A recuperação dependerá da política econômica
O mundo inicia um debate mais objetivo a respeito dos estímulos para a fase de recuperação econômica. No Brasil, esse tema ainda é incipiente em função dos problemas de controle da contaminação. Ao mesmo tempo, é inevitável discutir o assunto, pois os governos parecem cada vez mais fragilizados e incapazes de coordenar as políticas de distanciamento social. A tendência, certa ou errada, é de convivência com o vírus.
Os sinais de recuperação surgiram depois do abrandamento das restrições junto às atividades econômicas. A indústria voltou a se expandir em relação à queda vertiginosa de março e abril. De todo o modo, o caminho ainda é longo: a expansão de 7% em relação ao mês passado, contrasta com o nível de produção 21,9% abaixo do mesmo mês do ano anterior. A indústria de bens de capital que se expandiu à taxa de 28,7%, ainda se encontra 39,3% abaixo do nível do ano passado.
Outros indicadores trarão alguma pista sobre a intensidade da recuperação, mas devem ser vistos com cautela. Existem muitos estímulos acontecendo, rearranjos setoriais que refletem mudanças na composição da demanda e da oferta e efeitos estatísticos que podem surpreender. Em função dessas distorções, é preciso ter cuidado para que uma recuperação inicial desvie atenção das fragilidades e das sequelas que a crise pode legar.
Com a preocupação de que a retirada prematura dos estímulos possa abortar uma recuperação digna de receber esse nome, economistas do Peterson Institute for International Economics, liderados Olivier Blanchard, defenderam uma estratégia de saída gradual dos estímulos. Assim, os programas de lay off deveriam reverter gradativamente os percentuais de redução de jornada e complementação governamental para que o mercado de trabalho seja capaz de absorver as mudanças estruturais resultantes da crise.
Os programas de transferência de renda devem ter abrangência e valores reduzidos de forma gradual para que as pessoas não fiquem desassistidas. Os programas de crédito desenvolvidos para lidar com a crise também devem ser oferecidos por um período mais prolongado, mas com subsídios fiscais reduzidos ao longo do tempo. Os setores mais atingidos e que demorarão para se recuperar devem receber uma atenção especial.
O ponto nevrálgico, no entanto, está na reestruturação das empresas. A lei de falências permite que credores e devedores se organizem para buscar uma solução onde todas as partes ganhem: a empresa sobrevive, devedores recuperam parte da dívida que seria perdida. Em algumas situações, é possível que os acionistas percam o controle ou precisem injetar recursos próprios na empresa. Em geral, essas soluções são eficientes para mitigar a perda de capital da economia.
A sugestão dos pesquisadores é que o governo aceite a mesma redução de dívida (nos impostos e operações de crédito) acertada no setor privado, assumindo uma postura passiva na negociação. A experiência com as mudanças nos procedimentos de restruturação de dívidas com vistas a sua aceleração durante a pandemia tem sido muito confusa com elevada judicialização. Mas, em geral, elas envolvem apenas redução de quórum e simplificação de procedimentos para o fechamento dos acordos.
Esse tema voltou à tona em uma conferência na Brookings Institution. A principal conclusão foi que os mecanismos convencionais de reestruturação de empresas são insuficientes para lidar com o problema de uma onda de falências e que o governo deve criar mecanismos que reduzam seus custos financeiros e amplie o acesso às políticas de crédito.
Esse arcabouço parece ainda mais limitado para a nossa realidade em função da já reduzida eficácia desse instrumento e a elevada insegurança jurídica nas relações com os órgãos de controle. Uma forma mais direta e com resultados potencialmente análogos para tratar o problema seria criar incentivos tributários para emissão de dívida e de ações para fortalecer a estrutura de capital das empresas. Posteriormente, seria possível elevar a tributação sobre os ativos das empresas beneficiadas pela política.
Em nenhuma dessas propostas há uma solução mais estrutural para o tema das micro e pequenas empresas. Nesse caso, o trabalho de fazer o crédito chegar na ponta parece ser o principal desafio e a melhor solução. Os programas de crédito não foram capazes de oferecer uma travessia durante a pandemia, mas podem ser a porta de saída para uma recuperação mais forte.
O debate brasileiro sobre as estratégias de saída ainda não se preocupou em tratar especificamente das sequelas da crise. O formato da recuperação dependerá muito das possibilidades de retomada do emprego e do apetite por investimentos, mas ainda não há segurança de que as políticas públicas existentes promoverão isso. A recuperação econômica é uma escolha que ainda precisa ser feita.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 08/07/2020, quarta-feira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Referências:
Blanchard, O., Phillipon, T. e Pisani-Ferry (2020). “A new policy toolkit is needed as countries exit COVID-19 lockdonws”. Policy Brief 20-8. Disponível em: https://www.piie.com/publications/policy-briefs/new-policy-toolkit-needed-countries-exit-covid-19-lockdowns
Brunnermeier, M. e Krishnamurthy, A. (2020). “Corporate debt overhang and credit policy”. BPEA, edição 2020: COVID-19 and the economy. Disponível em: https://www.brookings.edu/events/webinar-special-edition-bpea-2020-covid-19-and-the-economy/
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