Macroeconomia

Temas que devem ser incluídos na reforma tributária

19 ago 2019

A Emenda Constitucional 45 em discussão no Congresso Nacional propõe uma importante reforma no sistema de tributação nacional. Ela unifica os impostos indiretos federais, estaduais e municipais e os transforma em um imposto sobre valor adicionado (IVA), o que a PEC chama de imposto sobre bens e serviços (IBS). Essa é uma reforma importante que corrigirá distorções relevantes no sistema tributário nacional, unificando alíquotas e eliminando muitos regimes especiais.

O imposto sobre o valor adicionado cria um sistema que elimina a tributação em cascata na cadeia de produção. Cada etapa do processo de produção recebe um crédito pelo imposto que foi pago. Dessa forma, o imposto só incide, de fato, sobre o consumo final. Esse sistema funciona muito bem nos países em que foi adotado e tende a elevar a formalidade, porque as empresas precisam comprovar o pagamento do imposto para receber seus créditos tributários.

Cabe aqui mencionar que esse sistema será tanto melhor quanto mais célere e simplificado for o reconhecimento de créditos tributários. Em nível federal esse processo é bastante litigioso e no processo de unificação desses impostos com Estados e Municípios o desafio de certo será ainda maior. Isso traz à tona um primeiro desafio, que é o da operacionalização desse novo sistema tributário por meio da adoção das normas acessórias para cumprimento do sistema tributário. A cultura brasileira nesse assunto é de elevar os custos de transação por meio de muitas normas e de elevada complexidade. Isso corre porque a desconfiança entre as partes é bastante elevada o que eleva o custo de conformidade. É importante encontrar um meio termo entre a capacidade de fiscalização da estrutura tributária e a necessária simplificação do sistema. Isso é muito mais difícil do que a unificação em si dos impostos e é um trabalho contínuo.

Uma segunda dificuldade operacional está em entender ou medir o conceito de valor adicionado em determinados setores da economia. Em alguns casos, a dificuldade de medir o conceito recomenda pragmatismo. No debate norte americano, a dificuldade de se medir o valor adicionado do setor financeiro, por exemplo, fez com que alguns autores defendessem a instituição de uma cobrança sobre o faturamento desse setor ou sobre as movimentações financeiras, nos moldes de uma CPMF. É nesse contexto que surge um debate mais produtivo sobre a CPMF que resultaria em uma alíquota bem pequena, apenas para substituir o IVA, onde ele não funcione muito bem. Uma segunda vantagem ao complementar o sistema dessa forma, seria o ganho fiscalizatório para a Receita Federal o que poderia ser benéfico no sentido de reduzir a necessidade de tantas normas acessórias.

Alíquotas elevadas de uma CPMF não são recomendáveis porque criam muitas distorções econômicas, onerando as cadeias mais diversificadas, desestimulando a intermediação financeira e monetizando as operações comerciais da economia. O Brasil tem um dos sistemas de meio de pagamento mais modernos e seguros do mundo. Seria um retrocesso importante desestimular a modernização do sistema de pagamento brasileiro. Por essas razões, os custos econômicos de uma CPMF grande são muito elevados.

Existem, a meu ver, três grandes empecilhos políticos na implementação de um IVA no Brasil. A primeira é a discussão federativa. É muito difícil estabelecer esse diálogo e o risco fiscal para a União é muito elevado, principalmente em uma situação em que os Estados e Municípios encontram-se em grave situação financeira. Foram raríssimas as ocasiões em que a discussão federativa encontrou um bom ponto de equilíbrio, basta olhar para o debate dos royalties em 2010-12 e agora no debate da cessão onerosa. Além disso, a própria unificação tributária vai na direção oposta ao federalismo que pressupõe autonomia dos entes da federação. Entendo que os Estados deveriam, dentro de certos princípios e limites, ter mais liberdade para tributar.

A segunda dificuldade está nos efeitos setoriais da instituição do IVA. Muitas empresas preferem o regime atual porque resulta em menos imposto. Quando o IVA for instituído, haverá perda de arrecadação agregada porque o governo terá que restituir os créditos gerados no novo sistema o que não ocorre hoje. Assim, o sistema deverá ser calibrado para manter o nível de arrecadação governamental. Na prática, essa nova calibragem irá aumentar a carga tributária de quem, no sistema atual, não gera crédito. Esse é o caso do setor de serviços que possui uma cadeia de produção bastante curta. É por essa razão que o setor de serviços tem preferência por outras formas de tributação. Por outro lado, a indústria tende a se beneficiar bastante do novo sistema.

A terceira dificuldade pode ser descrita a partir de uma observação que Lawrence Summers, ex-Secretário do Tesouro no Governo Clinton, fez sobre a implementação do IVA nos EUA. Em uma ocasião ele disse que o problema do IVA é que a esquerda enxerga uma fonte de iniquidade por ser um imposto indireto e a direita enxerga uma máquina de arrecadação que pode elevar a carga tributária. Por fim, concluiu que o IVA só seria adotado quando fosse possível inverter essas posições: a direita deveria enxergar o IVA como fonte de iniquidade e a esquerda deveria enxergar no IVA uma máquina de arrecadar. Em suma, é necessário que cada lado do debate passe a enxergar a metade cheia de cada um dos dois copos.

É possível introduzir alguns temas constitucionais que podem ajudar na discussão elevando a autonomia federativa, produzindo mais equidade e aumentando a eficiência econômica. Por se tratar de PEC, vou me abster aqui de discutir temas ligados à tributação sobre a renda não por falta de necessidade, mas por não ser esse o instrumento legislativo adequado para esse tipo de debate.

As duas primeiras propostas vão na direção de ampliar autonomia federativa e colaborar com a resolução da crise fiscal desses entes da federação. Primeiro, é necessário ampliar a base tributária do IPVA para alcançar as aeronaves e embarcações marítimas. Essa medida possui elevado potencial de progressividade, mas o STF a declarou inconstitucional porque entendeu que o IPVA sucedeu a taxa rodoviária única que historicamente excluiu esses meios de transporte da sua base de tributação.

A segunda proposta é ampliar os limites de fixação de alíquotas para o imposto sobre herança dos atuais 8% para 35% como observado em vários países. Essa medida pode ser regulamentada estabelecendo critérios com alíquotas diferenciadas conforme o grau de parentesco do herdeiro, o tipo de herança e o seu valor. Na crise dos Estados, entre 2015 e 2016, esse mecanismo foi uma importante fonte adicional de arrecadação, bastante progressiva e justa.

A terceira proposta é a instituição de um carbon tax, que tem como objetivo tributar a emissão de gases poluentes. Nesse caso, seria possível corrigir a externalidade negativa criada pela poluição aumentando a eficiência do sistema econômico. Os estudos sobre o tema mostram que esse tipo de imposto é eficiente para reduzir a poluição. Além disso, seria uma medida justa, pois reduziria os custos com a saúde pública e seus recursos poderiam ser destinados para financiar investimentos em saneamento básico e a financiar o uso de tecnologias mais limpas. A destinação desse recurso para o saneamento básico melhoraria a saúde, principalmente da população mais pobre.

É fácil verificar que a reforma do sistema tributário brasileiro possui elevado potencial de crescimento econômico, redução de iniquidades e permite o financiamento de novas políticas públicas. Para esse tema avançar é necessário ter muito pragmatismo para que cada parte interessada comece a observar a sua metade cheia do copo.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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