Macroeconomia

Reflexos da pandemia na pauta econômica

7 abr 2021

O Brasil vive um momento dramático em muitos aspectos: sanitário, social, econômico e político-institucional. A desesperança atinge milhões de brasileiros. O desespero se abate sobre aqueles diretamente atingidos pelas diversas dimensões da crise.
 

Em outras quadras difíceis da história, o Brasil já soube superar obstáculos que, para muitos contemporâneos, pareciam intransponíveis. É fundamental, portanto, refletir sobre a atual encruzilhada com serenidade, sem ilusões, mas também sem ignorar os avanços civilizatórios das últimas décadas.
 

Antes da chegada do novo coronavírus, a economia brasileira já enfrentava desafios importantes em termos de concluir a estabilização macroeconômica e imprimir à atividade um ritmo aceitável de crescimento, que tornasse possível manter o aprimoramento social da primeira década deste século.
 

Com a pandemia, entretanto, o cenário piorou radicalmente. A economia recuou fortemente em 2020 e o equilíbrio fiscal se fragilizou pela necessidade de criar programas de apoio a empregos e famílias, com destaque para o auxílio emergencial. Agora, com a fortíssima segunda onda da Covid, a situação da atividade econômica e das contas públicas ficou ainda mais delicada.
 

A prioridade máxima, portanto, é superar a pandemia para poder reativar a economia. Dessa forma, a vacinação é o principal pilar de uma política econômica bem-sucedida neste momento. A situação é crítica porque as contaminações e mortes continuaram acontecendo em nível elevado, em países como o Chile, mesmo em etapas bem avançadas da imunização. Isso não quer dizer absolutamente que haja dúvida sobre a centralidade da vacina no momento atual. Pelo contrário, é uma indicação de que não há tempo a perder, porque a superação da pandemia pela vacinação pode ser mais demorada do que se julgava. No meio-tempo, claro, o uso de máscaras e um isolamento social bem estruturado são as armas a serem empregadas para minorar a crise sanitária.
 

Uma segunda questão urgente é o apoio àqueles que perderam ou perderão suas fontes de renda nessa nova fase, bem mais devastadora, da doença. É duvidoso que R$ 44 bilhões ao longo de 4 meses para os trabalhadores informais, tal como foi orçado o novo auxílio emergencial, sejam suficientes para atenuar o impacto socioeconômico dessa nova onda de propagação da Covid-19 no setor privado, cuja recuperação deve ser em grande parte abortada. É importante destacar que não há recursos orçados para programas de apoio a trabalhadores formais ou para empresas.
 

Como detalhado em recente artigo no Blog do IBRE por Fernando Veloso, pesquisador do FVG IBRE, a pandemia afeta principalmente os trabalhadores com menor proteção social e baixa escolaridade. Enquanto o emprego formal recuou 4,2% em 2020, o informal teve queda de 12,6%. Houve recuo de 20,6% no emprego de pessoas com até 3 anos de estudo, e de 15,8% para os de escolaridade entre 4 e 7 anos. Já para o grupo com mais de 15 anos de estudo, ocorreu um aumento de 4,8% do emprego no ano passado. Em 2021, mesmo com quarentenas não tão amplas e rígidas como as de março a maio de 2020, é certo que o emprego dos mais vulneráveis será de novo desproporcionalmente atingido. 
 

Também é importante destacar que a aceleração mais forte das infecções e mortes da segunda onda é recente. Quando a nova fase de apoio aos grupos necessitados foi discutida e desenhada, culminando nessa nova rodada do auxílio emergencial, não se tinha noção de que a situação sanitária e socioeconômica se tornaria tão crítica. Dessa forma, fica no ar a possiblidade muito real de que o apoio financeiro àqueles com dificuldades tenha que ser ampliado e prolongado.
 

O que nos traz ao terceiro grande nó do momento brasileiro: a questão fiscal. A Emenda Constitucional 109 (EC emergencial), com todos os seus muitos problemas, amplamente dissecados pelos analistas, ainda assim contribuiu para que a emenda do teto de gastos se sustente nos próximos anos. Muito se discute sobre as diversas formas de contornar o teto de gastos, como capitalizações de estatais (que estão de fora), ou o crédito extraordinário este ano para viabilizar o novo auxílio emergencial (extrateto), ou ainda a subestimação de despesas e os cortes não sustentáveis de gasto obrigatório para dar espaço a mais emendas parlamentares na votação do orçamento de 2021.
 

