#Unbundling, a separação de fio e energia
Remédio ou resposta de política para o problema da alocação dos custos na transição energética, e para desarmar a bomba tarifária contratada, é #unbundling. Essa é a forma de promover equidade e justiça na transição energética.
Semana passada teve lugar o sempre esperado Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (ENASE). Em sua 20ª edição, a demanda foi alta. Nas falas dos representantes das Associações, um tema frequente foi o problema das tarifas elevadas. E grande parte da culpa foi atribuída à espiral da morte: o avanço da micro e mini geração distribuída (MMGD) transfere mais custos de rede e encargos para quem fica no ambiente regulado, causando aumento adicional de tarifas e estimulando ainda mais a adesão aos painéis solares. E nem a MMGD está satisfeita, como se vê pela recente aprovação no Congresso da Medida Provisória (MP) do Programa Minha Casa, Minha Vida, que incluiu medidas, com impacto anual de R$ 1 bilhão na conta de luz, para instalação de painéis solares nas residências e compra compulsória da energia excedente pelas distribuidoras. Para ser propositiva, discuto aqui três medidas práticas para promover eficiência e equidade em tempos de transformação de sistemas elétricos no Brasil.
Muito estimulada pelo imperativo da descarbonização em resposta à emergência climática que vivemos, a disseminação das fontes solar e eólica cresce a olhos vistos. Inovações tecnológicas permitem reduções de custos muito expressivas – ainda que temporariamente abaladas pela inflação e por problemas nas cadeias de suprimento. Apesar dos benefícios, a alocação de custos é perversa. Do ponto de vista distributivo, sobram custos para quem fica atendido pela distribuidora que contrata energia no ambiente regulado. E que tende a ter menor renda. A solução passa por ajustes e inovação no desenho de tarifas. (Borenstein,2022).
Diversas consultorias apresentam números e projeções do impacto dessa descentralização. Porém as estimativas diferem por uma ordem de grandeza – algumas apontando elevados custos e outras, majestosos benefícios. Fato é que nosso desenho de mercado baseado na contratação de longo prazo não permite aos usuários no ambiente regulado se beneficiarem dessa redução de custo. Grandes consumidores, com demanda maior que o requisito mínimo, migram para o ambiente livre. Quem não atinge esse critério, pode recorrer à MMGD. Em consequência, sobra mais conta para quem fica turbinando a espiral da morte das utilities.
Mas o fato é que esse trem já partiu. A abertura do mercado (liberalização), a digitalização e a descentralização (aumento da MMGD) são tendências inarredáveis. O desafio é como adaptar essa arquitetura de mercado para desarmar uma bomba (tarifária) que está contratada. O remédio ou resposta de política para o problema da alocação dos custos na transição energética é #unbundling. Essa é a forma de promover equidade e justiça na transição energética.
Unbundling é figura repetida no espaço dessa coluna. Mas vale repisar.
A separação de fio (serviços de rede) e energia (comercialização) conta com uma oportunidade singular com a divulgação da Nota Técnica no. 14/2023/SAER/SE do Ministério de Minas e Energia (link) que trata das concessões vincendas de distribuição de energia elétrica. O tema está em Consulta Pública.
Um sinal claro oriundo da NT submetida à CP é que o governo favorece a solução de prorrogação dos contratos de concessão por período de 30 anos. A admissibilidade requer que as distribuidoras atendam a critérios objetivos mínimos de qualidade (indicadores globais de continuidade) e eficiência na gestão econômico-financeira. Tema polêmico é a alocação de eventual excedente econômico como contrapartida para investimentos sociais em eficiência energética, mas isso é tema para outra coluna. Agora é hora de aproveitar a oportunidade de focar no prêmio principal: adaptar contratos para a separação de fio e energia.
Há dois caminhos para implementar o #unbundling nos novos contratos a serem apresentados às concessionárias de distribuição: implementar a separação ou (pelo menos) prever a adaptação tão logo se dê a aprovação legislativa de reforma ou coisa que o valha. E que esperamos não tarde. Quem sabe o tema seja abordado em alguma medida provisória no futuro próximo – espécie de jabuti do bem. Ainda que a primeira solução seja preferível, os economistas estão acostumados com soluções second-best. E é melhor do que a alternativa: deixar consumidores que permanecerem atendidos em energia pelas distribuidoras à mercê dos efeitos da espiral da morte.
O #unbundling nos contratos já pode ser facilitado pela adaptação nas tarifas de eletricidade. Desenhar tarifas é competência do regulador; mas em tempos de ataques à Agência e às suas atividades de regulação, pode ser prudente promover articulação com o Poder Concedente para avançar na implantação de tarifa de duas partes ou algo semelhante. Implementar um mecanismo que discrimine cobrança de serviços de fio e energia pavimenta o caminho na direção de uma abertura equilibrada para quem sai e quem fica atendido pela distribuidora.
Por fim, visando se preparar para uma nova safra de abertura em 2024, quando todos os consumidores de alta tensão serão elegíveis à contratação no ambiente livre, vale aperfeiçoar instrumentos e mecanismos de segurança de mercado. A regulação prudencial de mercados de títulos mobiliários e derivativos no Brasil é avançada e pode muito ensinar ao setor elétrico. Maior segurança no ambiente livre diminui os custos de transação e de default que seriam arcados pelo ambiente regulado em momentos de estresse. Mais uma proteção para o consumidor regulado, que agradece.
Para não ficar apenas na reclamação, imperativo aproveitar a Consulta Pública das concessões de distribuição de energia elétrica a vencer e incluir, nos seus resultados, a separação de fio e energia entre as diretrizes regulamentares para os novos contratos. #unbundling é instrumento essencial para promover equidade nesse mundo crescentemente liberalizado, descentralizado e digitalizado da transição energética.
Esta coluna foi publicada originalmente em 27/06/2023, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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