Macroeconomia

Trabalho remoto em tempos de pandemia

14 jan 2021

Não é nenhuma novidade que a pandemia do coronavírus afetou a estrutura do mercado de trabalho de forma intensa durante o ano de 2020. Muito postos de trabalho tiveram que ser adaptados ao trabalho remoto, sendo que em alguns casos houve mais facilidade do que em outros nessa tarefa, segundo o que apontam diversos estudos realizados até o momento. Por conta disso, a equipe de mercado de trabalho da consultoria IDados resolveu olhar para o caso brasileiro, em específico, a fim de calcular a probabilidade de cada ocupação do nosso país ser exercida remotamente.

Com este objetivo, partimos da metodologia proposta por Dingel e Neiman (2020), que utiliza dados da base O*NET (Occupational Information Network) para classificar o potencial das ocupações americanas em serem realizadas remotamente. Em seguida, traduzimos essa classificação para as ocupações brasileiras. Fizemos isso através de uma compatibilização entre a classificação americana de ocupações (adotada no sistema O*NET) e a brasileira (Classificação de Ocupações para as Pesquisas Domiciliares, cuja sigla é COD). Assim, conseguimos obter uma estimativa do potencial de trabalho remoto das diferentes ocupações brasileiras.

Utilizamos então esses dados para analisar a questão do trabalho remoto no caso brasileiro. Dividimos nossa análise em duas partes. Primeiro, realizamos uma análise estática, para identificar indivíduos com maior potencial para trabalhar remotamente. Em outras palavras, procuramos, nessa análise estática, estudar o trabalho remoto a partir dos seguintes recortes: (i) idade, (ii) escolaridade (iii) região e (iv) setor. Segundo, encerramos com uma análise dinâmica, em que fizemos uma comparação da evolução da população ocupada entre trabalhadores remotos e presenciais (que são aqueles que não podiam trabalhar remotamente). Em ambas as análises, estática e dinâmica, são utilizados os microdados trimestrais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC).

Nossos resultados preliminares mostram que, no primeiro trimestre de 2019 (antes da pandemia do covid19), havia quase 13 milhões de trabalhadores brasileiros empregados em ocupações que podiam ser realizadas remotamente. Por outro lado, havia naquele mesmo primeiro trimestre de 2019 um total de aproximadamente 77 milhões de trabalhadores brasileiros empregados em ocupações que não podiam ser realizadas remotamente, ou seja, que tinham que trabalhar presencialmente. Logo, encontramos que cerca de 14,4% dos trabalhadores brasileiros estavam empregados em ocupações que tinham potencial para trabalho remoto, no primeiro trimestre de 2019.

Análise estática

A Figura 1 ilustra, no eixo vertical, a proporção de trabalho remoto e apresenta, no eixo horizontal, diferentes faixas etárias. No primeiro trimestre de 2019, a proporção de trabalho remoto era maior para adultos (com idade entre 25 e 54 anos) e idosos (maiores de 55 anos) do que para jovens (com idade até 24 anos). Isso pode refletir o fato de o jovem ainda não ter idade suficiente para obter um diploma de ensino superior. Dado que ocupações de profissionais com ensino superior tendem a ser mais adaptáveis ao trabalho remoto (inclusive veremos números sobre esse assunto abaixo), a falta do diploma acaba diminuindo as oportunidades do jovem e, consequentemente, tornando-o mais propício ao trabalho presencial. Os dados dizem que apenas 3% dos jovens podiam trabalhar remotamente, contra 13% e 16% para adultos e idosos, respectivamente.


Fonte: PNADC trimestral (primeiro trimestre de 2019). Elaboração: IDados.

A Figura 2, por sua vez, considera o recorte por escolaridade. Nesse caso, as categorias analisadas são de trabalhadores com e sem ensino superior (ES) completo. O gráfico alerta para a enorme diferença entre trabalhadores com e sem ES completo, no que se refere à possibilidade de trabalhar remotamente. Ou seja, pode-se dizer que os postos ocupados por aqueles com ES completo têm um potencial muito maior para o trabalho remoto. Especificamente, no primeiro trimestre de 2019, a proporção de indivíduos com ES completo que podia trabalhar remotamente era de 38,0% contra apenas 8,2% daqueles sem ES completo. Esse resultado faz sentido, dado que ocupações típicas de profissionais com ES completo tendem a ser mais adaptáveis ao trabalho remoto.


Fonte: PNADC trimestral (primeiro trimestre de 2019). Elaboração: IDados.

