíbrios até 2010. Foram, portanto, 11 anos de vigência plena. Os principais marcos dessa construção foram: a Constituição de 1988; o Plano Real de 1994; a renegociação da dívida dos Estados com a União de 1997; o enorme aumento da carga tributária em 1999, que permitiu a estabilização da dinâmica da dívida pública; a adoção do regime de câmbio flutuante e a instituição do regime de metas de inflação em 1999; a aprovação de Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000; e seguidos aumentos do salário mínimo real ao longo de todo o período, além da criação e expansão de diversos programas sociais.
O contrato começou a fazer água em 2011-2012, quando a taxa de crescimento da receita pública deixou de ser superior à expansão da economia e passou a ser normal, isto é, igual à do PIB. Adicionalmente, a sociedade deu sinais de que não aceitava novas rodadas de elevação da carga tributária. A expressão aritmética do fim do contrato foi a enorme “boca de jacaré” que se abriu entre o gasto público, que continuava a crescer a 6% real ao ano, e a receita. A crise fiscal sinalizava explosão da dívida pública e volta da inflação.
O conturbado processo eleitoral de 2014 impediu que o sistema político aceitasse a presidência do PT como árbitro da renegociação do contrato. Não haveria reconstrução do contrato com o PT na presidência. Este é o sentido profundo do impedimento de Dilma Rousseff. Com o PT na presidência, o sistema político nos jogaria na inflação novamente.
Com todas as dificuldades – de um governo não eleito, de Temer; e, agora, com um presidente eleito, Bolsonaro, que escolheu não operar nosso sistema político seguindo o livro-texto, mas sim inovar –, estamos construindo um novo contrato.
Aparentemente há a decisão de estabelecer alguma limitação para o crescimento do gasto público. Isto é a emenda constitucional 95. A reforma da Previdência é um item importante para reduzir o crescimento vegetativo do gasto obrigatório.
Existe ainda um elemento muito desequilibrado em nosso contrato, que são as obrigações que o setor público assumiu com servidores, principalmente dos Estados, nas carreiras de professores e policiais e assemelhados, além do gasto excessivo com as carreiras do Judiciário, Legislativo e Tribunais de Conta. Esse desequilíbrio será resolvido com maiores aumentos da carga tributária? Ou parte da expectativa de direitos será recontratada para os atuais servidores?
Finalmente, é necessário saber como os impostos serão reformados e se a carga tributária será elevada e/ou se as bases serão alteradas. Na agenda, temos a reforma tributária dos impostos indiretos – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS – com o objetivo de simplificação e redução do custo de conformidade. Mas essa agenda de diminuição do custo de conformidade deve promover também elevação da carga sobre os serviços e a redução da carga sobre a indústria. Adicionalmente, encontra-se na agenda a reformulação do Imposto de Renda: possivelmente redução na Pessoa Jurídica e inclusão, de alguma forma, dos dividendos no Imposto de Renda da Pessoa Física, com aumento da carga tributária sobre os regimes especiais, de Lucro Presumido e Simples. E pode haver alguma redução da contribuição patronal à Previdência, desonerando o contrato de trabalho do tipo CLT.
Enquanto esses elementos não estiverem minimamente estabelecidos, é quase impossível um empresário imaginar um fluxo futuro de caixa e precificá-lo para calcular uma taxa de retorno ou algo do gênero.
Assim, uma recuperação mais forte da economia, dependente da volta do investimento, ficará provavelmente mais para frente. No entanto, penso que, com o que temos hoje, é possível colocar a economia para rodar a 2,5% por alguns anos a partir de 2020.
Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de agosto de 2019.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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