Macroeconomia

Hiato do produto: -3% ou -8%? Há muito em jogo nesta questão

8 jan 2018

Não bastasse a enorme incerteza envolvendo o cenário fiscal e político brasileiro no momento atual, há também uma elevada incerteza envolvendo alguns parâmetros-chave da conjuntura macroeconômica, como a elasticidade da arrecadação em relação à atividade (tema que explorei em meu último post) e o tamanho do hiato do produto – isto é, a diferença entre o PIB efetivo e o PIB potencial.

Como foi apontado na edição mais recente da Carta de Conjuntura do IBRE-FGV, as estimativas dos analistas para o hiato – que nada mais é do que uma medida do excesso de ociosidade agregado da economia – se situam, atualmente, em um intervalo entre -3% e -8%. Trata-se de um intervalo anormalmente muito amplo, que afeta sobremaneira as avaliações sobre a magnitude do impacto cíclico da atividade sobre os resultados fiscais e também sobre a dinâmica prospectiva da inflação, dentre outros fatores.

Minhas estimativas, que combinam a abordagem “clássica” de função de produção com a estimação econométrica de uma curva de Phillips para os salários (para mais detalhes, ver outro post recente) indicam um hiato negativo atualmente em cerca de 7%. Ou seja, mais próximo do limite inferior apontado acima.

Não obstante, a avaliação mais comum dentre os analistas de mercado tem apontado para um hiato do PIB mais próximo de -4%. Essa estimativa de hiato, vale notar, geralmente está associada à aplicação de filtros univariados ou multivariados à série do PIB efetivo e a algumas outras variáveis (NUCI e desemprego).

Também é a avaliação mais comum no mercado de que esse hiato do produto tenderá a fechar (ou seja, zerar) em 2019, caso de fato o PIB efetivo cresça os 2,7% a.a. projetados atualmente pelo consenso para 2018-19. 

No entanto, há algo de incoerente nessa narrativa mais comum, em minha intepretação. Considerando a projeção de consenso mais recente para o crescimento do PIB em 2021 como uma proxy da estimativa de mercado para o crescimento potencial – ou seja, +2,5% a.a. – e partindo de um hiato negativo de 4% agora, o hiato não fecharia em 2019, muito menos em 2020, 2021, 2022...

Uma possibilidade é de que o crescimento potencial seria mais baixo no curto prazo, já que a taxa de investimento atual (FBCF/PIB) mal cobre a depreciação do estoque de capital pré-existente (embora deva subir moderadamente nos próximos anos) e a produtividade total dos fatores (PTF) tendencial poderia estar caindo, reflexo do misallocation gerado pela política econômica do governo anterior (embora a PTF efetiva já tenha voltado a crescer nos últimos dois trimestres).

Ainda assim, considerando um crescimento potencial linear de 1,2% a.a. nos próximos anos (em linha com o crescimento projetado da PIA nesse horizonte), algebricamente o hiato somente fecharia no final de 2020.

O mais curioso é que muitos desses analistas que apontam que o hiato do PIB fechará em 2019 também projetam que a taxa de desemprego efetiva somente irá recuar dos 12,5% atuais para as cercanias de 10% da PEA entre 2021 e 2023. E há certo consenso de que a taxa de desemprego de equilíbrio brasileira (a chamada NAIRU), está próxima de 10% (podendo recuar nos próximos anos, com a consolidação jurisprudencial da reforma das relações de trabalho que entrou em vigor a partir de novembro de 2017). Minha estimativa da NAIRU, vale notar, está em 9,5% da PEA.

Ou seja: pela avaliação mais comum, o hiato do PIB fecharia em 2019, mas o hiato do mercado de trabalho somente fecharia entre o início e meados da próxima década. Não me parece ser uma avaliação coerente, até mesmo porque o fator trabalho hoje é uma restrição mais ativa (binding) do que o fator capital (vide os níveis baixíssimos do NUCI).

Nas minhas estimativas, tanto o hiato do PIB como o hiato da taxa de desemprego tenderão a fechar somente em 2021-22, dadas as projeções de consenso mais recentes para o crescimento do PIB efetivo (+2,6% a.a.) e da Formação Bruta de Capital Fixo (+5% a.a.) em 2018-2022 (extraídas do Latin Focus dez/17, já que o Focus/BC não coleta expectativas para o PIB sob a ótica da demanda).

Isso significa dizer que, caso não haja nenhuma surpresa desfavorável com as eleições gerais deste ano, o juro básico fixado pelo BC poderá não subir em 2019, como hoje é esperado pelo consenso. Ademais, com um hiato de cerca de -7%., minhas estimativas apontam que o ciclo econômico está subtraindo cerca de 2,3 ponto porcentual (pp) do PIB do resultado primário recorrente do governo geral (o qual deve ter fechado 2017 em torno de -2,6% do produto). Ou seja: o resultado fiscal estrutural do governo geral, que era de cerca de +2% do PIB em 2011-12, e recuou para -1,5% em 2014, já teria fechado 2017 bem próximo de zero – sinalizando, em contraste com o sugerido pelos dados brutos, que o processo de consolidação fiscal de curto prazo está avançando.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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Bráulio
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