A retração do investimento público
Sabe-se que a redução dos investimentos públicos contribuiu fortemente para o ciclo de declínio da construção (de 2014 a 2018). Houve uma conjunção de fatos negativos como o fim das obras relacionadas à Copa do Mundo e Olimpíadas, que veio se somar aos impactos da operação Lava a Jato e ao agravamento da situação fiscal em grande parte dos municípios, dos estados e na União.
O efeito final foi especialmente negativo para o investimento em infraestrutura, que já estava abaixo do patamar mínimo necessário para recompor a depreciação do capital e encolheu mais ainda.
A Pesquisa Anual da Indústria da Construção (PAIC) mostra o impacto da redução dos investimentos públicos no setor: entre 2014 e 2018, o valor das obras ou serviços realizados pelas empresas da construção caiu nominalmente 31%. No entanto, enquanto o valor das obras para as entidades privadas teve queda de 27%, para as entidades públicas, a redução alcançou 38%. Como os investimentos privados caíram menos, a importância do governo no total das obras realizadas foi reduzida: passou de 34% em 2014 para 31% em 2018.
A diminuição dos investimentos públicos afetou todos os segmentos setoriais, mas na infraestrutura, o valor das obras/serviços foi reduzido em 44% no período em tela, causando um encolhimento da participação do governo nas obras do segmento, que saiu de 52% para 50%. De todo modo, pode-se observar que mesmo com a queda expressiva das contratações na infraestrutura, o setor público continua muito importante como demandante de obras.
No segmento de edificações, a participação dos investimentos públicos é bem menor, mas relevante. Entre 2014 e 2018, essa participação passou de 23% para 22% do valor das obras/serviços. Possivelmente essa redução esteja relacionada ao Programa Minha Casa Minha Vida. Na faixa 1 do programa, a produção das unidades é contratada pelo governo Federal e vem diminuindo expressivamente desde 2014.
As Contas Nacionais Trimestrais, assim como a Sondagem da FGV, apontaram uma tímida recuperação da construção em 2019, impulsionada por investimentos privados. Vale notar que as estimativas da InterB. indicam que a participação dos investimentos em infraestrutura continuou em queda, alcançando 1,67% do PIB, o que significa que o setor privado não tem conseguido substituir o investimento público.
De todo modo, a despeito do encolhimento do mercado, o governo ainda tem grande relevância para as empresas como contratante. A Sondagem da Construção realizada em setembro último procurou dimensionar essa importância entre as empresas da pesquisa. O resultado mostra que um número significativo (31%) possui obra pública.
Como seria de esperar, entre as empresas de Obras Viárias e Obras de Arte Especiais (pontes, viadutos, túneis etc), o percentual com contratante público supera 50%.
Sondagem da Construção – Obras públicas, setembro - Assinalações (%)
|
A empresa possui obras públicas? |
|
|
SIM |
NÃO |
Setor da Construção |
30,9 |
69,1 |
Preparação do Terreno |
28,8 |
71,2 |
Edificações |
25,9 |
74,1 |
Obras Viárias |
53,8 |
46,2 |
Obras de Arte Especiais + Obras de Outros Tipos |
57,3 |
42,7 |
Obras de Montagem |
11,5 |
88,5 |
Obras de Infraestrutura para Engenharia Elétrica e para Telecomunicações |
34,5 |
65,5 |
Obras de Instalações |
24,7 |
75,3 |
Obras de Acabamentos |
5,3 |
94,7 |
Fonte: FGV IBRE
Os principais contratantes de obras públicas são os municípios e, em seguida, os estados. Mas vale notar que os municípios repassam recursos dos estados e da União, com contrapartidas próprias. Assim eles são a face mais visível da contratação para as empresas.
A importância dos municípios pode estar relacionada também ao ano eleitoral, o que estaria contribuindo para a rápida recuperação e superação do patamar pré-pandemia da atividade dos segmentos de infraestrutura, como tem mostrado a Sondagem da Construção (ver artigo A recuperação surpreendente da construção).
