Energia
Meio Ambiente

Quem tem medo da liberalização de mercado?

25 nov 2022

Se compromisso com transição energética justa é real, é preciso mudar regulação e política com base em evidências, mais que narrativa. Proposta de liberalização elétrica é bom começo, mas demanda cuidado na implementação.

Os dias recentes foram repletos de notícias e emoções, principalmente vindas do Egito e da Indonésia. Os resultados da COP 27 não são tão animadores. Os negociadores não conseguiram acordar aumento das metas de redução de emissões de gases de efeito estufa. Nas palavras de Frans Timmermans, vice-presidente e líder dos trabalhos para clima da Comissão Europeia, os resultados não representam avanço para as pessoas e para o planeta.

A reunião do G20, na Indonésia, por outro lado, trouxe mensagens mais fortes de repúdio à guerra na Ucrânia, condenando o uso (weaponization) de energia e alimentos como armas em tempos tão difíceis.  Na declaração dos líderes, documento oficial do encontro, há compromisso com os objetivos do SDG 7 e com fechar o gap de acesso a energia e erradicar a pobreza energética (parágrafo 12). Mais do que isso, o Bali Roadmap, estrutura para acelerar transição energética justa e inclusiva, se pauta por soluções que alcancem estabilidade, transparência e capacidade de pagamento (affordability) nos mercados de energia.

A renovação de compromissos que vem da Indonésia é uma mensagem poderosa nos tempos que vivemos, quando as crises de energia demandam e suscitam revisão e reformas para garantir luzes acesas e conforto térmico. A competição é instrumento para promover ganhos de eficiência.  Em mercados que passaram por reforma e abertura, comercializadoras contratam energia no atacado, revendendo-a a consumidores livres. A crença é de que tais reestruturações beneficiam usuários através de preços menores e inovação. Mas essa expectativa de ganhos tem sido colocada em xeque por algumas evidências na literatura.

A capacidade dos mercados entregarem resultados positivos é tema de artigo recente de Jenya Kahn-Lang, intitulado “Competition for (In)attention: Price Discrimination in residential electricity markets”. Nele, a autora analisa o comportamento dos preços experimentados por consumidores residenciais de energia em Baltimore, nos Estados Unidos.  Jenya mostra que as firmas que oferecem eletricidade para esse segmento de consumo cobram preços muito distintos desses usuários. Até aí tudo bem. Mas o problema é que a distinção (de tratamento) observada não pode ser explicada por diferenças no perfil ou risco de crédito dos clientes ou ainda nos custos de prover serviços. Outra distorção importante encontrada é que usuários de renda mais baixa pagam preços maiores do que aqueles que vivem em áreas mais abastadas/afluentes. As estratégias de marketing dos retailers (aqui equivalentes aos comercializadores) acabam penalizando mais quem tem bolso mais raso.

A desatenção e os elevados custos de se manterem informados quanto ao que existe no mercado ajudam a explicar uma certa inércia dos consumidores. Uma vez feita a opção por um vendedor, a troca é pouco frequente. Como o comercializador entende isso, explora os chamados custos de pesquisa; ou seja, de trocar de fornecedor em busca de melhores ofertas. Com frequência, as pessoas acham que não vale a pena ou não gastam tempo suficiente com esse tipo de tarefa, e pagam mais por isso, sendo as áreas de menor renda mais suscetíveis a esse comportamento.  (Você é capaz de pensar quando foi a última vez que trocou de banco ou de operadora de telefonia celular???)

A investigação de Jenya não é a única. Apenas, a mais recente. E útil para nossos próximos passos na rota da liberalização no Brasil. Como a reforma do setor elétrico ainda não foi aprovada no Congresso, o Ministério de Minas e Energia instaurou consultas públicas para aprimoramento de propostas de portarias normativas estabelecendo os marcos da abertura. A partir de 2024, todos os consumidores de alta tensão poderão contratar energia elétrica no mercado livre. Para a baixa tensão, o prazo de opção se inicia em 2026 (consumidores das classes comercial e outras) ou em 2028 (classes residencial e rural).

Para esclarecer, há sim benefícios em estender o direito de escolha ao maior número de usuários. Mas quando se confrontam estudos mais profundos e sólidos, caem por terra os argumentos avançados pelas consultorias e lobbies de que a #portabilidade da conta de luz é a solução para todos os males.

Mesmo em mercados estabelecidos, abundam evidências de falhas de implementação de reformas. Esse foi o caso da onda de frio extremo no Texas, quando milhares de consumidores se depararam com contas de luz astronômicas. Intervenções regulatórias frequentes em tempos de crise também não raro levam a falências de comercializadores cujas carteiras de clientes precisam ser transferidas, como se viu recentemente no Reino Unido. E grupos de renda menor são os mais atingidos.  Será que a proposta de modelo de “auto-regulação” na comercialização é suficiente? Se não for, o alto risco precificado vai parar no colo de alguém.

Equidade é uma preocupação ascendente na agenda de prioridades de pessoas e afeta políticos e negociadores, como retratam as negociações na COP 27 e na reunião do G20 em Bali. Se o compromisso com uma transição energética justa é real, fundamental informar mudanças na regulação e política pelas evidências - mais do que pela narrativa. A proposta de liberalização de mercados de eletricidade é um bom começo, mas demanda cuidado na implementação.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.