Macroeconomia

Recuperação econômica terá de vir pelo lado da oferta

14 mai 2019

A despeito do expressivo impulso monetário fornecido pelo Banco Central - a taxa Selic foi reduzida de 14,25% em outubro de 2016 para 6,5% em março de 2018, nível que se mantém até hoje, e a taxa real de juros de curto prazo, medida pelo swap real de 360 dias, veio da faixa de 6,5% a 7,0% ao ano, no final de 2016, para menos de 3,0% ao ano desde fins do ano passado -, a economia brasileira reuniu forças para crescer apenas 1,1% tanto em 2017 quanto em 2018, marca da qual dificilmente nos distanciaremos expressivamente no corrente ano. Nesse ritmo, conseguiríamos recuperar o pico prévio da atividade econômica, atingido antes do quadro recessivo de 2014-16, somente em meados de 2023. 

Essa questão de crescimento econômico medíocre não é nova. Na verdade, vem de longa data. Mais precisamente, dos anos 80. No período compreendido entre 1980 e 2018, o ritmo médio de crescimento do PIB per capita ficou em apenas 0,9% ao ano. São praticamente quatro décadas de resultado econômico muito pobre.

Curiosamente, nas seis décadas anteriores aos anos 80, ou seja, entre 1920 e 1979, nosso desempenho econômico havia sido muito bom. Em termos per capita, o crescimento do PIB foi de 3,7% ao ano.

Seguindo prática largamente utilizada pelos estudiosos do crescimento, podemos decompor o crescimento per capita de determinada economia entre o crescimento da produtividade do trabalho, aqui definida como a relação entre PIB e população ocupada, e a evolução da razão entre população ocupada e população total.

Exercício desse tipo permite notar que, no decorrer das décadas de 50, 60 e 70, por exemplo, a produtividade apresentou crescimento expressivo, especialmente nos anos 50 e 70 (4,1% e 4,0%, respectivamente). E isso é exatamente o que explica as robustas taxas médias de expansão do PIB per capita daqueles períodos (4,0% e 5,8%, respectivamente).

O contraste com tempos mais recentes é gritante. Como vimos acima, entre 1980 e 2018, enquanto o PIB per capita cresceu ao já mencionado ritmo de 0,9% a.a., a produtividade avançou apenas 0,5%. Desta forma, os ganhos de produtividade não apenas podem variar expressivamente de um período para outro, como constituem o principal fator determinante do comportamento do PIB per capita. Daqui por diante, tal observação torna-se ainda mais verdadeira, pois, como anunciado recentemente pelo IBGE, a população em idade ativa crescerá em ritmo inferior ao da população total, caracterizando o fim do chamado bônus demográfico.

Do exposto até aqui é possível depreender que o crescimento econômico pífio das últimas quatro décadas é um problema de produtividade. Em outras palavras, a chave para recuperarmos o dinamismo econômico de outros tempos reside em políticas voltadas para o aumento dos ganhos de produtividade.

E quanto ao curto prazo? Que medidas poderiam ser tomadas com o objetivo de dar mais velocidade ao processo de recuperação cíclica da economia brasileira? Que espaço existiria para políticas de administração de demanda?

A nosso ver, inexiste esse espaço. Ele está esgotado. No terreno fiscal, parece impensável qualquer possibilidade de estímulo. Os motivos são óbvios. No campo monetário, aparentemente chegamos ao limite, ou muito perto disso, dado o compromisso oficial com o cumprimento das metas de inflação. Ademais, atividade econômica não depende apenas de juros, como claramente demonstra a experiência internacional recente.

Diante disso, não parece exagero argumentar que questões de curto prazo se confundem agora com questões de longo prazo, ou seja, os problemas têm de ser atacados pelo lado da oferta.

Indiscutivelmente, a reforma da Previdência é fundamental. Contudo, mesmo na hipótese de ser aprovada em escala robusta, ela não será suficiente para assegurar a recuperação econômica. Em essência, Previdência tem a ver com riscos à sustentabilidade da dívida pública, ou seja, com o risco país. E isso é muito. Mas não é tudo. Entraves objetivos à recuperação econômica persistirão após eventual aprovação da reforma, e precisarão ser removidos, sempre de olho no aumento da produtividade.