Sondagem da Construção – Obras públicas, setembro - Assinalações* (%)
|
Contratantes |
||
|
Município |
Estado |
União |
Setor da Construção |
67,6 |
60,3 |
35,5 |
Preparação do Terreno |
68,9 |
51,1 |
28,7 |
Edificações |
72,5 |
52,4 |
35,2 |
Obras Viárias |
59,8 |
67,0 |
42,0 |
Obras de Arte Especiais + Obras de Outros Tipos |
71,1 |
67,6 |
42,1 |
Obras de Infraestrutura para Engenharia Elétrica e para Telecomunicações |
45,9 |
89,1 |
39,5 |
Obras de Instalações |
64,4 |
44,9 |
22,4 |
(*) Quesito permite assinalar nas três opções
Fonte: FGV IBRE
Vale notar que 27% das empresas possuem alguma obra parada, ou seja, o problema afeta cerca de 8% das empresas. A maior dificuldade está entre as empresas do segmento de Obras de Arte Especiais, com percentual acima da média e com mais assinalações de tempo de paralisação superior a um ano.
Sondagem da Construção – Obras públicas, setembro - Assinalações (%)
|
Obra está paralisada |
Maior tempo de paralisação da obra |
|||
|
SIM |
NÃO |
Menos de seis meses |
Entre seis meses e um ano |
Mais de um ano |
Setor da Construção |
26,9 |
73,1 |
46,0 |
29,0 |
25,0 |
Preparação do Terreno |
30,2 |
69,8 |
100,0 |
0,0 |
0,0 |
Edificações |
25,9 |
74,1 |
37,5 |
29,7 |
32,8 |
Obras Viárias |
26,0 |
74,0 |
7,9 |
52,0 |
40,1 |
Obras de Arte Especiais + Obras de Outros Tipos |
38,2 |
61,8 |
23,6 |
18,9 |
57,5 |
Obras de Infraestrutura para Engenharia Elétrica e para Telecomunicações |
13,8 |
86,2 |
46,6 |
53,4 |
0,0 |
Obras de Instalações |
31,8 |
68,2 |
65,9 |
34,1 |
0,0 |
Fonte: FGV IBRE
Sondagem da Construção – Obras públicas, setembro - Motivos da Paralisação, assinalações* (%)
|
Técnico |
Ambiental ou judicial |
Órgãos de controle |
Abandono pela empresa |
Orçamentário/financeiro |
Outros |
Setor da Construção |
17,2 |
7,4 |
4,2 |
0,0 |
56,5 |
28,7 |
Preparação do Terreno |
21,8 |
33,8 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
44,4 |
Edificações |
12,6 |
5,2 |
3,8 |
0,0 |
75,9 |
17,7 |
Obras Viárias |
33,4 |
11,8 |
10,6 |
0,0 |
57,6 |
8,0 |
Obras de Arte Especiais + Obras de Outros Tipos |
43,7 |
16,8 |
12,8 |
0,0 |
52,3 |
21,7 |
Obras de Infraestrutura para Engenharia Elétrica e Telecomunicações |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
100,0 |
0,0 |
Obras de Instalações |
20,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
80,0 |
(*) Quesito permite assinalar nas três opções
Fonte: FGV IBRE
A recuperação do investimento em construção precisa ser parte essencial da agenda do crescimento. A expansão dos investimentos privados deve ganhar ritmo com o crescimento do mercado imobiliário, mas também com a aprovação do marco regulatório do saneamento. No entanto, no caso do saneamento, esse ciclo levará tempo para impactar a atividade.
Assim, a possibilidade de uma agenda com maior protagonismo do investimento público tem sido uma das alternativas atualmente em discussão para que o país possa alcançar taxas de crescimento mais expressivas, além da necessidade de recompor minimamente o capital da infraestrutura. <
No entanto, a contratação de novos projetos pelo setor público levaria ainda mais tempo do que os projetos privados para gerar emprego e renda na economia. Isso significa que essa agenda precisa considerar a retomada de obras paradas. Como mostra a sondagem, o problema atinge todas as esferas do governo. A maior parte das obras estão paralisadas por questões financeiras. Mas vale o destaque também para os problemas de ordem técnica, resultado da falta de bons projetos.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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