A volta do debate sobre proteção social
Diante do fato de que o governo até o momento não apresentou sua proposta e da necessidade inadiável de aprimoramento da rede de proteção social, a Lei de Responsabilidade Social é muito oportuna e deve ser debatida pela sociedade e seus representantes no Congresso.
A pandemia evidenciou a enorme vulnerabilidade social de milhões de trabalhadores de baixa renda, particularmente os informais. Enquanto as famílias mais pobres são cobertas pelo Bolsa Família e os trabalhadores formais têm direito a vários benefícios previdenciários e trabalhistas, os trabalhadores sem carteira assinada e grande parcela dos trabalhadores por conta própria não são cobertos pela rede de proteção social.
Esse contexto estimulou a criação do auxílio emergencial e o surgimento de várias propostas, tanto por parte de analistas como de parlamentares, com o objetivo de reforçar a rede de proteção social do país.
Em particular, no segundo semestre do ano passado o governo sinalizou que apresentaria um novo programa, o Renda Brasil, que envolveria um aumento do benefício mensal pago aos beneficiários do Bolsa Família e uma expansão de sua cobertura, passando a incluir uma parcela das famílias que receberam o auxílio emergencial.
Para financiar o Renda Brasil, seriam utilizados recursos atualmente alocados para o Bolsa Família e outros programas sociais com baixo grau de focalização, como o Abono Salarial. No entanto, após a declaração do presidente Bolsonaro de que não iria tirar dos pobres para dar aos paupérrimos não houve mais qualquer iniciativa nessa área por parte do governo.
No final do ano passado o Senador Tasso Jereissati apresentou o PL 5343/2020, que cria a Lei de Responsabilidade Social (LRS). O projeto é baseado em uma proposta do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), para a qual tive o prazer de contribuir. O material está disponível aqui.
A proposta do CDPP consiste em medidas de aprimoramento da rede de proteção social brasileira, respeitando a necessidade de equilíbrio das contas públicas. Seus objetivos são eliminar a pobreza extrema, proteger os trabalhadores informais da volatilidade de sua renda e promover a igualdade de oportunidades.
Já discuti essa proposta nesse espaço, mas cabe um breve resumo. O PL prevê a criação de três benefícios. O primeiro é o Benefício de Renda Mínima (BRM), que unifica os quatro benefícios que atualmente compõem o Bolsa Família, aumenta os incentivos para a declaração da renda do trabalho e o valor médio do benefício. Propõe-se ainda a criação da Poupança Seguro Família, que consiste em um depósito mensal por parte do governo voltado para trabalhadores de baixa renda, que poderia ser sacado em situações específicas, como uma queda da renda do trabalho e calamidades como a atual pandemia. O terceiro benefício é uma poupança para estudantes pertencentes a famílias beneficiárias do BRM, que poderia ser sacada quando concluíssem o Ensino Médio.
Embora tenham mecanismos diferentes de financiamento, tanto a proposta do CDPP como a LRS proposta pelo Senador Tasso Jereissati determinam que as despesas do novo programa social devem respeitar os limites fiscais vigentes, em particular o teto de gastos.
Apesar do debate em torno de um novo programa social ter sido bastante intenso em 2020, com a virada de ano nada efetivamente aconteceu. Não houve nenhum avanço concreto na tramitação dos projetos legislativos e mesmo o auxílio emergencial não foi prorrogado no início de 2021. Somente em abril o auxílio voltou a ser pago, tendo sido renovado por quatro meses.
Isso é particularmente surpreendente diante da eclosão de uma nova onda da pandemia e das diversas evidências de que o mercado de trabalho tem se recuperado de forma bem mais lenta que a economia, como evidenciaram os dados da PNAD Contínua referentes ao primeiro trimestre divulgados esta semana.
No entanto, dois acontecimentos recentes trouxeram de volta ao debate o tema da reformulação da rede de proteção social. Primeiro, a determinação recente do STF de que o Presidente da República deve fixar, a partir de 2022, o valor da renda básica de cidadania, instituída pela Lei nº 10.835/2004.
Embora esta lei enuncie um benefício universal, o voto vencedor do Ministro Gilmar Mendes faz diversas ressalvas quanto ao seu custo e viabilidade, estipulando que “a cobertura universal deverá ser alcançada em etapas, a critério do Poder Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas da população”. Já o valor do benefício deve respeitar “o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias”. O voto também considera “que precisamos urgentemente de uma lei de responsabilidade social (...) que teria por finalidade a melhoria dos índices sociais e econômicos de grupos vulneráveis”.
O outro fato que contribuiu para retomar este debate foi a inclusão semana passada do projeto da LRS na pauta do plenário do Senado. Após negociações com o governo e partidos de oposição, o Senador Antonio Anastasia, relator do projeto, fez um acordo no sentido de deliberar a matéria inicialmente na CCJ, seguida de encaminhamento para votação no plenário.
Diante do fato de que o governo até o momento não apresentou sua proposta e da necessidade inadiável de aprimoramento da rede de proteção social, a Lei de Responsabilidade Social é muito oportuna e deve ser debatida pela sociedade e seus representantes no Congresso.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 28/05/2021.
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