Reforma política e sustentabilidade fiscal
No começo de outubro foi promulgada a Emenda Constitucional 97 (EC 97/2017), mais conhecida como a “reforma política”. As principais novidades foram a vedação das coligações partidárias nas eleições proporcionais e o estabelecimento de uma cláusula de barreira para que os partidos possam acessar o fundo partidário e o tempo gratuito de propaganda no rádio e na televisão.
Em relação a algumas propostas que vinham sendo discutidas (como o famigerado distritão), a reforma aprovada acabou “saindo melhor do que a encomenda”, como bem apontou o cientista político Marcus Mello em artigo recente na Folha – ainda que o timing de implementação seja relativamente longo, começando em 2018/2020 e se estendendo até 2030 (Veja mais detalhes).
Não sou cientista político, mas avalio que essa reforma foi extremamente importante, não somente para tentar atacar a crise de representatividade da política brasileira, mas também pelas implicações favoráveis que ela pode gerar sobre as finanças públicas nos próximos anos e décadas.
Antes de me aprofundar nisso, é importante fazer uma breve contextualização. O Brasil é, atualmente, o campeão mundial da fragmentação político-partidária: são cerca de 30 partidos com representantes no Congresso. Essa posição brasileira se mantém mesmo quando se leva em conta o número efetivo de partidos políticos, que é de cerca de 11 em nosso país (contra uma média em torno de 4 no mundo). O número efetivo de partidos, vale notar, é um indicador mais representativo da correlação de forças atuando no Congresso, ao dar pesos diferentes para partidos com bancadas de tamanhos distintos.
O gráfico abaixo mostra a evolução do número de partidos efetivos no Brasil desde o começo dos anos 80. Os dados foram extraídos da excelente base de dados econômicos/políticos/institucionais do QoG (The Quality of Government Institute), da Universidade de Gotenburgo.
Como pode ser notado, houve um salto expressivo do número efetivo de partidos na primeira eleição ocorrida após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF88). Esse número, já alto para os padrões internacionais, se manteve relativamente estável durante toda a década de 1990 e no começo da década seguinte. Muito provavelmente isso se deveu ao fato de que, em 1995, foi aprovada a Lei 9.096 (Lei dos Partidos Políticos), regulamentando o artigo 17 da CF88. Essa lei definiu uma cláusula de barreira que teria validade a partir das eleições de 2006.
Não obstante, naquele mesmo ano de 2006, o STF julgou a Lei 9.096 como inconstitucional. A partir de então, o número efetivo de partidos políticos no Congresso voltou a se elevar. Vale notar que as eleições municipais de 2016, que tiveram como um dos principais resultados o encolhimento expressivo de um grande partido, o PT e o aumento da participação de diversos partidos pequenos/médios (como o PRB, o PCdoB e o PHS), antecipam um número efetivo de partidos ainda maior no Congresso que será eleito em 2018.
A reforma política aprovada no começo deste mês, contudo, muito provavelmente irá gerar uma inflexão dessa trajetória nos próximos anos. O número total de partidos poderá cair de cerca de 30 para pouco mais de 10 em 2030, com redução expressiva também do número de partidos efetivos (talvez pela metade).
E aí volto, finalmente, para a economia: livro recém-lançado pelo FMI, Fiscal Politics, traz uma coletânea de diversos estudos relacionando o ambiente político-institucional dos países com seus indicadores fiscais (eis o link de uma apresentação-resumo do livro).
No capítulo 9 (Fragmented politcs and public debt), os autores apontam a existência de uma relação de causalidade entre a fragmentação político-partidária e a dinâmica da dívida pública. Quanto maior a fragmentação, pior a dinâmica do endividamento do governo. E esse efeito é magnificado pelo grau de corrupção.
No capítulo 2 (Governments and Promised Fiscal Consolidations: Do They Mean What They Say?), os autores apontam que a probabilidade de que os governos cumpram as promessas de consolidação fiscal está associada positivamente a uma maior coesão política, a uma menor proximidade de períodos eleitorais e a uma maior transparência das finanças públicas. A redução da fragmentação político-partidária, dentre outros aspectos, tende a facilitar uma maior coesão política.
Desse modo, caso não seja derrubada pelo STF, a reforma política recém-aprovada no Brasil, além de aprimorar a estabilidade política, também poderá ajudar a melhorar a sustentabilidade fiscal brasileira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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