Tributação corporativa e crescimento econômico
O substitutivo da reforma do Imposto de Renda inverteu as principais medidas apresentadas pelo governo, criando um elevado custo fiscal para desonerar as empresas. As evidências empíricas mostram que essa não é a melhor forma de gerar crescimento econômico.
A proposta de reforma do imposto de renda encaminhada pelo governo tinha como objetivo estimular o consumo da classe média e o investimento por meio do incentivo à retenção de lucros. Reduzia a desigualdade de renda tributando o topo da pirâmide social e melhorava a arrecadação governamental o que permitia uma melhora fiscal depois de um grande déficit para oferecer suporte ao setor privado durante a pandemia. Esse foi o tema da minha última coluna em 07 de julho.
Algumas questões poderiam ser aperfeiçoadas como as soluções para evitar planejamento tributário que podem provocar desequilíbrio na relação da Receita com os contribuintes. O limite de R$ 20 mil de isenção de lucros e dividendos de MPE é muito elevado e poderia ser revisto. Ainda havia espaço para uma redução um pouco maior da alíquota do IRPJ.
Mas o Relatório veio em outra linha, revertendo ao invés de resolver as possibilidades de planejamento tributário, mantendo incentivos para pejotização, criando um custo fiscal expressivo, apresentando compensações incertas e trazendo custos para Estados e Municípios.
A principal mudança responsável pela reversão do impacto fiscal é a redução da alíquota básica do IRPJ para 2,5% com impacto estimado em R$ 92 bilhões para 2023. A carga sobre as empresas cairá de 34% para 21,5% e o Brasil terá alíquotas abaixo da média internacional em um período em que outros países estão caminhando na direção oposta.
A gestão política da reforma preocupa. O Ministro indicou o desejo de reduzir a alíquota do IRPJ abrindo brecha para excessos. Diante de críticas, pediu desculpas por erros e acusou auxiliares de ter sido enganado. Afirmou que com o crescimento iria reduzir a carga, ignorando que a arrecadação federal, em percentual do PIB, é inferior à média dos últimos anos.
O Relator afirma que a desoneração será bancada com crescimento econômico. Saez e Zucman (2020) lembram que a tese que a redução da alíquota de impostos pode gerar aumento de arrecadação foi elaborada por Arthur Laffer em um guardanapo na mesa de um restaurante com lideranças do Partido Republicano[1]. Para reduzir o déficit, já se tentou de tudo, inclusive, aumentá-lo.
Além do impacto fiscal líquido de R$ 30 bilhões, que ainda pode aumentar, há o custo de oportunidade. Os especialistas em política fiscal enxergam na tributação sobre dividendos uma forma equilibrada de ampliação da arrecadação em uma situação fiscal difícil. O impacto total se soma ao uso desse instrumento, estimado pela Receita Federal em mais de R$ 50 bilhões. O custo de oportunidade dessa reforma é superior a R$ 80 bilhões, próximo de 1% do PIB.
A proposta mexe em muita coisa para manter os mesmos problemas. A redução excessiva da alíquota do IRPJ pode manter a baixa tributação do lucro presumido e resultar em incentivo para custeio de despesas pessoais na empresa a fim de evitar a tributação na distribuição. Uma empresa com baixo percentual de distribuição de lucros e dividendos usufruirá de uma grande desoneração fiscal, sendo que, nesse caso, não havia distorção a ser corrigida. O impacto final é pouco incentivo, mas um grande custo fiscal. Por isso, era mais desejável a mudança na margem do que a inversão do sistema.
O tema que o projeto atual propõe é a se a redução da carga corporativa gera crescimento. A literatura tradicional sobre tributação mostrava que a tributação ótima sobre o capital deveria ser zero. O argumento é que se acumulação de capital é importante para o crescimento, esse insumo produtivo não deveria ser tributado.
O crescimento também depende do capital humano. Se a redução da carga corporativa resultar em elevada carga sobre o fator trabalho tem-se um problema de acumulação nesse fator de produção. Um desequilíbrio na tributação dos fatores pode resultar em distorções na sua utilização combinada o que resulta em baixa produtividade.
A baixa tributação sobre as empresas também eleva o poder barganha político, incrementa lobbies que resultam em benefícios fiscais e concentração do poder de mercado, reduzindo a competitividade da economia e o crescimento. A proposta torna os lobbies, que já atuam para distorcer a reforma, ainda mais poderosos. O consenso atual é que a onda de redução na tributação corporativa no mundo não gerou crescimento, mas muita desigualdade.
Economistas do Institute for Macroeconomic Policy, na Alemanha, realizaram uma pesquisa resumindo os resultados obtidos por 44 estudos ao longo de 441 estimativas. Concluíram que não há relação empírica robusta entre tributação corporativa e crescimento econômico e que, com o passar dos anos, a proporção de estudos que não encontram relação empírica entre essas variáveis se elevou[2].
Se o objetivo é estimular investimento, existem mecanismos tributários mais eficientes e com menor custo. Recentemente, economistas do FMI recomendaram medidas de depreciação acelerada para facilitar o processo de atualização tecnológica das empresas a partir da ruptura promovida pela pandemia[3]. Essa medida é mais eficiente porque desonera apenas a empresa que efetivamente investiu e o custo fiscal é temporário. Do jeito que está, sai mais barato apenas reajustar a tabela da pessoa física.
Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 21/07/2021, quarta-feira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Saez, E. e Zucman, G. (2020). “The triumph of injustice: How the rich dodge taxes and how to make them to pay”. W.W. Norton & Company. A foto do guardanapo pode ser encontrada em: https://americanhistory.si.edu/collections/search/object/nmah_1439217
[2] Gechert, S. e Heimberger, P. (2021). “Do corporate tax cuts boost economic growth?” IMK, Macroeconomic Policy Institute, working paper, 210.
[3] Wen, J. (2020). “Temporary investment incentives”. IMF, Special Series on COVID-19.
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