Na Figura 3 observamos o recorte por região. Nesse caso, os dados parecem menos assimétricos, embora ainda fique claro um maior potencial para o trabalho remoto na região Sudeste, em relação as demais. O Sudeste apresentava, no primeiro trimestre de 2019, um potencial para trabalho remoto de 15,2%, contra 11,9%, 13,3%, 13,1 e 12,9% para Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste, respectivamente. Esse resultado faz sentido, dado que a região Sudeste concentra os trabalhadores mais qualificados do país e, como visto acima, indivíduos mais escolarizados têm maior potencial para trabalhar remotamente.


Fonte: PNADC trimestral (primeiro trimestre de 2019). Elaboração: IDados.

Por fim, analisamos o recorte referente ao setor de atuação do trabalhador na Figura 4. Nesse caso, constatamos que o setor de Serviços Modernos apresenta um maior potencial para o trabalho remoto. Faz sentido, dado que se trata de um setor que compreende atividades como: (i) Tecnologia da Informação e (ii) Intermediação Financeira. Como essas atividades têm menor necessidade de contato direto com o cliente, é de se esperar que o setor de Serviços Modernos apresente mesmo um maior potencial de trabalho remoto. Especificamente, o setor de Serviços Modernos possuía, no primeiro trimestre de 2019, um potencial de trabalho remoto de 28,6%. Comparativamente, setores como a Agropecuária e a Construção Civil apresentavam números bem inferiores naquele primeiro trimestre 2019. O potencial de trabalho remoto era, no início de 2019, para a Agropecuária e a Construção Civil, de 0,2% e de 3,4%, respectivamente.


        Fonte: PNADC trimestral (primeiro trimestre de 2019). Elaboração: IDados.

Análise dinâmica

Ao adicionarmos à nossa análise a dimensão temporal, no intervalo entre o primeiro trimestre de 2019 e o terceiro trimestre de 2020, percebemos que a crise teve impacto mais relevante sobre o trabalho presencial (que não pode ser realizado remotamente). No último dado disponível do terceiro trimestre de 2020, o trabalho remoto tinha apresentado uma queda, em termos de população ocupada, de quase 8%, na comparação com o mesmo trimestre de 2019. Porém, a queda da população ocupada foi bem maior no caso do trabalho presencial. Nesse caso, a queda foi de mais de 13%, na comparação do terceiro trimestre de 2020 com o mesmo trimestre de 2019. Isso representa uma redução que é quase 63% maior para o trabalho presencial. Esse resultado faz sentido, dado que a pandemia deveria afetar mais fortemente mesmo o trabalho presencial. Isso porque trabalhadores cujo emprego é majoritariamente presencial foram mais afetados pelas medidas restritivas que foram adotadas visando reduzir a propagação da Covid-19.


Fonte: PNADC trimestral. Elaboração: IDados.

Conclusão

De forma resumida, calculamos neste texto a proporção de trabalhadores brasileiros cujas ocupações podem ser realizadas remotamente. Partindo da metodologia proposta por Dingel e Neiman (2020), estimamos que aproximadamente 14,4% dos trabalhadores brasileiros estão em ocupações que podem ser realizadas remotamente. Esse número, de 14,4%, representa uma proporção pequena do total de trabalhadores e revela uma vulnerabilidade elevada do mercado de trabalho nacional à crise da pandemia do coronavírus, visto que implica que a maior parte da população está ocupada em empregos que precisam ser realizados de forma presencial.

Além disso, identificamos que o potencial de trabalho remoto é maior entre: (i) adultos e idosos (que têm taxas de desemprego menores do que as observadas entre os jovens), (ii) trabalhadores com ensino superior (que são mais qualificados), (iii) empregados na região Sudeste (que é mais rica) e (iv) funcionários do setor de serviços modernos (que paga salários relativamente mais altos). Logo, parece que o potencial de trabalho remoto é maior justamente para indivíduos que estão em uma situação social mais favorável (adultos, qualificados, moradores do Sudeste e alocados no setor de serviços modernos).

Ademais constatamos que os indivíduos que podiam trabalhar remotamente, que tinham uma situação social mais favorável, foram menos afetados pela crise da pandemia do coronavírus. Isso porque a queda da população ocupada foi menor entre os indivíduos que podiam trabalhar remotamente do que entre aqueles que não podiam.

É possível concluir assim, que na crise econômica causada pela pandemia, o peso recaiu sobre os mais fracos, aprofundando as expressivas desigualdades socioeconômicas já pré-existentes no caso brasileiro. As perspectivas de vacinação em massa, e retomada das atividades econômicas pós imunização da população, continuam sendo, portanto, as melhores esperanças para os mais vulneráveis do país.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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Alberto Cid Gua...

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