Inflação brasileira e seus efeitos distributivos
A economia brasileira vive um choque de oferta clássico, que se caracteriza, simultaneamente, pela queda da atividade econômica - decorrente do isolamento em função do medo de contaminação pela Covid19 – e aumento da inflação – fruto do choque nos preços dos gêneros alimentícios e, mais recentemente, de energia elétrica e combustíveis. Não à toa, visando conter os efeitos de segunda ordem desses choques sobre as expectativas de inflação, o Comitê de Política Monetária (COPOM) optou por ajuste de 75 bp na taxa básica de juros.
Contudo, é importante mencionar que a dinâmica inflacionária não é uniforme entre os componentes do IPCA. Enquanto os preços dos alimentos no domicílio apresentam trajetória de elevação em decorrência não apenas do aumento de preços das commodities agrícolas, mas também do movimento de depreciação cambial dos últimos 12 meses, a parte relativa aos serviços, que tem maior ligação com as flutuações do mercado de trabalho, apresenta uma trajetória bastante benigna (Gráfico 1).
Fonte: BCB
Uma análise importante acerca da dinâmica do IPCA é realizada pelos colegas de conjuntura macroeconômica do IPEA, que divulgam mensalmente a desagregação do IPCA por faixa de renda. Basicamente há seis faixas de renda de acordo com o rendimento mensal domiciliar.
O Gráfico 2 mostra o comportamento do IPCA desagregado por faixa de renda acumulado ao longo dos últimos 12 meses até fev.2021. Nota-se uma dinâmica perversa. Enquanto a inflação para a faixa de renda alta foi de 3,4% (abaixo do IPCA cheio, que foi de 5,2%), a alta dos preços incidente sobre as famílias classificadas de renda muito baixa foi de 6,7% (acima do IPCA cheio).
Fonte: Ipea
Essa dinâmica está ligada à preponderância da cesta de consumo das faixas de renda. O Gráfico 3A mostra a correlação positiva entre a inflação de alimentos e a da categoria de “renda muito baixa”. O Gráfico 3B mostra como a inflação de alimentos anda, em boa medida, de forma semelhante à inflação do grupamento de renda familiar muito baixa. Famílias mais pobres gastam a maior parte de seu orçamento familiar com alimentação.
Fonte: Ipea e BCB
Por sua vez, o Gráfico 4A traz a correlação positiva entre a inflação de serviços e a da categoria de “renda alta”. Reforçando esse ponto, o Gráfico 4B mostra como a inflação de serviços tem, em alguma medida, dinâmica semelhante à inflação do grupamento de renda familiar alta. Famílias mais ricas gastam a maior parte de seu orçamento familiar com serviços – pessoais, de lazer, domésticos etc.
Fonte: Ipea e BCB
Dessa forma, a dinâmica inflacionária recente tem por base uma mudança de preços relativos importante. As camadas mais pobres da população ofertam seus serviços e tem como destino da maior parte de seus rendimentos o consumo de alimentos. Em outras palavras, tendem a ofertar serviços mais baratos e consumir gêneros alimentícios que estão com um ritmo elevado de alta de preços. Trata-se, portanto, de uma mudança desfavorável de preços relativos para as camadas mais pobres da população, com efeitos distributivos importante em um cenário de pandemia.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Deixar Comentário