Macroeconomia

Um impulso fiscal é inevitável, melhor que seja moderado e bem direcionado

22 jul 2019

A lenta recuperação da economia brasileira após a profunda recessão de 2014-2016 exaspera a sociedade e o sistema político nacional. O PIB caminha para o terceiro ano consecutivo de crescimento em torno de 1% (pode ser abaixo disto em 2019), e 13 milhões de trabalhadores estão desempregados.

A aprovação de uma reforma do sistema de aposentadoria e pensões com robusta economia fiscal é indubitavelmente um passo fundamental para garantir a volta do crescimento sustentado à economia brasileira. Contudo, apesar de necessária, a Nova Previdência não garante sequer uma melhora vistosa nos principais indicadores econômicos de curto prazo, segundo a visão dominante entre os pesquisadores do FGV IBRE.

Existe a percepção que mesmo o previsto ciclo de novas reduções da Selic não será suficiente para tirar a economia brasileira do marasmo em um período de tempo tido como aceitável. Afinal, a população está cansada, pois já vem sofrendo as consequências do péssimo desempenho econômico há alguns anos. Nesse contexto, a discussão sobre a conveniência de outras medidas para reanimar a economia e, principalmente, o mercado de trabalho entra em pauta. O debate recai na escolha do meio mais eficaz e justo de fazê-lo.

A economia política torna esse debate premente. A impaciência da população e, por consequência, do sistema político com a paralisia econômica e o alto desemprego cresce. Se o Executivo não se mexer, é provável que supostos estímulos, menos refletidos e coordenados, venham a ser ativados pelo Legislativo – com os resultados já conhecidos de agravamento da crise fiscal e de piora alocativa da economia. Com base nesse cenário, esta Carta investiga em que medida um estímulo fiscal pode trazer resultados positivos para o crescimento e a empregabilidade. 

Uma avaliação fundamentada sobre a conveniência da proatividade fiscal é abordada em artigo de 2012 de Lawrence Summers e Brad DeLong (“Fiscal policy in a depressed economy”, Brooking Paper on Economic Activity, Spring). 

Como explica Samuel Pessôa, pesquisador do FGV IBRE, que avaliou a situação brasileira à luz do trabalho de Summers e DeLong, a taxa de crescimento da dívida pública (como proporção do PIB) é função, além do déficit oriundo do excesso de gastos ao longo do período, da diferença entre a taxa de juros real incidente sobre a dívida e a taxa de crescimento da economia. Na dinâmica econômica, por seu turno, um aumento de gastos gera impulso fiscal, estimula a atividade e, consequentemente, contribui para aumentar a arrecadação. Seja por aumentar o denominador da relação dívida/PIB, seja pelo aumento da arrecadação, a ampliação do gasto público também causa efeitos que em tese podem neutralizar – parcial ou totalmente – o impacto altista no endividamento.

Mas há ainda outro fator, a chamada “histerese”, considerado no estudo de Summers e DeLong. Trata-se da perda permanente de produto potencial provocada pelo desemprego de longo prazo – típico de períodos muito prolongados de alta taxa de desocupação – que inabilita potenciais trabalhadores para o mercado de trabalho. Um impulso fiscal, ao contribuir para acelerar a economia e reduzir o desemprego, pode também atuar no sentido de diminuir a histerese, o que impactará positivamente o PIB e a arrecadação no longo prazo.

De maneira simplificada, pode-se dizer que um impulso fiscal produz dois efeitos na relação dívida/PIB. Um direto, pois é aumento de dívida na “veia”. Um segundo indireto, via aumento da arrecadação e do PIB (o denominador) e redução da histerese.

Colocando todas essas variáveis numa equação, Summers e DeLong apontam sob que condições há predominância do efeito indireto sobre o direto. Isto, por sua vez, depende naturalmente da taxa de crescimento da relação dívida/PIB, que é dada pela expressão matemática “r-g”, onde “r” é a taxa de juros real que incide sobre a dívida e “g” é a taxa de crescimento da economia.

Atribuindo valores que considera razoáveis ao multiplicador fiscal, arbitrando um nível de histerese no Brasil, e considerando a alíquota média de imposto da economia nacional, Pessôa conclui que um impulso fiscal no contexto da economia brasileira neutraliza (ou até reduz) a dívida pública (como porcentual do PIB) quando “r-g” for igual ou menor a 2%.

Como a taxa de juros real de longo prazo vem caindo velozmente na economia nacional (está por volta de 3,5%), mesmo com um PIB crescendo muito lentamente, o pesquisador do IBRE considera que já se está em um terreno no qual é (no mínimo) razoá­vel nutrir a dúvida sobre se um aumento de gasto no atual contexto vai de fato piorar a relação dívida/PIB. 

Pessôa frisa que sua observação se dá em um contexto bastante vago e extremamente incerto. Para investigar a questão de forma menos imprecisa, seria preciso ter uma noção mais concreta da histerese no mercado de trabalho nacional, e não há trabalhos sobre isto. Ele imagina que a histerese brasileira seja muito menor que a americana, pela alta rotatividade do mercado de trabalho nacional e pelo nível médio muito inferior de qualificação dos nossos trabalhadores. Pessôa arbitrou uma histerese dez vezes inferior à americana no seu cálculo, mas ratifica que isto não teve por base qualquer dado ou conta específicos.

