Macroeconomia

Volcker e o momento atual da política monetária no mundo desenvolvido

17 dez 2019

No último dia 09 chegou do exterior a notícia do falecimento de Paul Volcker, aos 92 anos. Indiscutivelmente, Volcker mudou o curso da história econômica dos Estados Unidos, pondo fim a um processo inflacionário com boa chance de se tornar crônico e que ameaçava o bom funcionamento da economia.

Volcker assumiu o comando do Fed no começo de agosto de 1979. Naquela época, já era largamente aceita (tanto no mundo acadêmico, quanto entre banqueiros centrais) a ideia de que a inflação é um fenômeno monetário. Diante de alta do crescimento dos preços, os bancos centrais pisavam no freio monetário. O problema era a falta de persistência. Aos primeiros sinais de desaceleração econômica, a política restritiva era revertida, e a inflação voltava a ganhar força. De maneira bem resumida, o que Volcker fez foi quebrar um paradigma, romper com a cultura do que então se conhecia por excessive policy caution.

Mas não foi só isso. Antes de assumir a presidência do Fed, Volcker comandava o New York Fed, e como tal tinha assento no Fomc. Nesse período, não se cansou de chamar a atenção para o fato de que a inflação elevada (que, no pior momento, atingiu cerca de 14,0% a.a.) estava introduzindo na mente dos americanos a ideia de que a inflação era um fenômeno com o qual teriam de conviver por muito tempo. Em poucas palavras, para Volcker, as expectativas de inflação alta estavam adquirindo raízes profundas, passando a influenciar seriamente o processo de formação de preços na economia. E isso não podia continuar.

Esse tipo de preocupação contribuiu significativamente para a decisão de alterar a meta operacional do Fed. Volcker dizia que, ao intervir, o Banco Central não poderia deixar dúvida de que a luta contra a inflação era para valer. Operacionalmente, deixaria de atuar sobre a taxa de juros, passando a agir sobre a oferta monetária, mais precisamente sobre determinado conceito de reservas bancárias, de olho sempre nas metas já oficializadas (inclusive junto ao Congresso) de expansão dos meios de pagamentos. Volcker sabia que a mudança não teria poderes mágicos. Reconhecia, inclusive, que, especialmente a curto prazo, a relação entre reservas e meios de pagamentos não parecia mais confiável do que a relação entre juros e meios de pagamento. O objetivo era apenas produzir o tão desejado choque de expectativas. Jogava com a ideia de que, como já se reconhecia a natureza monetária do fenômeno inflacionário, agir sobre a oferta de moeda, e não diretamente sobre os juros, ajudaria a reverter as expectativas. O programa envolveu determinação e persistência e, a curto prazo, teve custo elevado, sob forma de desemprego. É razoável admitir, porém, que, os benefícios líquidos revelados ao longo dos anos seguintes foram positivos.

Pensando nos problemas atuais do mundo desenvolvido, como transpor para hoje os resultados da experiência de Volcker? A resposta parece imediata. Para que se reverta o atual quadro de taxas de inflação inferiores às metas o fundamental seria atuar sobre as expectativas, elevando-as em direção aos objetivos numéricos. Mas como conseguir isso? Mais fácil falar do que fazer. E esse raciocínio nos remete a uma observação de Milton Friedman feita no prefácio de um de seus livros. “Teoria monetária é como um jardim japonês, disse ele. Sua unidade estética deriva da variedade, uma aparente simplicidade que esconde uma realidade sofisticada”.    

Não parece haver dúvida de que acadêmicos, de modo geral, e banqueiros centrais, em particular, buscam atualmente um meio de conseguir a tal façanha. Sob certas modelagens é possível ter êxito, mas a realidade é bem distinta da representada por hipóteses simplificadoras. Para que as expectativas inflacionárias se elevem é fundamental que o público efetivamente perceba, na prática, taxas mais altas de inflação. O problema é que as forças da estagnação secular e o excesso de endividamento, privado e público, no mundo desenvolvido, por seus efeitos de contenção de demanda, têm dificultado chegarmos ao resultado desejado. Os atuais problemas dos países avançados são de cunho estrutural, ao passo que os enfrentados por Volcker eram de natureza conjuntural. Friedman tinha razão: tudo é bem mais complexo do que parece.  


Esse artigo faz parte do Boletim Macro Ibre de dezembro/2019, a ser publicado esta semana.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.                                                                        

 

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