Reformas e crescimento
Qual o efeito de reformas estruturais sobre o crescimento econômico? Diante dessa pergunta, a maioria dos economistas (nós, inclusive) responderia que o efeito é positivo. Afinal, reformas correspondem, grosso modo, a atualizações/aperfeiçoamentos das “regras do jogo”.
De fato, reformas podem promover uma alocação de recursos mais eficiente na economia, aumentando a produtividade, bem como remover restrições que impedem uma maior oferta de bens e serviços. Algumas reformas podem até mesmo trazer mais ganhos de crescimento com redução de desigualdade (de oportunidades e mesmo de resultados). Vale notar que a literatura econômica baseada em modelos é bastante favorável à hipótese de que reformas impactam positivamente o crescimento, embora a literatura empírica seja um pouco mais controversa.
Não é sem razão, portanto, que diversas instituições multilaterais recomendam a implementação de uma agenda de reformas quando países precisam melhorar o seu desempenho de forma duradoura. Por exemplo, publicação recente da OCDE diz que “a adoção de agendas de reformas estruturais oferecerá aos governos a melhor chance de retornar a um crescimento econômico forte, sustentável e equilibrado”.
Trazendo esta discussão para o Brasil, é difícil se opor à ideia de que várias reformas são necessárias por aqui. Desde 1980, segundo dados do FMI, o crescimento anual médio do país (2,3%) tem sido bem inferior ao observado nos países emergentes (4,5%) – e mesmo nos países avançados (2,4%).
O problema é que também é difícil ignorar que o Brasil, depois de uma onda reformista que foi desde o começo dos anos 1990 até meados da década passada, voltou a avançar consideravelmente na agenda de reformas desde 2015/16. Tudo bem, pode não ter sido o ideal, mas houve vários avanços. Podemos citar mais de uma dezena de mudanças institucionais, muitas delas “vendidas” como promessas de um crescimento econômico maior.
Nos últimos 4/5 anos, o Brasil implementou: a nova lei de estatais; a mudança no regime de exploração do pré-sal; o teto de gastos; a reforma do ensino médio; a liberalização da terceirização; a criação da TLP; a reforma trabalhista; a reformulação do cadastro positivo; uma mini reforma política (cláusula de barreira e fim de coligações em eleições proporcionais); a lei da liberdade econômica e a reforma da previdência. Neste ano de 2020, foi aprovado o novo marco do saneamento e há uma chance razoável de que outras reformas, como a autonomia e ampliação do mandato do BCB, o novo marco do gás, dentre algumas outras, também sejam implementadas.
Um ponto digno de nota, antes de prosseguir: não são apenas governos mais à direita que promovem reformas liberalizantes na economia, como muitas vezes é colocado no debate. Um trabalho recente de economistas do FMI aponta que governos de centro e mais à esquerda são tão ou mais reformistas do que governos de direita. Há vários outros aspectos que afetam o ímpeto reformista, tais como o regime e o desenho dos sistemas políticos, o quadro conjuntural, o pertencimento ou não a uma união monetária, a presença ou não de um acordo com o FMI, dentre outros.
A despeito da agenda de reformas ter caminhado razoavelmente bem, o desempenho da economia brasileira tem sido decepcionante desde o início do período reformista mais recente, sob várias métricas: em relação às expectativas criadas com várias dessas reformas; em relação ao nosso desempenho passado; e mesmo na comparação com outros países ou grupos de controle.
Além disso, caso tomemos as expectativas de consenso do mercado (mediana Focus) para o crescimento da economia brasileira quatro anos à frente como uma proxy para o crescimento potencial, tem-se a impressão de que a agenda de reformas não teve qualquer efeito altista relevante sobre as projeções de crescimento potencial de 2016 até agora.
É verdade que os analistas que abastecem o sistema Focus/BCB com suas expectativas para o crescimento do PIB têm poucos incentivos para buscar uma boa acurácia (já que não há ranking Top5 para essa variável). Ainda assim, é estranho que profissionais do mercado financeiro reportem sistematicamente as mesmas expectativas após tantas mudanças – frequentemente defendidas por eles – que, dentre outras coisas, buscavam ampliar o crescimento potencial do país. Não só a mediana Focus para o crescimento do PIB no ano t+4 parece estacionada em torno de 2,5% desde meados de 2016, como a média das projeções também parece “andar de lado” nesse período (a rigor, há um leve processo de queda do final de 2017 até agora), como mostra o gráfico.
