Fiscal

Revisão de gasto pode economizar até R$ 700 bilhões em dez anos

9 nov 2022

Reforma administrativa, fusão de políticas sociais e reforma ou eliminação do abono salarial são medidas que fazem sentido em termos de melhora do setor público e podem trazer economia fiscal de até R$ 700 bilhões em dez anos.

O debate em torno do orçamento público do próximo ano é intenso e tem sido pautado pela prorrogação de amplo conjunto de despesas e novas promessas, notadamente as de caráter social. Independente do mérito que a adequação do orçamento para 2023 desperte nos analistas econômicos, o quadro fiscal para os próximos anos deve sinalizar uma trajetória de sustentabilidade da política fiscal, ao mesmo tempo em que contribua para a ancoragem das expectativas dos agentes econômicos.

É nesse contexto, em que o mix de política fiscal importa, que medidas e sinalizações pelo lado do gasto precisam ser avaliadas. Quanto mais acertada forem as ações que busquem reduzir privilégios, ineficiências e captura do orçamento público, naturalmente maior a qualidade e o resultado econômico de conduzir uma reforma tributária efetivamente de alto nível. Por essa razão, o debate deve começar pelo gasto, haja vista que é o gatilho central de todo o restante da agenda de política econômica.

Compreendida a importância de cortar gastos ineficientes, serão simulados os ganhos fiscais de três evidentes possibilidades: (1) reforma administrativa, (2), fusão de políticas sociais e (3) redesenho do abono salarial. Os cenários simulados supõem que tais ganhos de eficiência e reduções de despesa serão aprovados ao longo de 2023, com vigência a partir do ano seguinte.

No tocante à reforma administrativa, sua necessidade é incontestável a luz da existência de mais de 300 carreiras, férias de 60 dias, amplo conjunto de gratificações, promoções automáticas e efeitos em cascata de reajustes concedidos. Há uma teia de privilégios e uma estrutura de cargos e salários disfuncional que prejudica o servidor público competente, cuja progressão na carreira é limitada pelo inadequado salário inicial e final.

Sem entrar em todos os detalhes da simulação, o que tornaria  este texto excessivamente longo e fora do propósito deste artigo, resta dizer que uma reforma administrativa sub ótima, que valha apenas para os novos servidores e tenha salário de entrada limitado para carreiras generalistas, com nova sistemática de promoções, entrega economia fiscal de R$ 207,1 bilhões em 10 anos, de 2024 a 2033. Entre 2024 e 2026, o ganho é de R$16,6 bilhões.

Já a necessidade de promover uma fusão de políticas sociais é igualmente evidente diante da execução fracionada de diversos programas como o Auxílio Brasil, Auxílio Gás, Auxílio reclusão, Farmácia Popular, salário maternidade, salário família, seguro defeso, BPC, dentre outros. A falta de coerência na concepção dos programas é tão substancial que há beneficiários acumulando dois, três, quatro e até cinco benefícios diferentes. A integração e redesenho dos programas sociais podem entregar economia fiscal de R$ 185,4 bilhões em 10 anos. Entre 2024 e 2026, o ganho é de R$49,1 bilhões.

Com relação ao abono salarial, que paga um décimo-quarto salário para trabalhadores com carteira assinada e remuneração até 2 salários-mínimos, há inúmeros estudos econômicos aplicados atestando que se trata de uma política cara e ineficiente, mal focalizada e que pouco contribui como suporte financeiro aos trabalhadores mais pobres. Não bastasse beneficiar os trabalhadores dos quintis de renda mais elevados, ainda há notável sobreposição com o salário família.

O custo anual do abono salarial é atualmente estimado em pouco mais de R$ 20 bilhões e deve atingir R$ 28/37 bilhões em 2026/33 no cenário em que nenhum redesenho é feito. Há, no entanto, três opções possíveis: a primeira, de extinção integral e imediata, de implementação pouco provável do ponto de vista da economia política, e cujo ganho fiscal em 10 anos (de 2024 a 2033) seria de R$ 313,8 bilhões; a segunda, de extinção gradual e em 4 anos (de 2024 a 2027), cujo ganho fiscal seria de R$ 272,5 bilhões; e a terceira, com o benefício sendo limitado apenas para os trabalhadores que ganham até 1 salário-mínimo (SM) a partir de 2024, cujo ganho fiscal seria de R$ 255,8 bilhões em 10 anos.

Em síntese, ainda há amplo espaço para revisões de gastos e políticas ineficientes que, somadas, entregam economia fiscal entre R$ 648/706 bilhões entre 2024 e 2033 (gráficos abaixo). Na versão ‘first best’, que considera a extinção imediata do abono salarial e melhor uso dos recursos públicos disponíveis, o ganho fiscal total é de R$ 706,3 bilhões (R$ 313,8 bi do abono + R$ 185,4 bi da fusão de políticas + R$ 207,1 bi da reforma administrativa). Já na versão ‘second best’, em que a extinção do 14º salário pago pelo governo ocorreria de forma gradual, o ganho fiscal consolidado é R$ 665 bilhões, enquanto na versão ‘third best’, com limitação para os trabalhadores que ganham até 1SM, a economia é de R$ 648,4 bilhões.

As economias fiscais supracitadas não são as únicas possíveis, são apenas as mais evidentes, de modo que existem outras agendas disponíveis capazes de entregar tanto ganhos fiscais relevantes quanto maior velocidade e eficiência da máquina pública, como por exemplo, o avanço da digitalização do governo. Atualmente, tanto no governo federal quanto nos estados e municípios, há uma série de sistemas de informação descentralizados, desconectados e que entregam pouca inteligência sistêmica, sendo inúteis ou pouco úteis para uma visão holística das diversas etapas e vasos comunicantes da formulação e execução de políticas públicas.

A lentidão e vacilante resposta governamental tripartite no choque da Covid-19 são atestados mais do que suficiente do quão analógico e atrasado está a administração pública no país, não obstante tenha ocorrido algum avanço em relação aos anos anteriores. Assim como a revisão de gastos explicitadas nos parágrafos acima, o avanço da digitalização do setor público e criação de uma identidade única digital têm notável potencial para tornar o estado mais inteligente e economizar extraordinário volume de recursos – basta energia, gente qualificada e convicção política. O portfólio de medidas é vasto e dá bilhão, centenas de bilhões.




As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Frederico Magal...
Muito Bom ! Pena que estas questões não estejam, em tese, na agenda do novo governo. Triste...

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