Macroeconomia

Uma alternativa à Lei Kandir

13 fev 2019

O TCU deu seu veredito: a União não precisa mais compensar os Estados pelas “perdas” da Lei Kandir!

Essa transferência é uma demanda antiga e recorrente de vários Estados, desde que o governo Fernando Henrique aprovou uma lei desonerando as exportações de produtos básicos de qualquer imposto indireto. Até então as vendas externas de commodities estavam sujeitas à incidência do ICMS e eram importante fonte de receita para alguns Estados exportadores de grãos e minérios.

A Lei Kandir seguiu a lógica correta de que não se exporta imposto indireto, mas como ela implicava perda de receita para vários Estados, o texto também incluiu compensação temporária para regiões exportadoras de produtos primários.

A compensação deveria durar até 2006, de acordo com a lei em vigor (Lei Complementar 115 de 2000), mas o governo federal tem realizado transferências em quase todos os anos depois de tal data, incluindo recursos na Lei Orçamentária de cada ano (por exemplo, em 2018, a transferência foi R$ 1,9 bi).

Os governadores recorrentemente demandam que o governo continue a compensar suas “perdas”, haja vista que exportação de commodities é uma atividade econômica importante para vários Estados, mas com poucos efeitos sobre a arrecadação indireta.

A demanda dos governadores é compreensível, sobretudo diante da crise fiscal de diversos Estados, mas não é adequado exigir que o governo federal utilize outros impostos, diretos e indiretos, arrecadados sobre toda população brasileira, para compensar a especialização produtiva de algumas regiões nacionais em commodities. Existe uma forma mais clara e justa de fazer isso: permitir que os Estados cobrem imposto sobre a exportação de produtos primários se assim eles acharem necessário.

A adoção de imposto de exportação sobre produtos primários tem longa história em economia e já foi utilizada por vários países como forma de incentivar a agregação de valor internamente.

Por exemplo, para estimular o processamento de grãos, tributa-se a exportação do produto in natura, mas não os seus derivados. O mesmo se aplica a minérios, tributando-se o produto bruto, mas não o aço e outros produtos processados.

Assim, em vez de continuarmos em mais uma discussão bizantina se a União deve ou não compensar alguns Estados por sua vocação primária exportadora, deveríamos ter uma discussão mais profunda sobre se vale a pena ou não tributar a exportação de algumas commodities, destinando a receita para as regiões produtoras.

Segundo nossa Constituição, o imposto de exportação é um tributo regulatório, que cabe exclusivamente à União, e pode ser regulado por decreto, respeitando a alíquota máxima de 30% (Decreto Lei 1.578/77). Porém, como vários governadores sentem-se penalizados por seus Estados serem altamente competitivos em commodities, essa atribuição poderia ser parcialmente descentralizada, em consonância com o federalismo.

Caso isso seja feito, ao invés de caravanas de governadores para Brasília, pedindo que a União tribute áreas urbanas para compensar suas “perdas” com exportações de grãos e minérios, nós teríamos um debate regional e mais qualificado nos Estados competitivos na produção de commodities. O ideal é que a população dos Estados em questão decida se deve ou não tributar suas exportações primárias.

Em resumo, a descentralização de recursos é um mantra recorrente de governadores (e prefeitos). Não tenho nada contra isso, desde que se descentralize também a arrecadação de impostos. Não é adequado que somente a União fique com o ônus de cobrar impostos e contribuições para que Estados e Prefeituras ordenem as despesas. O poder de gastar deve estar associado à responsabilidade de tributar.

Assim, se alguns governadores desejam ser compensados pela "maldição" de exportar commodities, que a União permita que os Estados, dentro de certos parâmetros, cobrem imposto sobre exportação de produtos primários a partir de seus territórios. Com isso os governadores do Paraná e do Centro-Oeste poderão se entender com seus produtores de grãos, os governadores do Pará e Minas Gerais com seus produtores de minérios e assim em diante.

Se é para descentralizar recursos, vamos também descentralizar o ônus de criar e cobrar impostos para os governadores, com uma discussão transparente dos custos e benefícios da produção de commodities em cada estado. A democracia agradeceria este tipo de iniciativa.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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