Feita essa forte ressalva, o pesquisador aponta que não é impossível que o Brasil esteja próximo das condições em que o estímulo fiscal possa até contribuir para melhorar a relação dívida/PIB (ou no mínimo ser neutro em relação a ela).

Diante desses fatos, Pessôa vê a conduta de política econômica mais razoável como aquela que não vão vai nem a um extremo nem a outro. Ficar de braços cruzados esperando a economia decolar apenas pelas medidas pelo lado da oferta e a redução da Selic arrisca a provocar pressões por pacotes de estímulo mal concebidos e contraproducentes. O custo dessa opção fica ainda maior quando são observadas as condições, mencionadas no texto de Summers e DeLong – que não é impossível que o Brasil até preencha, ou que delas esteja próximo –, em que não há nada a perder com um impulso fiscal.

Por outro lado, crer cegamente que a política fiscal possa ser usada como “um moto-perpétuo” na atual situação é igualmente arriscado, inclusive porque – como já enfatizado – não existe nenhuma certeza de que já estejamos no intervalo de “r-g” em que esta hipótese se torna concebível.

Assim, um meio termo-sensato seria o de tentar um impulso fiscal moderado e pontual após a aprovação da reforma da Previdência. Esse impulso não deve destoar da política mais ampla de ajuste estrutural das contas públicas no qual o país está empenhado. 

Neste ponto, surge a segunda grande pergunta. Como deveria ser o estímulo fiscal promovido pela equipe econômica do Executivo, em antecipação às medidas mais desordenadas e, por isto, menos eficazes por parte da classe política?

Nas discussões internas do IBRE, Pessôa considerou a possibilidade de uma reativação forte do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), que estimularia a construção civil, um dos setores de pior desempenho desde o início da recessão de 2014-16, e que vem afetando negativamente a reduzida taxa de investimento nacional.

Mas uma sugestão que chamou particularmente a atenção no debate no IBRE foi feita pelo pesquisador associado Nelson Barbosa: um programa de conclusão de obras públicas paralisadas e de reparo de capital público deteriorado pela falta de um nível mínimo de investimento – “algo na linha de não deixar pontes, túneis e encostas desabarem, investimento pelo menos na manutenção da infraestrutura existente”, ele exemplificou. 

Barbosa pensa em um programa de R$ 35 bilhões, ou 0,5% do PIB. Ele nota que um impulso fiscal via investimento tem a vantagem de não pressionar a regra de ouro (exatamente por se tratar de investimento) nem o teto de gastos, que este ano tem alguma folga. Os investimentos também têm o maior multiplicador fiscal entre os diversos tipos de gasto público e beneficiam a sociedade como um todo, não sendo regressivos, como a atualização da tabela de Imposto de Renda, ou capturados por grupos de pressão, como costumam ser as isenções e subsídios – para citar algumas “ideias” de estímulo fiscal que corriqueiramente circulam.

Mas Barbosa ressalta que há algumas barreiras à sua proposta. A primeira, para ele, é ideológica. Há uma corrente de pensamento, aparentemente próxima às crenças da atual equipe econômica, que não vê lugar para medidas de estímulo via demanda (para além da política monetária). Esse grupo de economistas considera que os principais freios atuais da economia estão na confiança, ligada à situação fiscal e dependente da aprovação da reforma da Previdência como condição necessária, mas não suficiente; e em uma vasta coleção de entraves pelo lado da oferta, a serem paulatinamente enfrentados com reforma tributária, melhorias de governança pública e ambiente de negócios, agenda microeconômica etc.

Barbosa argumenta que, mesmo que esse obstáculo ideológico seja superado,1 há o problema adicional do aval do Congresso Nacional para que a meta de resultado primário seja trocada. Novamente, o pesquisador do IBRE nota que haverá argumentos contra essa possibilidade, no sentido de que uma flexibilização da meta de resultado primário teria um efeito negativo na confiança maior do que qualquer impacto positivo pelo lado da demanda (Barbosa não concorda com esta ideia).

Finalmente, supondo-se que a questão ideológica fosse contornada e que o Congresso concordasse em mexer na meta de primário, ainda haveria um terceiro obstáculo, na visão de Barbosa: a enorme dificuldade atual do governo de gerir obras e tocar investimentos, diante da paralisia decisória causada pela Operação Lava Jato e outras operações judiciais e fiscalizatórias contra a corrupção. Segundo o pesquisador, essa ofensiva, apesar da causa nobre e dos muitos avanços obtidos, semeia o temor e a inação na máquina pública, pelos exageros e pelo caráter por vezes indiscriminado e injusto de muitas das denúncias e acusações.

Barbosa, portanto, faz questão de deixar claro que a sua proposição, embora faça sentido do ponto de vista econômico e social, não é trivial do ponto de vista político. De qualquer forma, o pesquisador compõe um grupo de economistas do FGV IBRE – composto também por Samuel Pessôa, Manoel Pires e Bráulio Borges – que, em função das condições da economia e da política, defende a conveniência de algum tipo de medida de natureza fiscal, naturalmente moderada e bem direcionada. Na visão desse grupo, esta deveria ser mais uma ferramenta do arsenal para tirar o Brasil de um de seus piores momentos históricos em termos de atividade econômica e mercado de trabalho.


Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de julho de 2019.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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