No entendimento desta Carta, no entanto, fora algum subterfúgio grosseiro e acintoso que desmoralizasse totalmente a emenda do teto, contornos e adaptações como os que ocorreram até agora não neutralizam a principal função do dispositivo, que é a de ser a âncora fiscal eleita pelo mercado como principal alicerce da solvência pública no Brasil. Na verdade, não existem níveis de gasto ou de tamanho da dívida pública que automaticamente deflagrem a fuga dos papéis do governo. Há um importante componente psicológico dos agentes econômicos em relação à confiança na higidez do setor público, e, hoje no Brasil, a manutenção formal do teto de gastos vem cumprindo esse papel. 
 

A EC emergencial, recém-promulgada, complementou a arquitetura do teto, ao criar um gatilho para o acionamento das medidas de contenção de despesas obrigatórias – como a proibição de aumentos salariais e contratações – quando estas ultrapassarem 95% do gasto total. Segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), esse limite não deve ser atingido antes de 2025. No caso dos estados e municípios, os gatilhos são acionados quando as despesas correntes ultrapassarem 95% das receitas correntes. O acionamento é facultativo, mas o ente federativo não pode ter garantia ou crédito da União ou de qualquer organismo público se não acionar os gatilhos a partir daquele limite.
 

A emenda da emergência fiscal ainda prevê o envio pelo Executivo de um plano gradual de redução das isenções tributárias, do nível atual de aproximadamente 4% do PIB para 2% em 8 anos. E também regulamenta as condições para a vigência do regime de calamidade pública, e trata de temas como avaliação de políticas públicas, precatórios e parâmetros para a sustentabilidade da dívida pública nos diversos níveis da Federação.
 

Como se notou acima, a manutenção do teto de gastos, mesmo que formal e com alguns contornos e adaptações, é o que ancora no momento as expectativas fiscais. Mas não se quis dizer que esse seja um arranjo sólido. Na verdade, trata-se de equilíbrio instável, tendo em vista a também mencionada possibilidade de que o agravamento da pandemia torne imprescindível ampliar as medidas de apoio aos mais vulneráveis, além das despesas diretas com a emergência sanitária.
 

Assim, a pauta do momento tem necessariamente de ser imediatista e lidar com uma nova rodada de negociação de medidas urgentes de contenção dos danos sanitários, econômicos e sociais da pandemia. Esse rearranjo envolve Executivo, Legislativo e os agentes econômicos. É preciso equacionar a necessidade social com os limites fiscais, de forma a minimizar o padecimento dos vulneráveis e não comprometer a solvência pública nem causar turbulências prejudiciais à atividade econômica. O precário equilíbrio entre essas diversas variáveis será de novo posto à prova.
 

Isso não quer dizer, entretanto, que o governo deva se paralisar em todas as frentes. Há toda uma agenda de avanços menos custosos politicamente, em temas como regulação, investimentos de infraestrutura, parcerias público-privadas etc. Nada impede que essa agenda continue a andar, melhorando as condições para a almejada retomada da economia.
 

Um tema, finalmente, merece destaque e atenção especiais: a educação brasileira, já tão deficiente, e que teve uma péssima gestão durante a pandemia. Segundo relatório da Unicef, entre 200 países, o Brasil ficou na 196a posição em termos de dias em que as escolas ficaram totalmente fechadas por causa da pandemia, considerando-se o período de 11 de março de 2020 até 2 de fevereiro de 2021. Foram 191 dias no Brasil, segundo a Unicef, comparado a uma mediana de 67 dias para o conjunto de 200 nações. Em países como Estados Unidos, Suécia e Austrália, o número de dias com escolas totalmente fechadas foi zero.
 

As consequências dessa drástica e prolongada interrupção no Brasil dos estudos de crianças e adolescentes, especialmente entre os mais pobres, devem ser profundas e duradouras, como vêm apontando diversos especialistas. A já sofrível qualidade da educação brasileira, um dos maiores empecilhos ao desenvolvimento do país, sofre um novo e duro golpe. Os dados da Unicef são também sintomáticos de como a educação é pouco prioritária no Brasil, comparada com outras atividades cujos lobbies a favor da reabertura na pandemia se mostraram muito mais fortes e eficazes. Um programa para remediar da melhor forma possível essa defasagem educacional causada pela pandemia, portanto, deveria também integrar a agenda das prioridades nacionais máximas neste momento.  
 


O texto é resultado de reflexões apresentadas em reunião por pesquisadores do IBRE. Dada a pluralidade de visões expostas, o documento traduz minhas percepções sobre o tema. Dessa feita, pode não representar a opinião de parte, ou da maioria, dos que contribuíram para a confecção deste artigo.

Esta é a Carta do Ibre de abril de 2021, publicada na revista Conjuntura Econômica do mesmo mês.

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