Sim, é possível que ainda não tenha passado tempo suficiente para que as reformas supracitadas amadurecessem. Há vários estudos que sugerem prazos de maturação extensos, chegando a 5 ou 10 anos para algumas reformas (até mesmo porque algumas delas preveem uma transição gradativa). Se isso for verdade, os dividendos das reformas ainda estão por vir – sendo que a crise associada à Covid-19 pode ter perturbado esse processo.
Mas também é possível que o Brasil esteja caminhando para ser mais um país que não colheu bons frutos com uma ampla agenda reformista. Filipinas na década de 60; Chile na década de 70; Equador, Bolívia, Colômbia e Peru na década de 80; e o Quênia na década de 90 são casos de países que implementaram grandes reformas econômicas e não tiveram um bom desempenho em seguida.
Não é porque houve reformas que países necessariamente vão crescer mais. Segundo estudo recente de Alessio Terzi e Marco Marrazzo, dos 135 grandes episódios mundiais de aceleração do crescimento entre 1962 e 2002, quase metade (45%) foi precedida por pelo menos uma reforma estrutural. Ao inverter a questão e explorar quantas vezes as reformas levaram a uma aceleração do crescimento, os autores encontram que em 90% dos casos não houve mudanças relevantes na trajetória de crescimento.
Por que isso acontece? A resposta parece estar na seleção errada das reformas e/ou na implementação deficiente das mesmas. Sem um bom diagnóstico de quais são os maiores gargalos e/ou sem um desenho adequado das mudanças (incluindo a transição), corre-se o risco de dar com os burros n’água.
Há toda uma literatura empírica apontando a importância do sequenciamento para que as reformas sejam bem sucedidas. Ou seja: em se tratando de reformas, a ordem dos fatores altera o produto, por várias razões. Por exemplo, abrir rapidamente ao comércio exterior uma economia com vulnerabilidades nas contas externas pode acabar não gerando os efeitos econômicos esperados.
Além disso, há evidência de que reformas são mais efetivas quando suportadas por políticas macroeconômicas adequadas. Isso porque em um mundo em que a histerese econômica é a regra (e não a exceção), concentrar todos os esforços em reformas – com seus efeitos diferidos no tempo -, ignorando a posição cíclica da economia, é como enxugar gelo. Dito de outro modo: políticas adequadas de estabilização das flutuações de curto prazo potencializam as reformas estruturais, ao passo que políticas de gestão do ciclo inadequadas atuam, na prática, como contrarreformas.
Isto posto, como extrair lições para que o Brasil persevere com sucesso nas suas reformas?
Primeiro, foco nas verdadeiras prioridades e em bons desenhos. No meio de tanta discussão (e confusão) que há em Brasília, pouca coisa parece tão prioritária para o crescimento quanto uma reforma tributária nos moldes da PEC 45/2019. Além de o Brasil ser claramente uma anomalia em termos de complexidade do sistema tributário e em custos de conformidade, há estudos que estimam um aumento substancial de PIB potencial com esta reforma, a qual vem sendo pensada e desenhada há anos por especialistas no assunto do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).
Segundo, é importante ter claro que reformas não geram crescimento de forma mecânica. Sem políticas de demanda que estimulem o PIB efetivo a realizar o seu novo potencial, o crescimento não acontecerá. Isso significa, no contexto atual, que não podemos ignorar que a economia brasileira vem operando com expressivo excesso de ociosidade desde 2016. Desse modo, é preciso ter claro se a economia brasileira realmente está em seu limite efetivo mínimo da taxa de juros e/ou se precisamos redesenhar nossas regras fiscais com maior pragmatismo e à luz das evidências e experiências internacionais, de modo a permitir algum grau de flexibilidade da política fiscal com relação ao ciclo econômico.
Em resumo, dizer que "os países com baixo potencial de crescimento precisam de reformas estruturais" é como dizer que "os doentes precisam de tratamento". A escolha do melhor remédio e das condições que afetam o tratamento são fundamentais - ainda que isso não seja tão óbvio no país da cloroquina.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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