Uma infraestrutura de melhor qualidade seguramente ajudaria muito na recuperação da produtividade. Concessões e privatizações devem ser vistas como prioritárias, pois aumentam o espaço do setor privado na economia (o que por si só tende a elevar a produtividade) e não envolvem dispêndio público. Pelo contrário, trazem receita para o governo.

Recentes medidas governamentais, reunidas na chamada MP da Liberdade Econômica, por tratarem da melhora do ambiente de negócios no país, estão certamente na direção correta, o mesmo podendo ser dito a respeito das preocupações oficiais com a simplificação do sistema tributário e com a redução do custo para contratar mão de obra. A elevada parcela observada de empregos informais sobre empregos totais, atualmente em torno de 43%, representa enorme problema social e contribui expressivamente para a baixa produtividade agregada do trabalho no país. E deixa clara a relevância de medidas voltadas para facilitar a formalização do emprego.

Desnecessário ressaltar outros importantes objetos específicos da ação do setor público. O fundamental é notar que o imperativo no Brasil de hoje é simplificar a vida e reduzir o custo de quem se dedica a mobilizar recursos para fins produtivos. Em outras palavras, recuperação econômica pelo lado da oferta é a nossa única esperança.

No entender de muitos analistas, o Brasil é um país que não se mostra especialmente vulnerável. Afinal, temos quase US$ 400 bilhões de reservas internacionais e um setor externo relativamente equilibrado. Grande engano. Somos bastante vulneráveis. E nossa principal fonte de vulnerabilidade é justamente a mediocridade das nossas taxas de crescimento econômico. A confiança dos investidores (domésticos e internacionais) no Brasil somente será efetivamente restabelecida na medida em que recuperemos nossa capacidade de crescer. Justamente por isso é preciso correr para destravar o processo produtivo.

Mas não será fácil. Primeiro, porque não se conhecem as defasagens de políticas públicas voltadas para estimular a oferta, ao contrário do que ocorre com políticas de administração de demanda, fiscais ou monetárias. Em quanto tempo, por exemplo, e em que medida, decisões na linha da MP da liberdade econômica produzirão efeito? Não sabemos. Segundo, e ainda mais grave, é difícil identificar os fatores que efetivamente representam entraves à produção, ou seja, os realmente binding. Crescemos pouco porque a carga tributária é elevada? Seria porque o sistema tributário é excessivamente complexo? Ou talvez porque a burocracia nos asfixia? Não sabemos.

O exemplo do México é ilustrativo. De maneira coerente com a ideia de que estabilidade macroeconômica é importante para o crescimento, os mexicanos têm mantido a inflação em patamar modesto (cerca de 4,5% a.a., em média, desde o ano 2000) e o setor externo razoavelmente equilibrado (déficit em conta corrente em torno de 1,5% do PIB, também desde 2000). Além disso, fiéis ao princípio de que abertura comercial é algo bom para a economia, os mexicanos assinaram vários acordos comerciais e, principalmente, desde os anos 90, “plugaram-se” na economia dos Estados Unidos, celebrando o NAFTA, recentemente rebatizado. Lamentavelmente, não funcionou como esperado. Nos últimos quase 20 anos, o México cresceu perto de 1,0% ao ano, em média, em termos per capita, e a produtividade do trabalho mostra-se praticamente estagnada.

No começo da década passada, William Easterly, por alguns anos economista do Banco Mundial, lançou um livro fascinante. Chama-se The Elusive Quest for Growth. Nesse livro, Easterly deixa clara a enorme dificuldade que os economistas e homens públicos em geral têm encontrado na identificação dos fatores que efetivamente limitam o crescimento econômico das nações. Houve época em que se acreditava na eficácia de ajuda externa. Outra em que se imaginava que controle populacional seria a chave do crescimento. Chegou-se a pensar também que investimentos maciços em Educação resolveriam a questão. Invariavelmente, colheu-se muita frustração. Por certo, investir em Educação é algo que tem de ser feito em caráter permanente. Contudo, não se deve esquecer que outras coisas têm de acontecer ao mesmo tempo, em termos de estímulos à acumulação de capital e à absorção de tecnologia, de modo a evitar que recursos humanos qualificados acabem subaproveitados.

Essas observações finais devem ser vistas como um alerta para a ilusão de se imaginar que uma única estratégia, ou uma única reforma, será capaz de promover o resgate de nossa capacidade de crescer. O atingimento desse objetivo exigirá muito esforço, paciência e um bom número de reformas profundas e abrangentes.  


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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